«Arredondamentos»

Leandro Martins
Continuemos a fazer contas, por estes dias de início de um novo ano. Cada um faz as suas e começa certamente pelo mais significativo que lhe diz respeito. E assim apesar das declarações falaciosas de governantes que aproveitaram a quadra para dizer-nos que vai tudo pelo melhor ou pelas reportagens, igualmente falaciosas que nos impingem uma solidariedadezinha apaziguadora de consciências.
No primeiro dia de trabalho, a gente – o cidadão comum – dá logo conta de que lhe foram ao bolso. É só parar na portagem e pagar o tal aumento «médio» que para muitos é exorbitante. Nem falemos de todos os aumentos anunciados, mas daqueles, rasteiros e quase imperceptíveis que, por arrastamento, fazem da taxa de inflação prevista uma fantasia.
Ao entrar numa pastelaria onde costumo tomar o primeiro café, uma empregada pespegava no vidro onde se alinhavam os preços, as modificações decididas pelo patrão. E reparei que se limitava a raspar os cêntimos e a acrescentar, em cada pastel, bolo, salgado, sumo ou café, mais 5 cêntimos. Reflecti. O truque era «arredondar» a coisa. E assim os preços subiam cinco por cento em alguns casos e dez por cento em muitos deles. Que era feito da inflação «oficial», prevista e anunciada?
Antes, nas notícias da TV, anunciaram-me que os banqueiros portugueses, que haviam subido as prestações do crédito à habitação, no quadro decidido pelo Banco Central Europeu, não haviam procedido do mesmo modo nos depósitos a prazo dos seus clientes, o que, mais uma vez, os dispensava de pagar aos poupantes uma taxa que repusesse sequer o valor da inflação entretanto verificada, quanto mais a que se anunciava para este ano...
E parece que Portugal era, neste caso, uma excepção.
Portugal gosta de ser uma excepção. De aparecer em primeiro lugar no pódio ou no final da tabela. Mas gosta sobretudo de continuar a dizer que lá fora é melhor do que por cá.
As contas prosseguem. Assinalamos recordes no encerramento de escolas e de hospitais, na taxa de desemprego, no abaixamento do nível de vida. E nos acidentes. Porque será?, perguntam-nos naqueles programas que solicitam a «opinião» do telespectador. Haverá algum defeito congénito nos portugueses?
Não seria melhor «arredondar» isto e decidir que o defeito é o mesmo de que os outros povos se queixam?


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