O dilema de Sócrates
O primeiro-ministro apresentou-se anteontem na SIC num novo formato. Abandonando o tom minimal repetitivo que vinha caracterizando os seus discursos, José Sócrates empenhou-se numa prestação televisiva menos robotizada, quase intimista mesmo, para tentar convencer os portugueses de que as medidas tomadas nestes cem dias de descontentamento nacional eram um mal menor.
«Enfrentei um dilema moral entre o interesse nacional e a fidelidade ao programa [do PS]», garantiu Sócrates, assumindo que as promessas eleitorais foram metidas na gaveta mas atribuindo a responsabilidade à surpresa de um déficit para além de todos os prognósticos. «A alternativa de nada fazer este ano seria pior para as famílias», asseverou.
Assumindo-se como um defensor do Estado social, Sócrates fez questão de sublinhar a «injustiça» de uns quantos milhares de funcionários públicos terem direito à reforma mais cedo do que os restantes milhões de trabalhadores por conta de outrem.
O que não disse, e ninguém lhe perguntou, foi como é que quem diz ter do Estado uma ideia de esquerda não discorre que as injustiças se corrigem nivelando por cima e não por baixo. O que não explicou foi como é que o progresso social se faz regredindo ao tempo em que se trabalhava mais por menos salário e menos direitos.
O que não justificou foi as razões que levam um defensor do Estado social e de esquerda a penalizar as pensões de reforma, que diz querer dignificar, seja através da aplicação de impostos aos mais baixos rendimentos, seja pela alteração das regras de cálculo.
O que não disse foi como é que o seu governo, que se intitula de socialista, pode considerar corporativos direitos sociais conquistados em décadas de luta por melhores condições de trabalho e de vida.
O que não referiu, e ninguém questionou, foi como é que é possível que um governo de um regime democrático, onde o direito à greve está consagrado, mande fazer listas de professores grevistas e ameace com represálias os responsáveis das escolas que legitimamente se recusam a fazê-las.
O que Sócrates não disse foi de que cartola vão sair os 150 000, 240 000, 120 000 ou sejam lá quantos forem os prometidos novos empregos, quando os desígnios nacionais continuam a ser, no governo PS como no governo PSD/CDS, o aeroporto da OTA e o TGV, num país que não tendo mais de 200 quilómetros de largura continua, três décadas depois do derrube do fascismo, a sofrer de interioridade.
Por aqui se vê que o dilema de Sócrates é outro: dizer-se de socialista e prosseguir a política de direita.
«Enfrentei um dilema moral entre o interesse nacional e a fidelidade ao programa [do PS]», garantiu Sócrates, assumindo que as promessas eleitorais foram metidas na gaveta mas atribuindo a responsabilidade à surpresa de um déficit para além de todos os prognósticos. «A alternativa de nada fazer este ano seria pior para as famílias», asseverou.
Assumindo-se como um defensor do Estado social, Sócrates fez questão de sublinhar a «injustiça» de uns quantos milhares de funcionários públicos terem direito à reforma mais cedo do que os restantes milhões de trabalhadores por conta de outrem.
O que não disse, e ninguém lhe perguntou, foi como é que quem diz ter do Estado uma ideia de esquerda não discorre que as injustiças se corrigem nivelando por cima e não por baixo. O que não explicou foi como é que o progresso social se faz regredindo ao tempo em que se trabalhava mais por menos salário e menos direitos.
O que não justificou foi as razões que levam um defensor do Estado social e de esquerda a penalizar as pensões de reforma, que diz querer dignificar, seja através da aplicação de impostos aos mais baixos rendimentos, seja pela alteração das regras de cálculo.
O que não disse foi como é que o seu governo, que se intitula de socialista, pode considerar corporativos direitos sociais conquistados em décadas de luta por melhores condições de trabalho e de vida.
O que não referiu, e ninguém questionou, foi como é que é possível que um governo de um regime democrático, onde o direito à greve está consagrado, mande fazer listas de professores grevistas e ameace com represálias os responsáveis das escolas que legitimamente se recusam a fazê-las.
O que Sócrates não disse foi de que cartola vão sair os 150 000, 240 000, 120 000 ou sejam lá quantos forem os prometidos novos empregos, quando os desígnios nacionais continuam a ser, no governo PS como no governo PSD/CDS, o aeroporto da OTA e o TGV, num país que não tendo mais de 200 quilómetros de largura continua, três décadas depois do derrube do fascismo, a sofrer de interioridade.
Por aqui se vê que o dilema de Sócrates é outro: dizer-se de socialista e prosseguir a política de direita.