Constituição: sim ou não?
Este fim de semana assistimos a mais um capítulo da novela «constituição europeia», com o referendo no Luxemburgo. À semelhança das suas congéneres latino-americanas, este género televisivo amplamente divulgado também assenta num argumento inconsistente, em personagens com pouca ligação à realidade e em cenas repetidas até à exaustão da sua fiel plateia. A insistência em referendar um texto decretado morto, a ameaça do primeiro-ministro luxemburguês de abandonar os destinos da nação face a uma possível vitória do não, a diferença entre as sondagens de alguns meses atrás (em que 88% dos luxemburgueses consideravam que a Constituição teria que ser aprovada) e os resultados nas urnas, o carácter meramente consultivo deste referendo, são apenas algumas das circunstâncias que ensombram a propalada vitória. O resultado de 56,5% dos votos para o sim à «constituição europeia» foi significativo. Mas não no sentido exuberante que Freitas do Amaral ou Durão Barroso lhe quiseram dar. Foi significativo no sentido em que, com todas as pressões e condicionalismos referidos, o povo luxemburguês deu um passo tímido e sem consequências para um processo oficialmente travado.
Referendo
Várias vezes dissemos que o PCP sempre exigiu a consulta do povo português por via do referendo relativamente a questões essenciais da integração europeia. Foi assim com Maastricht, a adesão ao euro e o novo Tratado. Os partidos maioritários na Assembleia da República sempre se opuseram, barrando a revisão constitucional que o permitiria. Agora, perante um texto federalista, impregnado dos mais primários traços do neoliberalismo e que aprofunda uma visão militarista da Europa, os nossos governantes e seus acólitos já sentem necessidade de ouvir o povo. Talvez não esperassem estas primeiras respostas – francesa e holandesa – tão dissonantes da Europa bem comportada que interessa ao grande capital.
Sabendo-se que cada Tratado da UE só entra em vigor quando todos os Estados que a compõem o ratificam, não é necessário grande reflexão para perceber o que acontece quando um, e um apenas, diz: não! Apesar de ser claramente uma questão jurídica a mim afigura-se como uma questão matemática (a resposta tem que ser inequivocamente igual em todos os 25 membros e não apenas em alguns). Quando os dois primeiros Estados-membros a dizer não à «constituição europeia» são membros fundadores da Comunidade, então podemos constatar que as consequências ultrapassam o campo jurídico.
Mas mesmo assim, em Portugal, insistiu-se no referendo. Mesmo quando o ministro dos Negócios Estrangeiros confirmava a sua convicção pessoal de que não deveria haver referendo, o mesmo ministro repetia a posição oficial de manutenção do referendo. Lá o Conselho Europeu de Junho ajudou a desembrulhar esta posição pessoal versus oficial, adiando a «constituição europeia» para as calendas, certamente após constatar que o povo europeu não é tão sereno como aparenta. É uma grande vitória para todas e todos que se bateram pelo esclarecimento das populações e pelo repúdio deste texto inaceitável.
Outra Europa
O tempo demonstrou que os comentários de que o não à «constituição europeia» seria a morte da Europa são ridículos e infundados. As tentativas de confundir os cidadãos levando-os a pensar que a não ratificação da «constituição europeia» cria um vazio legal ou algum tipo de perturbação são abjectas e devem ser combatidas de todas as formas. O que devemos retirar dos resultados destas primeiras consultas populares é o desejo nitidamente expresso de uma outra Europa. Uma Europa de paz e cooperação, em que todos os seus membros são soberanos e iguais em direitos. Uma nova Europa, com novas políticas.
Para terminar, porque uma outra Europa é necessária e porque esta coluna cirandou a questão do sim ou do não, um assunto completamente diferente. As mulheres acusadas da prática de aborto clandestino, em julgamento no Tribunal de Setúbal, foram absolvidas na passada segunda-feira. Mais uma vez, assistimos à humilhação e ao ultraje das mulheres portuguesas, solidarizámo-nos com todas as que correm o risco de sentar no banco dos réus, exigimos a despenalização imediata de uma lei que é injusta e cruel. À porta do Tribunal ouvia-se: «a lei já podia ter sido aprovada!». Ainda não o foi por culpa de quem, olhando primeiro para os seus objectivos políticos e depois para as pessoas, insiste em manobras de diversão que nos levam a parte incerta. Despenalização, sim. Referendo, não!
Referendo
Várias vezes dissemos que o PCP sempre exigiu a consulta do povo português por via do referendo relativamente a questões essenciais da integração europeia. Foi assim com Maastricht, a adesão ao euro e o novo Tratado. Os partidos maioritários na Assembleia da República sempre se opuseram, barrando a revisão constitucional que o permitiria. Agora, perante um texto federalista, impregnado dos mais primários traços do neoliberalismo e que aprofunda uma visão militarista da Europa, os nossos governantes e seus acólitos já sentem necessidade de ouvir o povo. Talvez não esperassem estas primeiras respostas – francesa e holandesa – tão dissonantes da Europa bem comportada que interessa ao grande capital.
Sabendo-se que cada Tratado da UE só entra em vigor quando todos os Estados que a compõem o ratificam, não é necessário grande reflexão para perceber o que acontece quando um, e um apenas, diz: não! Apesar de ser claramente uma questão jurídica a mim afigura-se como uma questão matemática (a resposta tem que ser inequivocamente igual em todos os 25 membros e não apenas em alguns). Quando os dois primeiros Estados-membros a dizer não à «constituição europeia» são membros fundadores da Comunidade, então podemos constatar que as consequências ultrapassam o campo jurídico.
Mas mesmo assim, em Portugal, insistiu-se no referendo. Mesmo quando o ministro dos Negócios Estrangeiros confirmava a sua convicção pessoal de que não deveria haver referendo, o mesmo ministro repetia a posição oficial de manutenção do referendo. Lá o Conselho Europeu de Junho ajudou a desembrulhar esta posição pessoal versus oficial, adiando a «constituição europeia» para as calendas, certamente após constatar que o povo europeu não é tão sereno como aparenta. É uma grande vitória para todas e todos que se bateram pelo esclarecimento das populações e pelo repúdio deste texto inaceitável.
Outra Europa
O tempo demonstrou que os comentários de que o não à «constituição europeia» seria a morte da Europa são ridículos e infundados. As tentativas de confundir os cidadãos levando-os a pensar que a não ratificação da «constituição europeia» cria um vazio legal ou algum tipo de perturbação são abjectas e devem ser combatidas de todas as formas. O que devemos retirar dos resultados destas primeiras consultas populares é o desejo nitidamente expresso de uma outra Europa. Uma Europa de paz e cooperação, em que todos os seus membros são soberanos e iguais em direitos. Uma nova Europa, com novas políticas.
Para terminar, porque uma outra Europa é necessária e porque esta coluna cirandou a questão do sim ou do não, um assunto completamente diferente. As mulheres acusadas da prática de aborto clandestino, em julgamento no Tribunal de Setúbal, foram absolvidas na passada segunda-feira. Mais uma vez, assistimos à humilhação e ao ultraje das mulheres portuguesas, solidarizámo-nos com todas as que correm o risco de sentar no banco dos réus, exigimos a despenalização imediata de uma lei que é injusta e cruel. À porta do Tribunal ouvia-se: «a lei já podia ter sido aprovada!». Ainda não o foi por culpa de quem, olhando primeiro para os seus objectivos políticos e depois para as pessoas, insiste em manobras de diversão que nos levam a parte incerta. Despenalização, sim. Referendo, não!