Um profundo Simplex

Aurélio Santos
O ministro do trabalho, encostado às cordas na interpelação do PCP sobre a política laboral do governo, fugiu com golpe baixo dizendo que o PCP «vive ainda no Século XIX».
É uma gasta, safada e surrada cassete: o anticomunismo está a funcionar como o cuco de um relógio de repetição.
O ministro deu bom exemplo dos esquemas socratianos de virar o bico ao prego (não digo socráticos por respeito ao filósofo grego).
O que o PCP estava comprovando era precisamente a fúria restauracionista do governo para regresso às condições laborais do século XIX. E é para não regressarmos ao século XIX que lutamos contra a liquidação dos direitos laborais conquistados pelos trabalhadores com as revoluções do século XX – incluindo a nossa revolução de Abril.
O ardil de virar o bico ao prego tem muitas expressões na estratégia do governo.
O aumento do desemprego é justificado com a afirmação de que... «aumentou a população activa». O encerramento de maternidades, escolas e serviços públicos é «para aumentar a eficiência do Estado». O afã da exploração do trabalho com que o governo está ceifando direitos legítimos alcançados muitas vezes com pesados sacrifícios, é chamada «combate aos privilégios». E como o direito ao trabalho se tornou «privilégio» no Portugal dos sócrates, o governo estimula o regresso ao mercado selvagem do emprego, instala-o no funcionalismo, promove-o como expressão de «modernidade».
Empunha a gadanha da tradicional imagem da Morte ceifando vidas mas veste-lhe o esqueleto com as roupas modernistas dos «capitães América» de banda desenhada, fazendo «justiça» a pontapé. Mas por debaixo da pele modernista e demagógica das «novas tecnologias» arvoradas como emblema do governo aparece a mão do mais velho capitalismo: decadente, predador, parasitário, expoliador.
Dizia Marx que enquanto houver exploração do homem pelo homem, a humanidade vive ainda a sua pré-história. E o socratismo
quer-nos fazer regredir a tempos já recuados dessa pré-história.
Os comunistas lutam para que a humanidade saia dessa pré-história de exploração e opressão e finalmente possa construir conscientemente a sua própria História – numa sociedade na qual cada um contribua com as suas capacidades e receba de acordo com o seu trabalho. Não vos reconhecemos o direito de fazer Portugal regressar ao século XIX, senhor ministro do trabalho e senhor primeiro ministro. No vosso simplismo
«on-line» vazio de projecto, estão a complicar cada dia com medidas avulsas possibilidades reais de um progresso urgente.
Quem nos acusa de novecentismo é um governo que nem sequer conhece a história dos dois últimos séculos portugueses. E que na sua «socrossanta» obediência ao grande capital ainda não compreendeu que este reserva para si o «hardware» e não mantém por muito tempo ao seu serviço quem não saiba utilizar o simples «software». Muda de utilizadores. Mesmo que à experiência. Nem se apercebem que o povo português também sabe fabricar o seu próprio hardware. É que a vontade popular, quando cresce e se estende, não é simplista. Nem simplex. É forte.


Mais artigos de: Opinião

ALENTEJO contra as desigualdades

Cada vez mais as populações do interior do País se revoltam contra as desigualdades regionais que as políticas de direita impostas pelo poder central aprofundam.

Palestina, barbárie e resistência

Israel desencadeou nos últimos dias contra a Palestina uma operação terrorista de grande envergadura. Seja qual for o pretexto invocado, o alvo de mais este episódio da tenebrosa política sionista de «terra queimada» é o mesmo de sempre: o povo palestiniano, vítima de cruel ocupação, e a sua legítima aspiração à...

As mulheres do nosso país

Foi uma semana muito moderna: Sócrates ofereceu a todos uma caixa de correio electrónico para receber as contas, os jornais detalharam os crimes do serial killer de Santa Comba, a protagonista da telenovela infantil da SIC deu autógrafos durante 7 horas num centro comercial, as revistas encheram-se de namoradas de...

Opiniões

Enlevado, embevecido, épico e hípico, o Público conta-nos a empolgante cavalgada filantrópica de Bill Gates – «o homem mais rico do mundo», «o maior filantropo do mundo», o pai da «maior instituição privada de caridade do mundo», enfim, o mais em tudo nas referidas matérias. Extasiado, derretido, o Público anuncia que...

Uma questão política

Três mulheres foram anteontem condenadas pelo Tribunal de Aveiro a seis meses de prisão por terem feito um aborto há nove anos. O médico acusado de fazer os três abortos foi por sua vez condenado a quatro anos e oito meses de prisão efectiva, e a recepcionista do consultório, acusada de cumplicidade, a uma pena de um ano...