Sacrifícios, privilégios e governos

Paulo Raimundo (Membro da Comissão Política do PCP)
«As grandes fortunas a subir, os salários dos trabalhadores a diminuir, o desemprego a disparar». Eis uma frase que podíamos ter escrito há vários anos e que continua a constituir uma grande verdade.

Quanto maior for a crise para quem trabalha mais alguns ganham

Aquando do anúncio por parte do Governo do PS das medidas de combate ao «maldito» défice que nos persegue há vinte e tal anos, o PCP chamou imediatamente a atenção para o facto de estas «novas» medidas serem velhas, injustas, estarem gastas e virem a traduzir-se pelo acentuar dos sacrifícios para os mesmos de sempre e pela contínua aceleração da destruição do nosso aparelho produtivo, sem travar o desemprego, bem pelo contrário. Ao optar por estas «novas/velhas» medidas, de resto já por si anteriormente experimentadas - com os resultados que se conhecem -, o PS estava mais uma vez a dar a mão ao grande capital.
«Completamente surpreendido» com os valores do défice, o Primeiro Ministro, Eng.º Sócrates, dando logo o dito por não dito em campanha eleitoral e após consulta ao igualmente «surpreendido» Vítor Constâncio, dispara no combate aos privilégios desses malditos que estavam há anos a abocanhar toda riqueza que o País produz, esses que nada fazem e quem tudo foi dado de mão beijada – esses malditos trabalhadores, em particular (e para começar) os da Função Pública, que ganham rios de dinheiro ao fim do mês e que depois de 30 anos de trabalho não querem fazer mais nada na vida. Então, está o Pais em condições de se dar a esses luxos? Não, o País está é para que a Função Pública veja mais uma vez os seus salários aumentados em 0 por cento e a idade da reforma para os 65 anos, entre outras coisas. O País está é para mais sacrifícios e, para isso, nada melhor do que cortar o mais possível a esses privilegiados: professores, policias, médicos, varredores, canalizadores, oficiais de justiça, enfermeiros e outros que tais, irresponsáveis e principais causadores e protagonistas da grave situação em que o País se encontra.
Finalmente se faz justiça! Finalmente surge alguém com coragem para cortar onde é preciso, que nivela os salários (por baixo, é certo), mesmo que os trabalhadores do sector privado em nada sejam beneficiados (bem pelo contrário) com tais medidas aplicadas aos seus camaradas de trabalho da Função Pública. Há é que nivelar, ainda que seja juntinho ao chão.

Não há défice que lhes toque

Que se faça tudo o que for necessário mas que não se toque nos desgraçados desses «portugueses de segunda» que, governo após governo (PSD ou PS), estão sempre fora destes sacrifícios e a quem a crise não bate à porta... Não há «défice» que lhes toque. Senão vejamos alguns dados: no 1.º trimestre de 2005, os quatro maiores bancos privados tiveram mais 42,6 por cento de lucros, qualquer coisa como 370 milhões de euros; a EDP mais 11,5 por cento e a GALP só quintuplicou os lucros.
No balanço do 1.º semestre, e já depois dos pedidos de sacrifícios, o que aconteceu? Lucros da EDP crescem para os 318, 3 milhões de euros, o BBVA Portugal aumenta os seus lucros em 45 por cento, naquele que designaram como o melhor resultado de sempre, a Impresa sobe 78 por cento nos resultados, ou seja 15,2 milhões de euros de lucro líquido. E os tais quatro maiores bancos privados? Sempre a subir! Não os sacrifícios, claro, mas os lucros, que aqui não se nivela por baixo. É sempre por cima e por cima de quem trabalha.
Mas não é só o grande capital que fica de fora dos sacrifícios. O mesmo se passa com os senhores administradores de empresas públicas, que ganham um «pouco mais» que o tal professor ou canalizador da câmara municipal; com os senhores governadores do banco de Portugal e outros assistentes; com aqueles senhores que ainda por cima são pagos e bem pagos para que nas televisões, jornais e rádios todos os dias nos martelem a cabeça para que pensemos que isto é realmente para todos.
Afinal, o que é que isto tudo tem a ver com os 800 trabalhadores da LEAR que se encontram em fase de despedimento de uma empresa que produz, tem encomendas, recebeu milhares de euros de apoio ao investimento e que encerra? Ou com trabalhadores das empresas têxteis do Vale do Ave e do Cavado, de Aveiro e Santarém, do Porto e Coimbra; e as empresas que vão de «férias» em Agosto e sobre as quais teremos de estar vigilantes e com os 5 mil desempregados que já estão «prometidos» até ao fim do ano em Braga? Ou, ainda, com a destruição do aparelho produtivo nacional, com a diminuição do poder de compra e agravamento das condições sociais e, por fim, com o plano ou «choque tecnológico»?
Nada, não tem nada a ver. Ou tem? Até parece que existe aqui uma relação directa, dá ideia de quanto maior for a crise para quem trabalha e mais sacrifícios os trabalhadores fizerem, maiores são os lucros das grandes empresas e melhor na vida estarão alguns senhores da nossa praça.
Se calhar foi por isso que Sócrates anunciou o TGV e o novo Aeroporto. Não porque seja para construir ou porque faça falta. mas tão só para falar. Enquanto falamos desta coisas não nos apercebemos das questões verdadeiramente importantes, não é? Só que o povo e os trabalhadores já demonstraram que estão atentos e fartos de mais do mesmo, como se viu pelo que sucedeu aos governos anteriores. Ou não foi exemplo suficiente?


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