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Anabela Fino
José Sócrates apresentou na passada quinta-feira um conjunto de medidas visando o que diz ser a sustentabilidade da Segurança Social. Em traços largos, trata-se de indexar as pensões de reforma à esperança média de vida; acelerar a entrada em vigor da fórmula de cálculo das pensões que considera toda a carreira contributiva; fazer depender a variação anual do valor das pensões da inflação e do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB); fixar um patamar máximo para as reformas do sistema público; e fixar a taxa contributiva dos trabalhadores em função do número e filhos.
As reacções dos bem pensantes não podiam ser mais unânimes.
João Ferreira do Amaral, professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), veio garantir que tem toda a lógica ligar as pensões de reforma à evolução da esperança média de vida. «Quando a esperança média de vida aumenta tem de se tomar este tipo de medidas, ajustando este factor de destabilização do sistema à realidade actual», disse.
A economista Teodora Cardoso afirmava à agência Lusa, no início da semana, que as soluções propostas pelo primeiro-ministro lhe pareciam «correctas», deixando aos «próprios beneficiários uma margem de escolha indispensável, mas estabelecendo os incentivos apropriados a nível colectivo».
Chamado aos holofotes do «Prós e Contras» da RTP, igualmente na segunda-feira, o tema suscitou dúvidas, mas não controvérsia. A conclusão coube ao ex-ministro Bagão Félix que, sublinhando o seu acordo com as propostas anunciadas, acabou por reconhecer que, floreados à parte, no essencial tudo se resumia a um aumento da Taxa Social Única (TSU).
Quanto ao ministro da tutela, José António Vieira da Silva, mostra-se encantado com o facto de a alteração da fórmula de cálculo das pensões poder reduzir, a médio prazo, o défice num valor equivalente a um por cento do PIB, enfatiza a capacidade de «opção» dada aos contribuintes, e fala com desvelo do «incentivo» à natalidade que o Governo estará a promover.
Ficamos assim cientes de que o Governo descobriu a pólvora no que à Segurança social diz respeito.
Vejamos: os portugueses passam a pagar taxa por viver mais, mas têm toda a liberdade para decidir se preferem uma pensão mais baixa ou uma vida de trabalho mais longa, isto admitindo que estão empregados e que a partir dos 65 anos os patrões não os convidam a dar serventia à porta de saída; os que ainda não constituíram família ou cuja prole não vai além de um escasso rebento são penalizados com mais descontos; os que se aventuraram aos dois descendentes têm o benefício da dúvida e não vêem alterada a taxa contributiva; os que, contra ventos e marés, arriscarem ir além dos três filhos recebem um bónus de desconto, o que ao preço das fraldas, dos leites e das papas, já para não falar de outras coisas como saúde e educação, deve dar para uns chupas-chupas ao fim-de-semana. Os restantes, se não forem quadros superiores bem instalados na vida, seja no público ou no privado, escusam de fazer contas que a pensão vai mesmo baixar, ou como diria o ministro «não vai subir tanto» como seria de desejar.
Com tanta liberdade de escolha os portugueses vão certamente ficar mais felizes, embora não se vislumbre no horizonte os 150 mil novos postos de trabalho prometidos por Sócrates, a economia esteja em recessão, o desemprego aumente, a saúde custe os olhos da cara e a habitação condigna esteja pela hora da morte.
Com o PS no governo, razão tem a direita para se queixar que é difícil ser oposição.


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