A pose e a posse

Henrique Custódio
«Se achavam que o que realmente queriam era a espingarda G-36 da HK, então nem precisavam de abrir um concurso público internacional, escusavam de nos obrigar a gastar dinheiro e eles a terem trabalho».
Esta acusação frontal ao ministério da Defesa português, tutelado na época por Paulo Portas, foi feita a 17 de Março em carta oficial pela empresa canadiana Diemaco, uma fábrica de armas que integra o conhecido grupo norte-americano Colt, e ainda não teve qualquer resposta.
A Diemaco é uma das sete empresas de armamento que se manifestaram interessadas em participar no concurso internacional, lançado pelo ministério da Defesa de Paulo Portas, para a substituição da espingarda automática G-3 nas Forças Armadas portuguesas, mas que desistiram logo à partida por considerarem que os requisitos exigidos (entre eles, uma insólita exigência de comprimentos exactos de cano) apenas abriam caminho à empresa alemã HK, «excluindo à partida todos os outros potenciais concorrentes».
Quem é esta empresa ganhadora-à-partida, a alemã Heckler & Koch – HK?
Nem mais nem menos que uma empresa que se apresentou a este concurso internacional para substituição da G-3 através... da Escom, a já famosa empresa do grupo Espírito Santo que está no centro das investigações do «caso Portucale».
Ou seja, mais uma vez aparece o grupo Espírito Santo envolvido com responsáveis máximos do CDS/PP na concretização de actos governamentais tão obscuros, que a maioria já caiu nas malhas da investigação criminal.
Com um pormenor: agora é o próprio ex-presidente do partido, o criativo Paulo Portas, que aparece associado a mais um escândalo, o que transforma a prestação ministerial do CDS/PP na anterior coligação governamental num configurado e completo caso de polícia.
Para quem se gabava de que o CDS/PP «fazia a diferença» em seriedade e competência na coligação de direita que desgovernou o País nos últimos três anos – como Paulo Portas o fazia até à exaustão, afivelando a sua inimitável «pose de Estado» -, não está mal, este extraordinário «pleno» dos ministros PP em matéria de suspeição e controvérsia.
Não escapa um: começou pelo «aval» de Bagão Félix, ministro das Finanças, a um obscuro negócio de 100 milhões de contos para compra de equipamento de comunicações a uma empresa onde outro ministro, Daniel Sanches, prestara serviço até ir para o Governo, continuou pelo trio que deu andamento ao «caso Portucale» - o do abate ilegal de sobreiros numa propriedade no concelho de Benavente para a construção de um campo de golfe – Nobre Guedes e Telmo Correia do CDS/PP, acolitados por Costa Neves, do PSD, todos assinando um despacho considerando de «interesse público urgente» o abate de milhares de sobreiros para a construção de uma urbanização privada do Grupo BES, cuja minuta foi apreendida pela polícia nas instalações da tal Escom do Grupo BES e redigida, descaradamente, no papel timbrado desta empresa e, agora, surge o próprio Paulo Portas envolvido numa negociata de armas onde encontramos, de novo, a intervenção do Grupo Espírito Santo.
Percebe-se, finalmente, a lógica da dispendiosa campanha do CDS/PP que, nas últimas eleições, inundou o País com cartazes gigantescos: foi do generoso «empréstimo» do BES na ordem de um milhão de euros e movido a produtivos despachos governamentais dos ministros do PP...
Nunca se havia descido publicamente tão baixo, e tão descaradamente, na promiscuidade entre o poder político e o poder económico.
A «pose de Estado» de Portas e C.ª era, afinal, uma incrível «posse de Estado».



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