Dourado... só na presidência
Processo de Bolonha, falta de financiamento, Lei de Autonomia, movimento associativo: estes são alguns dos temas do ensino superior abordados por Filipa Oliveira, responsável pelo colectivo da JCP no ISCTE.
Qualquer estudante do ensino superior pode apresentar facilmente uma lista de problemas e necessidades que sente todos os dias. Tudo começa com o acesso, mas a prolonga-se na deficiente acção social escolar, no elevado valor das propinas, no insucesso e abandono escolar, na dificuldade que os trabalhadores-estudantes têm para conciliar escola e emprego...
Muitos estudantes que não conseguem vaga numa universidade pública na sua terra natal, opta por uma instituição privada. Como refere Filipa Oliveira, responsável pelo colectivo da JCP no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), em Lisboa, «se o estudante vive em Lisboa, ir para Braga ou para o Algarve é muito mais dispendioso do que ir para uma privada. Por isso se compreende que a maior parte dos alunos das privadas sejam filhos de famílias com menos recursos económicos.»
Os cursos nocturnos têm vindo a acabar nas universidades públicas, mas ao mesmo tempo abrem-se licenciaturas com horários pós-laborais nas privadas precisamente porque há muitos trabalhadores-estudantes.
Para Filipa Oliveira, outro motivo de preocupação é a Lei de Autonomia. «A gestão democrática das universidades está a degradar-se», diz. «Os órgãos vão perdendo paridade, os estudantes vão tendo menos voz nos órgãos que discutem os assuntos de maior importância, como o senado e a assembleia de escola. Vão empurrando os estudantes para o Conselho Pedagógico, que discute questões importantes mas nunca as questões de fundo. As decisões são centralizadas nos conselhos directivos e nas presidências das escolas», alerta.
Estrangulamento financeiro
A Lei de Financiamento é também alvo de contestação. «Por opção dos vários governos, em cada Orçamento de Estado há novos cortes na educação, em particular no ensino superior. As universidades ficam com a corda no pescoço e têm de recorrer a outras formas de financiamento para conseguir pagar os ordenados ou as contas da luz e da água», assinala Filipa Oliveira.
«O estudante praticamente financia na íntegra o seu curso», diz a dirigente da JCP. «Há quem diga que a propina devia ser de acordo com as despesas do curso. Mas uma pessoa que tem média de 18 mas não tem recursos económicos, não pode tirar medicina porque é muito caro?», interroga.
O grande argumento apresentado pelos governos para o aumento das propinas era a necessidade de melhorar as condições das universidades. «A verdade é que não há nada de novo. Quer dizer, a biblioteca tem uma porta de vidro, há muitos dourados, o chão está encerado, o corredor da presidência teve obras, mas não aconteceu nada de concreto para os estudantes. Precisamos de aulas para estudar e não temos. Os auditórios têm má acústica, as salas não têm ar condicionado, há vidros partidos, existe 50 computadores para 6 mil estudantes», enumera.
O ISCTE tem um edifício novo, completamente equipado, mas está fechado aos alunos. Serve apenas alugar para a realização de conferências e outros eventos. Em Novembro, todos os alunos estiveram uma semana sem aulas porque todo o ISCTE foi alugado para uma exposição. «Eventualmente, podem decidir fazer casamentos e baptizados naquele espaço», ironia Filipa.
Processo de Bolonha não é inevitável
O ensino superior nacional está a ser reestruturado devido à aplicação do Processo de Bolonha, convenção europeia adoptada por Portugal. As licenciaturas passam a ter três anos e os mestrados um ano.
Os argumentos para a mudança prendem-se com uma maior mobilidade dos estudantes, a igualdade a nível europeu e o reconhecimento das licenciaturas no estrangeiros. «Na verdade, tudo isto tem contornos neo-liberais», garante Filipa Oliveira. «O objectivo é claro: elitizar o ensino superior, criar mão-de-obra disponível mais ou menos qualificada e aumentar a fragmentação do mercado de trabalho. Como dizia um professor meu, podemos ir para uma empresa de trabalho temporário que arranjam imensas coisas para fazermos... Só que para isso não precisamos de ser licenciados», acrescenta.
O Processo de Bolonha determina que, nalguns casos, não basta a licenciatura para exercer a profissão, é preciso completar o mestrado. É o caso de Psicologia, o curso de Filipa Oliveira. «Quando isso não está acontece, o mercado de trabalho passará a exigir também um mestrado, ainda que este não seja um mestrado real. Na prática, com o Processo de Bolonha, a diferença entre a licenciatura e o mestrado é a mesma que havia entre o bacharelato e a licenciatura», explica.
