A pergunta que fica

José Casanova
«A Universidade de Goa decidiu atribuir a Cavaco Silva o Doutoramento honoris causa em Literatura». Não havendo razões para duvidar da veracidade da notícia – ela foi divulgada por todos os média sem que tenha havido qualquer desmentido e até há imagens que nos mostram o laureado com o canudo na mão – há razões, e muitas, para estupefacção pela ocorrência. Doutor em Literatura? Literatura quê? Portuguesa?: mas se o próprio confessou, aqui há uns anos, o seu alheamento nessa matéria, garantindo-nos, mesmo, que nem se lembrava de quantos cantos têm os Lusíadas!… Literatura europeia?: só se for isso: aí, soubemos pelo mesmo próprio mais ou menos na mesma altura, que tinha lido, uma vez, um-livro-um: «A Utopia, de Thomas Mann» (ou terá sido «A Montanha Mágica, de Tomás Morus»?).
Em todo o caso, lida a notícia até ao fim e bem vistas as coisas, o que fica para a história não é tanto o Doutoramento em Literatura com que a Universidade de Goa, ela lá saberá porquê, decidiu honrar Cavaco Silva, mas essencialmente o discurso de agradecimento por ele produzido após o recebimento do canudo. E se do facto de Cavaco Silva ter passado a ser Doutor em Literatura nenhum mal vem ao mundo, já não se pode dizer o mesmo do dito discurso. Com efeito, dizem-nos, «Cavaco Silva aproveitou para defender ‘as ideias modernas que adquiriram uma palavra na Europa’» - com isto estando a referir-se à palavra do momento, à palavra que, por si só, expressa a mais importante de todas ‘as ideias modernas’ dos tempos actuais: flexigurança (escrevem uns); flexi-segurança (escrevem outros), uns e outros sabendo que estão a dizer o mesmo, uns e outros traduzindo para que não restem dúvidas: «maior flexibilidade nas relações laborais facilitando os despedimentos, as contratações e a mobilidade» que o mesmo é dizer: dar luz verde ao grande capital para despedir quem muito bem quiser quando muito bem quiser.
Cavaco Silva manifestou-se, então, «adepto da flexigurança» - «um conceito novo», na sua opinião. E o Governo de José Sócrates «vê com agrado» a declaração de Cavaco Silva. E a pergunta que fica é esta: se o Presidente da República tem o dever, jurado em tomada de posse, de cumprir e fazer cumprir a Constituição, como é possível manifestar-se a favor dos despedimentos sem justa causa que violam a Lei Fundamental do País?


Mais artigos de: Opinião

Aparições

Na minha caixa de correio, a exemplo do que sucedeu a um milhão de portugueses, segundo consta, apareceu há dias um desdobrável convidando a descobrir «o que pode acontecer em Portugal no ano em que se comemoram os 90 anos das Aparições de Nossa Senhora de Fátima». Abri o folheto, na expectativa de grandes revelações –...

A peçonha «CIÁtica»

O PS em «santa aliança» com PSD e CDS-PP recusou o inquérito parlamentar, proposto pelo PCP, sobre os voos dos sequestros da CIA a caminho das torturas de Guantánamo e das prisões secretas do imperialismo.As desculpas já nem isso conseguem parecer de tão esfarrapadas pelo peso das evidências. Seja a desvergonha da «falta...

Aparências

Os que viram nos últimos sobressaltos que invadiram a Casa Branca mais do que um sinal de indisfarçável dificuldade perante as derrotas militares imposta pela resistência iraquiana ao todo-poderoso exército dos EUA e, ingenuamente pressagiaram uma revisão da política externa americana, cedo se desenganaram. A cirúrgica...

O PCP está mais forte!

No seguimento do XVII Congresso, em Novembro de 2005, o Comité Central aprovou uma resolução sobre questões de organização, sob a consigna, «Sim, é possível! Um PCP mais forte». Tratou-se na altura do profundo compromisso de todo o Partido de proceder à concretização de um conjunto de medidas integradas que visava, no ano em que se assinalava o 85º aniversário do PCP e o 75º Aniversário do Avante!, reforçar a capacidade de intervenção e a organização do PCP.

Aposta na barbárie

Como já era esperado, Bush anunciou na última semana o reforço da criminosa intervenção militar dos EUA no Iraque, nomeadamente com o envio de mais tropas. A opção pela escalada da violência imperialista significará mais derramamento de sangue e sofrimento para o povo do Iraque. País onde a ocupação dos EUA, confrontada...