Pandemónio

Anabela Fino
De um momento para o outro tornou-se virtualmente impossível folhear um jornal, sintonizar uma estação de rádio ou um canal de televisão sem que surja o espectro da gripe das aves e da sua eventual transmissão aos humanos, qual papão aterrador para infernizar ainda mais a vida das gentes.
A sucessão de reuniões formais e informais aquém e além fronteiras, a multiplicação de declarações de ministros e secretários de Estado, as entrevistas a especialistas e as reportagens aos potenciais focos de flagelo resultaram, como seria de esperar, numa corrida às farmácias em busca da panaceia salvadora - que não existe - para o perigo que pode vir a haver.
A consequência está à vista: esgotamento de stocks de medicamentos que fariam falta para acudir a necessidades não hipotéticas mas reais, subida em flecha dos lucros das empresas produtoras dos mesmos e muita desorientação e desinformação quanto às medidas a tomar «em caso de...». Numa palavra, instalou-se o pandemónio à pala da pandemia.
A questão é que, em boa verdade, e até prova em contrário, tudo não passa de especulação alimentada por um punhado de casos por esclarecer, umas quantas aves mortas e um peru doente na Grécia. Não se percebe como, não estando provado, como se diz que não está, que o vírus da gripe das aves pode sofrer mutações e afectar os humanos; não se sabendo, como se diz que não se sabe, que mutação será essa; não existindo, por razões óbvias, uma vacina para o vírus que pode vir a ser mas ainda não é; não se percebe, dizia-se, como pode lançar-se o pânico entre as populações com a ligeireza com que o estão a fazer os governos europeus.
Entre nós a insanidade é tanta que o responsável da Direcção Geral da Saúde admite um cenário de 11 a 13 mil mortes em caso de pandemia de gripe das aves em Portugal, sem explicar como chegou a tal conclusão dado não haver ainda uma variante humana da doença, ao mesmo tempo que o primeiro-ministro garante não haver motivos para alarme porque haverá vacinas para todos apesar de ainda não haver vacina para a hipotética doença, e quando se sabe que os stocks existentes das vacinas existentes para o vírus conhecido - que não o incerto mutante - se situam nos 0,5 por cento, muito longe portanto dos desejáveis 25 por cento recomendados pela Organização Mundial de Saúde para situações de risco.
Posto isto e os factos, e mesmo aceitando que os deuses estejam loucos, é de admitir que esta história está mal contada. Resta saber com que objectivos.


Mais artigos de: Opinião

Dimensão internacional de uma vitória

A vitória da CDU nas eleições autárquicas de 9 de Outubro em Portugal tem uma dimensão internacional que merece ser sublinhada. Desde logo porque se trata do avanço de uma força progressista num contexto internacional profundamente desfavorável. Eleitoralmente limitado mas politicamente muito significativo. Parafraseando...

Um útil instrumento de trabalho

Da mesma forma em como não absolutizamos os insucessos eleitorais, interiorizando concepções derrotistas e negativistas face ao nosso trabalho colectivo, esta importante e expressiva vitória do PCP não nos deve convocar para a ideia de que não existem dificuldades no nosso trabalho autárquico, aspectos a corrigir e a melhorar na intervenção local do Partido.

Sabe ou não?

O Primeiro-Ministro, José Sócrates, proferiu dias antes das eleições autárquicas (mais exactamente, nas comemorações do 5 de Outubro) umas declarações que vale a pena recuperar.Disse ele que «há uma conflitualidade social, relativamente às medidas do Governo, muito abaixo do que seria de esperar em Portugal», descoberta...

É a vida...

A «declaração de candidatura de Francisco Louçã» - texto que, diga-se de passagem é, politicamente velho-velhinho, ideologicamente um pouco mais idoso, e se desunha tant bien que mal na tentativa de épater les bourgeois de gauche – tem como leitmotiv o desabafo conformado de um primeiro-ministro face às adversidades: «é...

Chover no molhado

As eleições autárquicas já passaram. E, como é de costume, os fazedores de opinião e os jornais do capital onde escrevem, as tevês onde, muito «independentemente» ditam a moda, sempre com sabor a política de direita apesar das diferentes cores que os engalanam, já falam de outra coisa. Orçamento do Estado, gripe das...