Três mortos

Henrique Custódio
A notícia correu todos os noticiários sem, aparentemente, impressionar o mundo: no sábado passado, três prisioneiros foram encontrados mortos nas suas celas da prisão militar norte-americana de Guantánamo.
O Departamento de Defesa dos EUA congratulava-se frequentemente por «jamais ter perdido uma vida em Guantánamo», numa provável tentativa de «remissão propagandística» que mitigasse a condenação maciça que lavra pelo mundo desde o primeiro dia de funcionamento desta ignóbil prisão militar norte-americana provocatoriamente instalada em 2002 numa base incrustada em território cubano. Deixou de o poder fazer, ficando desoladoramente escarolados os comentários brutais das autoridades norte-americanas sobre o acontecimento, com relevo para o comandante deste centro de detenção, o almirante Harry Harris, que declarou: «Foi um acto de guerra».
Só faltava que, na decorrência deste raciocínio do almirante, agora também fuzilassem os cadáveres para lhes castigar «o acto de guerra»... Talvez assim faça algum sentido a bizarra insistência do presidente Bush, no seu comentário às mortes dos três prisioneiros, para que «os corpos sejam tratados com o máximo respeito». Por entre o nevoeiro da sua espessa ignorância, quiçá o homem tenha uma ideia sobre os mecanismos essenciais que movem a sua administração...
O certo é que Guantánamo é uma anormalidade de tal dimensão, que até aliados caninos da administração Bush se vêem compelidos a declarar que esta prisão «está numa terra sem lei», pelo que «ou a mudam para os EUA ou a fecham», como declarou à BBC a ministra britânica dos Assuntos Constitucionais, Harriet Harman, ou que Guantánamo é «uma anomalia que tem que acabar», como disse recentemente o próprio primeiro-ministro britânico, Tony Blair.
Até agora, o mundo dito democrático, civilizado e incontestavelmente na liderança sócio-económica do planeta tem-se limitado a formalizar protestos tão vagos como inconsequentes contra esta indignidade, enquanto à sorrelfa colaboram activamente com a administração Bush, como se descobriu recentemente com os famosos «voos da CIA» a transportar prisioneiros para Guantánamo e outras prisões onde pudessem ser torturados sem responsabilização directa dos EUA e através dos territórios de vários países da União Europeia, como Grã-Bretanha, Espanha, Itália, França ou Portugal, para falar apenas de alguns.
Na verdade, o que se passa em Guantánamo brada aos céus e é o espelho da grotesca e perigosíssima lei do mais forte que a administração Bush ousou reimplantar nas relações mundiais.
Em Guantánamo, e a pretexto de «combater o terrorismo» e «defender a América», a administração Bush arrogou-se no direito de prender quaisquer pessoas capturadas em qualquer parte do mundo apenas por «suspeitas» engendradas ou coligidas por serviços secretos norte-americanos, negando a essas pessoas quaisquer direitos, sejam os de defesa jurídica, de acusação formal ou sequer de existência como prisioneiros de guerra, cidadãos ou, mesmo, pessoas.
De uma assentada, a administração Bush fez recuar a civilização humana até aos primórdios do «Código de Hamurabi», há uns bons 4000 anos, quando pela primeira vez se coligiram leis reconhecendo a existência de deveres e direitos entre pessoas em sociedade...
Foi também o que aconteceu na Alemanha nazi, ainda antes do desencadear da hecatombe, quando Hitler e o seu regime facínora já encarceravam em campos de concentração milhões de pessoas em nome da «defesa do seu espaço vital», enquanto o «mundo democrático» na Grã-Bretanha, na França e nos EUA assobiavam para o ar, procurando lucrar em negócios cada vez mais espúrios com a grande potência nazi.


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