«Como é óbvio com três anos de aulas não aprendemos as mesmas coisas do que em quatro ou cinco, a duração normal das licenciaturas até agora. Há cadeiras que eu tive no primeiro ano que depois só serão dadas no mestrado, como Estatística», exemplifica.
O acesso ao segundo ciclo de estudo, ou seja, ao mestrado não é fácil, devido ao número reduzido de vagas e ao alto valor das propinas. O aluno tem de ter uma média mínima de 14 valores e passar por uma entrevista com professor para aferir as suas reais motivações.
Nivelar por baixo
A responsável pelo colectivo da JCP no ISCTE lembra que os estudantes não têm sido consultados sobre a aplicação do Processo de Bolonha: «Tem tudo sido feito às escondidas. A maioria dos professores nem tem informações. Há uns iluminados que vêm comunicar a todos como é que vai ser... Nas aulas sobre Bolonha, a nossa participação é importante para desmontar os argumentos falaciosos que são apresentados.»
Para Filipa Oliveira, o ensino superior só será nivelado por baixo. E exemplifica: «Não é credível a ideia romântica do estudante que vai fazer uma cadeira em Praga e outra em Paris. O estudante de Oxford não vem para o Politécnico de Leiria e, por razões económicas, o de Leiria também não consegue ir para Oxford.»
A avaliação é outro problema, pois contabiliza a presença nas aulas, os trabalhos de grupo e o tempo passado na biblioteca e em contacto com os professores. No total, o aluno deve passar oito horas por dia na faculdade. «O estudante é visto apenas como estudante, sem outra dimensão social e nem se pensa nos trabalhadores-estudante», diz Filipa.
De acordo com o protocolo de Bolonha, cada país deve dedicar-se a uma área de estudo. «Se definirem que Portugal se deve dedicar aos cursos tecnológicos, temos de o fazer. Não podemos ter engenharias, medicina, biologia...», denuncia. Está também prevista a criação de cursos tecnológicos de nível 4 dentro das universidades, que não darão sequer equivalência a um bacharelato. «É uma forma de as universidades arranjarem mais dinheiro», comenta Filipa.
A aplicação do Processo de Bolonha está a avançar em diversas instituições, mas nem sempre é fácil. Por exemplo, no ISCTE, em Psicologia, os estudantes teriam de fazer um terceiro semestre, de Julho a Outubro, para fazer as cadeiras que não faziam parte do currículo. A alternativa seria fazer 20 disciplinas num ano.
Filipa alerta para o perigo de tentar humanizar o Processo de Bolonha: «Há quem ache que é inevitável aceitar o processo de Bolonha e que a única coisa a fazer é melhorar. Não, Bolonha não está, Bolonha é uma série de convenções europeias que podem ou não ser aceites de acordo com a vontade política do Governo.»
Oportunismo e anti-comunismo
«O movimento associativo sofre uma forte partidarização do PS e do PSD e está muito longe da realidade dos estudantes e das suas necessidades», acusa Filipa Oliveira. «No ISCTE, já se realizaram assembleias gerais onde se aprovam manifestações e depois aparecem membros da associação de estudantes a dizer que não, que não pode ser, porque parece mal, que os velhotes nos autocarros não compreendem... Para eles, o movimento associativo é um trampolim político, como muitas vezes dizem em conversa de café», conta.
Quando o ISCTE revogou o estatuto de trabalhadores-estudantes, um grupo de alunos juntou-se para protestar contra a medida e contactou a Associação de Estudantes para se juntar ao dia de acção de luta descentralizado que tinha sido marcado a nível nacional. A AE recusou-se a participar, mas, no final, quando o estatuto voltou a ser reconhecido pela instituição, lançou um comunicado em que dava a entender que foi graças à sua intervenção. «É puro oportunismo», comenta Filipa.
O anti-comunismo faz parte da linguagem destes dirigentes associativos. «Se o fazem, é porque têm de facto medo da justeza do que nós defendemos e que é o oposto do que eles fazem. Acusam-nos muito de termos «a postura da JCP», mas felizmente há muitos estudantes que dizem que é o contrário: é a JCP que tem a postura dos estudantes», diz Filipa. «Acusam a JCP de não querer festas, mas isso entra em confronto com o que todos vêem. Depois, lançaram a ideia de que um membro do Comité Central do PCP tinha sido enviado para estudar no ISCTE. Isto cai em saco roto, mas poderia não acontecer se encarassemos estes ataques com algum medo», destaca.
