Uma luta que vale a pena

João Frazão (Membro da Comissão Política)
São 7h30 da manhã. A delegação do PCP chega à porta da Yazaki Saltano, em Ovar. O movimento começa a intensificar-se. Chegam às centenas. São na sua maioria mulheres. Não ultrapassam os quarenta anos, ou mesmo os trinta.

A Yazaki teve cinco milhões de euros de apoios comunitários para a unidade de Ovar

Não é o frio que obriga aos rostos fechados. Não é a falta de assunto que motiva os silêncios, ou o baixo sussurrar. O que hoje os oprime é a brutal notícia do despedimento colectivo de 533 trabalhadores.
Os documentos de solidariedade ali levados pelo PCP são avidamente consumidos. Ninguém escapa. Todos querem conhecer o que temos a dizer, numa relação de confiança cúmplice construída ao longo de anos de acompanhamento daquela empresa.
A Yazaki Saltano é uma multinacional japonesa, com unidades em inúmeros países de todo o mundo. Gera lucros fabulosos (factura em Portugal cerca de 180 milhões de euros), usando e abusando da mão de obra barata, buscando sempre maiores níveis de exploração, instalando-se à sombra de enormes subsídios públicos.
É preciso não esquecer que para além da aquisição de vários hectares de terreno pela módica quantia de 1 escudo o m2, a Yazaki beneficiou de mais de 5 milhões de euros de apoios comunitários só para a unidade de Ovar! Escondida atrás da «falta de condições competitivas», a decisão de despedir 533 trabalhadores, não é mais que uma vivíssima expressão do capitalismo, na sua versão do neoliberalismo selvagem.
Leiam-se os «Fundamentos do despedimento» que, no seu ponto 12, afirma que «a Eslováquia ou a Estónia têm um custo laboral 50 por cento abaixo de Portugal», custo que «na Roménia e na Bulgária baixou para 80 por cento do nível praticado em Portugal».
A esses países vão explorar – enquanto der – novas levas de trabalhadores. Para Portugal, a natureza predadora do capitalismo deixa os custos de cerca de meio milhar de desempregados, as tendinites dos trabalhadores, os problemas sociais.

Solidariedade constante

Ao longo dos anos o PCP, através dos seus deputados na Assembleia da República e no Parlamento Europeu, tem chamado a atenção dos diversos Governos para a situação da Yazaki.
Só ao Governo do PS foram dirigidos requerimentos a 2 de Fevereiro e 15 de Abril de 2005 e em 10 de Março e 29 de Dezembro de 2006.
No Parlamento Europeu, desde 2004 foram feitas 4 perguntas e duas intervenções sobre a empresa. Pela mão do GUE, foram aos PE representantes da Yazaki dar conta das suas preocupações.
O prosseguimento e aprofundamento da política de direita que despreza o aparelho produtivo, favorecendo os grandes interesses da especulação económica e financeira, ajudam perceber a atitude de avestruz do Governo do PS. Nada fez para defender os postos de trabalho.
Recorremos novamente aos documentos oficiais para vermos a que ponto chega a promiscuidade entre governo e os grandes grupos económicos.
No Comunicado Interno aos trabalhadores, a Yazaki, informa da intenção de despedir, ao mesmo tempo que anuncia que «técnicos do Instituto de Emprego e Formação Profissional de Aveiro vão estar na Yazaki em Fevereiro, para tratar do processo de inscrição no Centro de Emprego». Mais adianta que «para evitar perdas de tempo, os colaboradores envolvidos» – entretanto já despedidos – «são notificados por carta do dia e da hora da entrevista com o IEFP». Atente-se no humanismo da preocupação com a perda de tempo. Sublinhe-se a clara intenção de que os trabalhadores não se cruzem muito, não se juntem, não comuniquem entre si.
Estranha confusão esta que leva que um organismo da Administração Central, que até há poucos dias afirmava nada saber, tenha agora tudo combinado com a Yazaki, ao ponto de, pelo texto do ofício, mais parecer uma mera dependência daquela.

O caminho é a luta

Os trabalhadores da Yazaki decidiram para ontem, quarta-feira, uma acção de denúncia, protesto e luta em defesa dos postos de trabalho. É a justa resposta à provocação da empresa que sugere que «todos os colaboradores afectos à produção do Toyota Corolla que, com profissionalismo e sereneidade continuem a cumprir funções, garantindo os objectivos de produção e qualidade até ao final do modelo, dia 24 de Janeiro«, receberiam «um bónus adicional». Mas adicional em relação a quê? Será que a Yazaki considera o despedimento um bónus?
Se hoje se mantém quase 1000 trabalhadores na Yazaki, isso deve-se à sua árdua e continuada luta. Se estes tivessem baixado os braços, se tivessem aceitado as propostas de rescisões, que repetida e insistentemente lhes ofereciam e que o Movimento Sindical Unitário sempre repudiou, já se teriam perdido muitos mais postos de trabalho.
As grandes acções de massas realizadas no final de ano passado, de que se destaca o poderoso Protesto Geral de 12 de Outubro, deram uma cabal resposta aos que tinham sentenciado a morte da luta de classes, e colocaram-na, de forma inequívoca no centro dos processos de avanço social.
O caminho hoje volta a ser a resistência e a luta.


Mais artigos de: Opinião

Não a uma «Santa aliança» UE-EUA

A visita realizada a semana passada aos EUA pela Chanceler da Alemanha, Ângela Merkel, reveste-se de um significado político muito grave. Desde logo porque, perante o desconcerto e a crise em que as derrotas no Iraque mergulharam a classe dirigente norteamericana, tal visita funcionou como autêntico pronto socorro à...

A fingir

D. José Policarpo, cardeal patriarca de Lisboa, publicou no site do Patriarcado uma mensagem garantindo que «o cruzamento dos métodos anticoceptivos com os métodos abortivos e as soluções químicas para a interrupção da gravidez fizeram diminuir a realidade do aborto de vão-de-escada» em Portugal, pelo que, segundo ele,...

O Sr. Apenas

Estão suspensos há algumas semanas os transplantes do fígado a crianças em Portugal. O único sítio do país onde existe uma equipa de profissionais de saúde formada para fazer uma operação tão delicada é em Coimbra, nos Hospitais da Universidade. O médico que domina a técnica suspendeu a sua actividade e os transplantes...

Aristocratas

Ninguém pode acusar Vital Moreira de se não prestar a dar eco às teses que dão suporte à actual ofensiva da política de direita. A cada medida liquidatária de direitos, aí está Vital a marcar presença para a corroborar e disponível para acrescentar, em estilo académico, o que, de modo mais poliédrico, um qualquer Belmiro...

TEDH, Salazar, Bush

Bush mandou bombardear a Somália para matar não sei quem da Al-Qaeda. Matou centenas de pessoas inocentes, crianças incluídas, acrescentando mais um aos muitos outros crimes contra a humanidade que constam do seu sinistro currículo. E promete continuar a bombardear todos os países onde haja suspeitas da presença de...