Aristocratas

Jorge Cordeiro
Ninguém pode acusar Vital Moreira de se não prestar a dar eco às teses que dão suporte à actual ofensiva da política de direita. A cada medida liquidatária de direitos, aí está Vital a marcar presença para a corroborar e disponível para acrescentar, em estilo académico, o que, de modo mais poliédrico, um qualquer Belmiro já havia aduzido para a justificar. É este papel de zelador dos interesses de direita que terá impulsionado Vital a — juntando-se ao coro dos que a pretexto dos «privilégios» (leia-se, retirada de direitos) e da «coragem» (entenda-se, atacar os mais fracos) justificam a actual ofensiva — ter dado à estampa um artigo onde identifica a luta dos trabalhadores com aquilo que designa de «aristocracia operária». Para dar aparência à peça e alguma credibilidade à tese, Vital não hesita mesmo em usar Marx — mal e com as imprecisões inevitáveis dos que, citando à esquerda, são levados na sua gelatinosa coerência a esvair o seu pensar nas malgas dos interesses da direita. A tese, resgatada de inatingíveis esconsos do sótão do autor, assenta na sucessiva identificação de privilégios com direitos e destes com trabalhadores da administração pública, e desagua na pretendida conclusão de que as lutas estariam reduzidas ao sector público e as greves em curso seriam «greves de elites assalariadas».
Sendo mais papista que o papa, Vital acaba no papel do pior dos cegos: não o que não vê, mas o que não quer ver. Bastaria que os seus olhos enxergassem além do estrito horizonte do deslumbramento com a política de direita para identificar, ao contrário do que sustenta, não poucas lutas, greves e protestos em empresas do sector privado. Empenhado em nivelar por baixo os direitos, ao que designa como pôr termo ao «laxismo nas relações laborais», Vital aspira à construção de uma relação de trabalho assente na precariedade, no arbítrio e insegurança laborais, indispensáveis à exploração e à escravização da mão de obra. Pelo que continua a não ver, porque não quer ver, que a luta dos trabalhadores do sector público não é uma luta da aristocracia operária, e ainda menos «contrária ao interesse geral», mas sim um factor de resistência à destruição de direitos e um contributo para ampliar e construir num nível acima os direitos dos trabalhadores em geral.
Recorrendo a Marx, bem se pode dizer que a Vital assentaria, em parte, a acusação dirigida a Proudhon e à inconsequência dos pequenos burgueses «que se fazem, por um lado socialistas, e por outro, economistas, isto é, ficam deslumbrados com a magnificência da alta burguesia e simpatizam com as dores do povo». Com a assinalável diferença de que enquanto este ainda partilhava no seu espirito anarquista de ambas as contradições, Vital há muito que deixou o povo para se render ao capital.


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