Para a responsável do colectivo da JCP no ISCTE, a melhor atitude é agir com naturalidade: «Sabemos que o que estamos a defender é o mais justo. A nossa prioridade é a defesa dos estudantes e, se é isso que estamos a fazer, temos de continuar. A este tipo de provocações respondemos com humor ou nem respondemos.»
Muitos estudantes que não conseguem vaga numa universidade pública na sua terra natal, opta por uma instituição privada. Como refere Filipa Oliveira, responsável pelo colectivo da JCP no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), em Lisboa, «se o estudante vive em Lisboa, ir para Braga ou para o Algarve é muito mais dispendioso do que ir para uma privada. Por isso se compreende que a maior parte dos alunos das privadas sejam filhos de famílias com menos recursos económicos.»
Os cursos nocturnos têm vindo a acabar nas universidades públicas, mas ao mesmo tempo abrem-se licenciaturas com horários pós-laborais nas privadas precisamente porque há muitos trabalhadores-estudantes.
Para Filipa Oliveira, outro motivo de preocupação é a Lei de Autonomia. «A gestão democrática das universidades está a degradar-se», diz. «Os órgãos vão perdendo paridade, os estudantes vão tendo menos voz nos órgãos que discutem os assuntos de maior importância, como o senado e a assembleia de escola. Vão empurrando os estudantes para o Conselho Pedagógico, que discute questões importantes mas nunca as questões de fundo. As decisões são centralizadas nos conselhos directivos e nas presidências das escolas», alerta.
Estrangulamento financeiro
A Lei de Financiamento é também alvo de contestação. «Por opção dos vários governos, em cada Orçamento de Estado há novos cortes na educação, em particular no ensino superior. As universidades ficam com a corda no pescoço e têm de recorrer a outras formas de financiamento para conseguir pagar os ordenados ou as contas da luz e da água», assinala Filipa Oliveira.
«O estudante praticamente financia na íntegra o seu curso», diz a dirigente da JCP. «Há quem diga que a propina devia ser de acordo com as despesas do curso. Mas uma pessoa que tem média de 18 mas não tem recursos económicos, não pode tirar medicina porque é muito caro?», interroga.
O grande argumento apresentado pelos governos para o aumento das propinas era a necessidade de melhorar as condições das universidades. «A verdade é que não há nada de novo. Quer dizer, a biblioteca tem uma porta de vidro, há muitos dourados, o chão está encerado, o corredor da presidência teve obras, mas não aconteceu nada de concreto para os estudantes. Precisamos de aulas para estudar e não temos. Os auditórios têm má acústica, as salas não têm ar condicionado, há vidros partidos, existe 50 computadores para 6 mil estudantes», enumera.
O ISCTE tem um edifício novo, completamente equipado, mas está fechado aos alunos. Serve apenas alugar para a realização de conferências e outros eventos. Em Novembro, todos os alunos estiveram uma semana sem aulas porque todo o ISCTE foi alugado para uma exposição. «Eventualmente, podem decidir fazer casamentos e baptizados naquele espaço», ironia Filipa.
Processo de Bolonha não é inevitável
O ensino superior nacional está a ser reestruturado devido à aplicação do Processo de Bolonha, convenção europeia adoptada por Portugal. As licenciaturas passam a ter três anos e os mestrados um ano.
Os argumentos para a mudança prendem-se com uma maior mobilidade dos estudantes, a igualdade a nível europeu e o reconhecimento das licenciaturas no estrangeiros. «Na verdade, tudo isto tem contornos neo-liberais», garante Filipa Oliveira. «O objectivo é claro: elitizar o ensino superior, criar mão-de-obra disponível mais ou menos qualificada e aumentar a fragmentação do mercado de trabalho. Como dizia um professor meu, podemos ir para uma empresa de trabalho temporário que arranjam imensas coisas para fazermos... Só que para isso não precisamos de ser licenciados», acrescenta.
O Processo de Bolonha determina que, nalguns casos, não basta a licenciatura para exercer a profissão, é preciso completar o mestrado. É o caso de Psicologia, o curso de Filipa Oliveira. «Quando isso não está acontece, o mercado de trabalho passará a exigir também um mestrado, ainda que este não seja um mestrado real. Na prática, com o Processo de Bolonha, a diferença entre a licenciatura e o mestrado é a mesma que havia entre o bacharelato e a licenciatura», explica.
«Como é óbvio com três anos de aulas não aprendemos as mesmas coisas do que em quatro ou cinco, a duração normal das licenciaturas até agora. Há cadeiras que eu tive no primeiro ano que depois só serão dadas no mestrado, como Estatística», exemplifica.
