Estéticas

Anabela Fino
Em democracia, mesmo formal como é o caso no sistema capitalista, não é de bom tom mostrar animosidade contra os direitos e liberdades dos cidadãos, o que não é exactamente a mesma coisa - longe disso - do que respeitar, proteger e fomentar os ditos direitos e liberdades.
A necessidade de proteger as aparências, de forma a que os incautos se convençam ou tendam a acreditar que «o que parece é», leva os novos próceres da «direita democrática» a permanentes exercícios de imaginação, tanto mais elaborados quanto maior a necessidade de disfarçar as motivações que os animam e os objectivos que se propõem alcançar com a regulação de princípios, como a liberdade de expressão, que é suposto serem componente indissociável do regime democrático.
Um exemplo paradigmático desta realidade veio do presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, personagem que cada vez mais parece confundir a sua reeleição para a autarquia com a conquista de um feudo onde a sua vontade é lei. A história é simples: Rio quer aprovar uma proposta de regulamento municipal cuja consequência é uma séria restrição à liberdade de propaganda política na Invicta. Não é por desamor à democracia, garante, é por uma mera questão «estética», coisa que como toda a gente sabe não se compagina com cartazes na parede ou placardes de rua a lembrar aos cidadãos os problemas do País.
Rio propõe-se pois, em nome da estética, a remeter para locais escolhidos pela Câmara e confinada a espaços devidamente delimitados toda a propaganda política, para que residentes e visitantes não sejam confrontados com a deselegante propaganda, susceptível de embutir os delicados espíritos com mensagens fora de moda, quiçá mesmo perniciosas para a formação do seu sentido estético.
Menos boçal do que alguns dos seus confrades, Rio é bem capaz de contratar alguns artistas da nossa praça - seleccionados em concurso público, obviamente - para darem parecer e receitas de como tornar o Porto esteticamente correcto, visualmente amorfo em termos políticos - com paredes sem palavras de ordem nem incentivos à luta -, e todo entregue às maravilhas estéticas da publicidade à sociedade de consumo.
É claro que Rui Rio corre o risco de não ser compreendido, como de resto aconteceu recentemente ao ser advertido pela Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS) para a necessidade de rever as «linhas de orientação» que impôs na Câmara para as relações da autarquia com a imprensa, com vista a ajustá-las, de forma incontestável, «aos preceitos da Lei da Imprensa e da Constituição da República».
A advertência, imagine-se, lembrava que as ditas «linhas de orientação» não podem «conduzir à discriminação de uns órgãos de comunicação em relação a outros» nem ser usadas «como retaliação contra os que, alegadamente, terão informado de forma falsa ou menos rigorosa», sublinhando ainda não ser aceitável que «a Câmara Municipal, por qualquer meio orgânico ou institucional, pretenda limitar o comentário, a crítica ou mesmo a caricatura satírica».
Tratou-se, manifestamente, de uma falta de sentido estético da AACS, que entretanto, para felicidade de Rio, foi substituída pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social.
O PCP já protestou contra o regulamento municipal. Sem estética nenhuma, claro, só reivindicando a liberdade de expressão.


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