A culpa não é de «todos»!

Paulo Raimundo (Membro da Comissão Política)
O Presidente da República, Cavaco Silva, assinalou o Dia de Portugal com um discurso de responsabilização colectiva, apelando mesmo aos portugueses para que reflictam sobre o que desejam e o que se dispõem a fazer pelo seu País!

Caberá aos trabalhadores a responsabilidade pela destruição de 100 mil postos de trabalho?

Mais um esforço para aumentar a auto-estima dos portugueses, esse povo pessimista, sem confiança, que inventa crises – que só existem nas suas cabeças (e... carteiras) –, «todos», portanto, responsáveis pela actual situação do País.
Ora, aí está! Como é que ninguém se lembrou antes desta solução para os nossos males: acreditar, ter confiança, não se deixar vencer pelo desânimo e pelo cepticismo! Ideias prontamente elogiadas pelo 1º Ministro, José Sócrates, que considera mesmo este discurso, um discurso novo, uma abordagem para os nossos tempos.
Claro que para Sócrates, e para todos os Sócrates deste País, tudo o que for branquear as suas responsabilidades na actual situação, são iniciativas a apoiar, e se esse apoio vier do Presidente da República tanto melhor.
Que melhor coisa pode acontecer a um governo, que não tem feito outra coisa desde que chegou ao poder do que roubar direitos, aniquilar serviços públicos, atacar quem trabalha, procurar virar trabalhadores contra trabalhadores, atacar sector a sector, tudo acompanhado de uma máquina de propaganda eficiente, que melhor coisa dizíamos, que ter o Presidente da República a transferir a responsabilidade da situação económica, da falta de produtividade, da crise, do desemprego, da pobreza, das injustiças sociais para o povo português.
O actual PR, ele próprio ex-1º Ministro, certamente também encontra no seu próprio discurso uma forma airosa de se livrar de responsabilidades anteriores e actuais. Centremo-nos, por exemplo, no início dos anos 90 e em particular na situação do sector têxtil e vestuário.
Portugal beneficia então de uma conjuntura externa favorável e de um acréscimo dos fundos estruturais e de outros apoios comunitários, situação que permitiria criar condições para uma modificação do perfil de especialização da nossa economia, para uma política de valorização dos recursos humanos e para a diminuição das injustiças sociais.

O caminho escolhido

O caminho percorrido foi outro, porém. A par do encerramento de dezenas de empresas e de situações de crise em diversas regiões, verifica-se um crescimento desordenado e não sustentado do sector têxtil, assente na intensificação da exploração da mão-de-obra, na crescente precarização das relações laborais e na manutenção de situações escandalosas de exploração, como são os casos do trabalho infantil e da política de salários em atraso. Ou seja, intensificou-se, nas palavras do então 1º ministro e agora PR, «a linha do desenvolvimento e da competitividade», o que, traduzindo, significa destruição do nosso aparelho produtivo, manutenção de uma matriz assente na subcontratação, produtos de baixa gama e exploração de mão-de-obra barata.
Esta opção de Cavaco possibilitou que o patronato enchesse os bolsos com a obtenção de lucros imediatos, não investindo na modernização, na organização do processo produtivo, na formação e qualificação profissional dos trabalhadores.
É preciso lembrar que já então se sabia que estava em discussão o acordo do Têxtil e Vestuário no âmbito da OMC, que viria a ser assinado em 1995, liberalizando totalmente o comércio internacional do sector a partir de 1 de Janeiro de 2005.
Hoje estamos a pagar as consequências das opções tomadas por todos os Governos. Ou caberá também aos trabalhadores a responsabilidade pela destruição de 100 mil postos de trabalho nesta ultima década? Será, por exemplo, dos trabalhadores da MacBraga, Sonix, Telka, Albra, Lameirinho, Somelos, António Almeida e Filhos, Outeirinho, Krombers e tantas outras empresas de Braga – em dificuldades e a reduzir pessoal – a culpa pela destruição do aparelho produtivo nacional?
Também as 180 trabalhadoras da empresa Folkers, em Braga, terão elas responsabilidade pelo encerramento fraudulento da sua empresa? É delas a culpa de, ao fim de uma semana de férias, terem encontrado a empresa encerrada e já com a luz e água cortadas? Ou, ainda, de esta ser a terceira empresa que a actual administração leva à falência? Não, a sua única responsabilidade foi terem lutado pelos seus direitos quando, ao desconfiaram que a empresa poderia encerrar, se organizaram em piquetes e vigiaram a empresa dia e noite, responsabilidade esta que ainda hoje mantêm.
Não, a culpa não pode morrer solteira mas a responsabilidade não é de «todos».
Pelo seu lado, o PCP assume a sua responsabilidade na dinamização da luta social, pela afirmação da confiança na luta junto dos trabalhadores e pelo combate à política de direita desenvolvida pelos sucessivos e irresponsáveis governos dos últimos 30 anos.


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