Ainda Timor… sempre por Timor…

Ângelo Alves

O alvo político directo é o legítimo governo timorense eleito com cerca de 54% dos votos

A importância da evolução da situação em Timor, as manipulações e ingerências que marcam o desenrolar dos acontecimentos, justificam voltar ao tema nesta crónica internacional e demonstram como, numa situação internacional marcada por uma intensa ofensiva do imperialismo, é difícil a edificação de um jovem Estado e o processo de consolidação da sua independência.

Um semanário português titulava em Editorial “Timor é um Estado viável?”(1). No mesmo tom, um constitucionalista português afirmou que “a desagregação das instituições do Estado, com a retirada do comando das forças de segurança ao primeiro-ministro, anunciada (…) pelo Presidente timorense, Xanana Gusmão, lembra o conceito de “Estado falhado”(2).
São afirmações que espelham bem os perigos a que está sujeita a jovem nação timorense. O conceito de “estado falhado”, nascido dos “think tanks” do imperialismo, significa que um povo não tem capacidade para edificar a sua organização social e política, não é capaz de gerir o dia-a-dia da sua nação. À luz deste doentio raciocínio esse povo sofreria de uma doença incurável de incapacidade para gerir os seus próprios destinos e da sua nação e portanto teria que se resignar e entregar a outros – “evoluídos”, “capazes”, “modernos” (ou seja ao imperialismo) - essa magna tarefa.

O conceito de “Estado falhado” é de facto uma aberração, própria da era colonial e do tempo do esclavagismo e que a luta dos povos já se encarregou de derrotar. Não queremos portanto acreditar que os que embarcam no papaguear deste conceito acreditem que o povo timorense é incapaz de gerir os seus próprios destinos. É que se assim fosse teríamos que relembrar a esses que: o povo timorense lutou durante 30 anos contra uma ocupação militar; que forjou na clandestinidade a sua unidade política, factor essencial do sucesso da sua resistência e de que a FRETILIN é a expressão máxima; que conseguiu na diáspora mobilizar a solidariedade de povos como o Português e o Australiano; que são homens e mulheres que conseguiram nascer como nação, em paz com os seus vizinhos que no passado os humilharam, mataram, violaram, e que, antes da retirada lhe destruíram quase por completo o país
Timor está agora situado entre dois gigantes. Por um lado a Indonésia, antiga potência ocupante, que ainda não digeriu a sua derrota e que agora, explorando a situação, envia já navios e aviões para a fronteira com Timor. Por outro a Austrália, que no passado chegou a reconhecer a jurisdição da Indonésia ocupante; que é um fiel apoiante da política de guerra e ingerência dos EUA; que quer o petróleo do mar de Timor e que não consegue lidar com a política firme do governo dirigido pela FRETILIN de defesa da soberania timorense sobre os seus recursos naturais. Austrália que treinou nas suas fileiras o Major Reinado, e que através de círculos de influência que pretendem explorar contradições e diferenças políticas existentes na sociedade timorense prossegue manobras de ingerência e desestabilização que o primeiro-ministro australiano John Howard tornou mais claras nas suas declarações de que “Há um problema significativo de governação em Timor-Leste” (3).

A situação em Timor resulta, e é importante dizê-lo nesta fase, de manobras cruzadas de ingerência externa e de instrumentalização de um problema interno das forças armadas e de segurança timorenses por parte de vários agentes políticos em Timor, nos quais se inclui a Igreja. O alvo político directo é o legítimo governo timorense eleito com cerca de 54% dos votos e que não está, note-se, sob alvo de protesto generalizado das massas populares (eram 30 os manifestantes em frente ao palácio das cinzas). Golpe de Estado? O perigo existe, mas o povo timorense saberá lidar com a situação e reconhecer a importância da sua unidade. E foi no pressuposto dessa unidade, da soberania e do funcionamento democrático das instituições, de acordo com o quadro constitucional timorense - e apenas nestas condições - que o PCP exprimiu o seu acordo ao envio da GNR para Timor, para ajudar, sob direcção do poder politico timorense, à estabilização da situação.
Falhado? Não! Vitorioso, maduro, heróico, corajoso, determinado, simples e generoso. É isto o povo timorense. E é com ele que o PCP está e que Portugal deve estar.

(1) Semanário Expresso – 26 de Maio
(2) Jornal Público – 26 de Maio
(3) Jornal Público – 28 de Maio


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