O Museu de Santa Comba

Carlos Gonçalves (Membro da Comissão Política)
Está em curso, em Santa Comba Dão, por iniciativa da Câmara de maioria PSD e de um pequeno círculo fascista, um processo com vista à concretização do Museu Salazar. Mas a questão política que está colocada não é de natureza local, porque este é mais um passo - e importante - da operação em desenvolvimento com vista a rescrever a história do Século XX, a denegrir o regime democrático e o 25 de Abril, a branquear o fascismo e os seus crimes e a abrir caminho a novos avanços das políticas de direita, particularmente ao cerceamento de direitos liberdades e garantias e à degradação e liquidação do regime democrático constitucional.

O Museu Salazar tornar-se-ia um «santuário» de excursionismo, de revivalismo, uma estrutura centrada na propaganda do regime fascista

Neste âmbito, o Museu Salazar, como aliás de certa forma assumem as «considerações económicas» do projecto, tornar-se-ia um «santuário» do Salazarismo, um «Museu do Estado Novo» – como procuram «minimizar» os seus prosélitos, mas relevando assim o seu carácter corporativo e fascista -, um polo de excursionismo, de revivalismo, uma estrutura orgânica centrada na propaganda do regime fascista e da sua «personalidade» mais representativa – o primeiro dos criminosos responsáveis (nunca julgados) pela «ditadura terrorista dos monopólios associados ao imperialismo estrangeiro e dos latifundiários» que oprimiu o povo português e os povos das ex-colónias durante 48 longos anos.

A relativização do fascismo

Hoje em dia, em Portugal, é cada vez mais essencial insistir na definição do carácter de classe e da natureza criminosa do regime fascista, porque enfrentamos a sistemática e crescente mistificação da sua especificidade nacional, relativizada face ao nazi-fascismo Alemão, Italiano ou Espanhol, e constantemente menorizada em simples «ditadura de governo», «antimoderna», em inócuo «regime tradicionalista», ou «nacionalismo autoritário», «conservador e católico», e até em reles «invenção estalinista» - no dizer de «estudiosos» como M. Lucena, Braga da Cruz, ou Pulido Valente - e que se sustentava - assim escreveu um tal Rui Ramos do viveiro reaccionário da «Revista Atlântico» -, num «partido de funcionários públicos e notáveis de província», e cujos «sovietes de tenentes» do 28 de Maio constituíam «uma base humana parecida com os capitães de Abril»(!).
Campeia a vulgarização do Salazarismo, por exemplo na revista Sábado – ela sim, bem próxima dum registo «autoritário», «conservador e católico» - empurrando o nome do ditador sinistro nos «Grandes Portugueses» da RTP, ou por Pacheco Pereira, que vê «poucos inconvenientes e até vantagens» em que «Salazar pudesse ganhar o concurso», como se o «Salazarismo implícito», que diz ser sua preocupação, não se alimentasse (também) do «explícito», ou na promoção que resulta da “coincidente” apetência de certas editoras, que de súbito deu aos escaparates 9(!) livros sobre Salazar – alguns sérios, é verdade, mas outros apologéticos ou desculpabilizantes, tipo «Os amores de ...».
E cresce, sem peias nem escrúpulos, a propaganda dos «princípios e valores» salazarentos, da sua «seriedade», «boa gestão» e «autoridade moral», aproveitando o descrédito desta intrujice em que se tornou a alternância dos partidos das políticas de direita, para voltar a estas suas revelhas mistificações da propaganda fascista, seja nas páginas do «Defesa da Beira» de Santa Comba, seja nos blogues «anti-políticos» da moda, ou nos sites e links da Frente Nacional e do PNR.

Não ao Museu Salazar

Em Santa Comba Dão o Museu Salazar tem sido «vendido» como visando reparar a «dívida» ao «mais ilustre filho da terra», projecto «meramente científico» e «alavanca» milagrosa para o desenvolvimento local.
Só que Salazar não foi um santacombadense notável mas antes o responsável pela opressão e o atraso do país e do (seu) concelho, que nada lhe deve. E um verdadeiro projecto de desenvolvimento local, do que carece é de investimento no sistema produtivo e na actividade económica e não dum museu apologético e do excursionismo fascista, que afaste muitos outros visitantes e «investidores».
A Constituição proíbe as «organizações que perfilhem a ideologia fascista» e a Lei define-as como as que pela «sua actuação, mostrem... pretender difundir ou difundir efectivamente os valores, os princípios, os expoentes, as instituições e os métodos característicos dos regimes fascistas que a História regista, nomeadamente... o corporativismo ou a exaltação das personalidades mais representativas daqueles regimes».
A esta luz, o Museu Salazar (ou do Estado Novo) e a empresa que visa a sua concretização têm necessariamente de ser extintos pelo Tribunal Constitucional, com as consequências daí decorrentes.
Consegui-lo, na actual situação, contra a corrente da grande operação em curso de rescrita da história e de delapidação do regime democrático, vai ser um combate difícil - uma grande batalha pela defesa e consolidação do regime democrático. Para que - fascismo nunca mais!


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