Dúvidas...

Ângelo Alves

Gaza não pode ser isolada do restante problema palestiniano

À altura da escrita deste artigo ainda não se conhece o desfecho da operação de retirada do exército israelita da Faixa de Gaza e de desmantelamento dos 21 colonatos existentes nesta pequena faixa de território e que milhares de radicais de extrema direita nele infiltrados tentam boicotar. No entanto, importa desde já reter algumas ideias fundamentais relativamente aos reais objectivos desta operação.

É impossível não olhar à primeira vista com simpatia e alguma confiança para a ideia de pela primeira vez desde a guerra de ocupação de 1967 se devolver territórios ao povo palestiniano que lhe pertencem por direito e pelos quais luta há muito.
Mas a confiança é acompanhada de uma grande dúvida sobre as reais razões que terão levado Sharon a decidir unilateralmente retirar de Gaza e desmantelar os colonatos, quando foi ele próprio um dos grandes - senão o principal - mentor e executor da política de expansão e consolidação da ocupação israelita através da construção desses mesmos colonatos e foi recentemente também o mandante da construção do muro sionista que procura anexar mais territórios na Cisjordânia. Procurando respostas a essa dúvida facilmente nos apercebemos da constatação de um facto que já era impossível de esconder: o fracasso da política de colonatos na Faixa de Gaza. E isso teve um peso determinante na decisão. Gaza com os seus minúsculos 363 km2 alberga uma população de 1,3 milhões de habitantes, sendo actualmente a região do mundo com maior densidade populacional (4300 habitantes / Km2). Os 8000 colonos israelitas que ali viviam (0,6% da população) ocupavam 20% do território, criando uma situação de tensão e pressão demográficas insustentáveis com consequências sociais devastadoras e isso fazia com que quaisquer planos de anexação total da Faixa de Gaza fossem acima de tudo a decisão de “comprar” um problema. Por isso, abdicar de Gaza, é acima de tudo a resolução de um problema criado com a construção dos colonatos.
Sharon afirma com ar combalido que foi uma decisão difícil abdicar da Faixa de Gaza mas na realidade não há qualquer abdicação. Gaza continuará cercada por terra, mar e ar pelo exército israelita e continuará a ser um enclave no meio de Israel. Os pescadores palestinianos poderão pescar, é um facto, mas as suas fronteiras marítimas continuarão cercadas pelo exército israelita. A comunicação terrestre com a Cisjordânia, a outra parte do território palestiniano continuará a ser impossível de realizar sem o controlo e a decisão de israelitas. Ou seja, resolvendo um problema, Israel mantém o controlo sob o território, ficando com todas as condições para o reocupar sempre que o desejar.

Mas Gaza não pode ser isolada do restante problema palestiniano, e aqui reside a questão central da decisão de Sharon. O Muro sionista continua de pé anexando territórios na Cisjordânia. As centenas de Check Points lá estão. Dos 120 colonatos onde vivem 400 mil colonos israelitas apenas 4 foram desmantelados e Sharon não hesitou em afirmar que irá reforçar e alargar alguns dos que se mantêm. Ou seja, Sharon apostou unilateralmente numa política de encenação de boa vontade - de que a retirada de Gaza é a montra - para consolidar e alargar a ocupação na Cisjordânia; criar uma situação de facto de impossibilidade da edificação de um Estado Palestiniano viável, transformando-o num conjunto de enclaves; manter e reforçar todo o controlo militar na região e reganhar alguma credibilidade política internacional. Pelo caminho ajuda Bush a dar uma ideia de desanuviamento da situação no Médio Oriente, quando ao lado, no Iraque o chamado processo constituinte continua bloqueado e as baixas americanas batem records. Pelo caminho também Bush aproveita a situação para, com um jornalista israelita de visita ao seu rancho no Texas, fazer o primeiro ensaio de uma muito possível declaração de guerra ao Irão.
Como se disse no início é com simpatia que vemos o povo palestiniano a ter melhores condições para viver e trabalhar na sua própria terra, em Gaza. Mas é ao mesmo tempo com preocupação que cruzamos os dados deste complexo e perigoso puzzle que o Médio Oriente é, fruto dos crimes e agressões imperialistas e sionistas.


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