O acesso ao segundo ciclo de estudo, ou seja, ao mestrado não é fácil, devido ao número reduzido de vagas e ao alto valor das propinas. O aluno tem de ter uma média mínima de 14 valores e passar por uma entrevista com professor para aferir as suas reais motivações.
Nivelar por baixo
A responsável pelo colectivo da JCP no ISCTE lembra que os estudantes não têm sido consultados sobre a aplicação do Processo de Bolonha: «Tem tudo sido feito às escondidas. A maioria dos professores nem tem informações. Há uns iluminados que vêm comunicar a todos como é que vai ser... Nas aulas sobre Bolonha, a nossa participação é importante para desmontar os argumentos falaciosos que são apresentados.»
Para Filipa Oliveira, o ensino superior só será nivelado por baixo. E exemplifica: «Não é credível a ideia romântica do estudante que vai fazer uma cadeira em Praga e outra em Paris. O estudante de Oxford não vem para o Politécnico de Leiria e, por razões económicas, o de Leiria também não consegue ir para Oxford.»
A avaliação é outro problema, pois contabiliza a presença nas aulas, os trabalhos de grupo e o tempo passado na biblioteca e em contacto com os professores. No total, o aluno deve passar oito horas por dia na faculdade. «O estudante é visto apenas como estudante, sem outra dimensão social e nem se pensa nos trabalhadores-estudante», diz Filipa.
De acordo com o protocolo de Bolonha, cada país deve dedicar-se a uma área de estudo. «Se definirem que Portugal se deve dedicar aos cursos tecnológicos, temos de o fazer. Não podemos ter engenharias, medicina, biologia...», denuncia. Está também prevista a criação de cursos tecnológicos de nível 4 dentro das universidades, que não darão sequer equivalência a um bacharelato. «É uma forma de as universidades arranjarem mais dinheiro», comenta Filipa.
A aplicação do Processo de Bolonha está a avançar em diversas instituições, mas nem sempre é fácil. Por exemplo, no ISCTE, em Psicologia, os estudantes teriam de fazer um terceiro semestre, de Julho a Outubro, para fazer as cadeiras que não faziam parte do currículo. A alternativa seria fazer 20 disciplinas num ano.
Filipa alerta para o perigo de tentar humanizar o Processo de Bolonha: «Há quem ache que é inevitável aceitar o processo de Bolonha e que a única coisa a fazer é melhorar. Não, Bolonha não está, Bolonha é uma série de convenções europeias que podem ou não ser aceites de acordo com a vontade política do Governo.»
Oportunismo e anti-comunismo
«O movimento associativo sofre uma forte partidarização do PS e do PSD e está muito longe da realidade dos estudantes e das suas necessidades», acusa Filipa Oliveira. «No ISCTE, já se realizaram assembleias gerais onde se aprovam manifestações e depois aparecem membros da associação de estudantes a dizer que não, que não pode ser, porque parece mal, que os velhotes nos autocarros não compreendem... Para eles, o movimento associativo é um trampolim político, como muitas vezes dizem em conversa de café», conta.
Quando o ISCTE revogou o estatuto de trabalhadores-estudantes, um grupo de alunos juntou-se para protestar contra a medida e contactou a Associação de Estudantes para se juntar ao dia de acção de luta descentralizado que tinha sido marcado a nível nacional. A AE recusou-se a participar, mas, no final, quando o estatuto voltou a ser reconhecido pela instituição, lançou um comunicado em que dava a entender que foi graças à sua intervenção. «É puro oportunismo», comenta Filipa.
O anti-comunismo faz parte da linguagem destes dirigentes associativos. «Se o fazem, é porque têm de facto medo da justeza do que nós defendemos e que é o oposto do que eles fazem. Acusam-nos muito de termos «a postura da JCP», mas felizmente há muitos estudantes que dizem que é o contrário: é a JCP que tem a postura dos estudantes», diz Filipa. «Acusam a JCP de não querer festas, mas isso entra em confronto com o que todos vêem. Depois, lançaram a ideia de que um membro do Comité Central do PCP tinha sido enviado para estudar no ISCTE. Isto cai em saco roto, mas poderia não acontecer se encarassemos estes ataques com algum medo», destaca.
Para a responsável do colectivo da JCP no ISCTE, a melhor atitude é agir com naturalidade: «Sabemos que o que estamos a defender é o mais justo. A nossa prioridade é a defesa dos estudantes e, se é isso que estamos a fazer, temos de continuar. A este tipo de provocações respondemos com humor ou nem respondemos.»