Aflição no império

Aurélio Santos
Quando se fala de pontualidade, ela tem um apelido: é britânica. Falando-se de fleuma, apelida-se da mesma forma: é britânica. O inevitável chá das cinco e o impecável humor trazem o mesmo rótulo: são britânicos. Mas esta «marca de origem» tem vindo a perder credibilidade.
O velho império britânico já não é o que era. Perdeu força. Já não decepa os polegares das duas mãos a operários têxteis chineses e indianos para que os seus produtos não fizessem concorrência aos ingleses, já não exportam escravos e mata os mais fracos e doentes porque, enfim, não passavam de um estorvo. E já não têm a mesma capacidade de rasgar o planeta em mapas de conveniência do invocado poder de Sua Magestade, separando povos, criando países fictícios, fazendo guerras e dividindo, em nome do Reino Unido.
Nos últimos dias, o império em decadência, agora vassalo dos EUA, foi motivo de chacota quando trabalhadores do aeroporto de Heathrow, em greve de solidariedade com camaradas despedidos,
Imobilizaram as asas dos aviões.
Ele há coisas que custa a acreditar aos senhores do dinheiro: é que os meios de produção não trabalham sozinhos. Mesmo com maios altamente sofisticados, ultra informatizados, estão sempre dependentes do trabalho humano, que os cria com inteligência e criatividade para uma melhor transformação do mundo. Vale a pena lembrar, a propósito, que a palavra «robot», hoje tão divulgada, e expandida em ficção científica por impulso de um escritor checo, Karol Chapek, significa na sua origem eslava trabalho. O que Chapek quis demonstrar, na sua característica ironia política, foi que nenhum robot deixava de depender do trabalho humano. E ia mais longe: é que o trabalhador não pode ser transformado ou tomado por robot.
O capitalismo não é estúpido de todo, mas é e sempre foi ávido demais na sedenta exploração do trabalho. Adquiriu novas formas teccnológicas, mas esquece que as novas tecnologias não são criadas nem accionadas pelo capital. E se uma greve incomoda certa gente, muitas greves incomodarão muito mais.
O episódio de Heathrow foi um voo do trabalho contra o capital. Nenhuma das tradicionais virtudes britânicas foi ali cumprida: nem pontualidade, nem fleuma, nem sequer um lanche com água aos passageiros, substituindo o chá das cinco. Se fosse no aeroporto da Portela, bradar-se-ia que era um escândalo. Como foi em Londres, mesmo com o visível transtorno de milhares de passageiros
retidos, dirão certos comentaristas portugueses, estilo «valente», que foi um acontecimento «shocking». Aborrecido. Chato...
O ridículo (e interesse) desta história é mostrar o Império britânico despido na praça pública do seu uniforme de gala. Sandokan , esse herói dos livros de Salgari que os jovens dos anos 50 admiravam pela sua luta contra o Império – sempre acompanhado pelo português Gastão – deve sorrir do outro lado das suas aventuras, vendo no Império reinar o caos e não «a ordem de Sua Magestade»...


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