PS e PSD mexem na Lei Eleitoral Autárquica

Distorcer a vontade do povo

As mexidas no sistema eleitoral autárquico defendidas pelo PS e PSD são um profundo golpe no poder local democrático. Para o PCP, que votou contra os projectos de lei daqueles partidos, este é um ataque sem precedentes à representação plural nos órgãos municipais.

A participação dos vários partidos é uma força da democracia

Os dois diplomas, em debate na passada semana, convergem quanto à ideia de o presidente da câmara ser o primeiro nome da lista mais votada para a assembleia municipal. O PS confere-lhe depois o poder de escolher todos os vereadores do executivo municipal, enquanto o PSD considera caber-lhe a escolha da maioria absoluta deles.
Para o PCP, qualquer das soluções preconizadas por aqueles partidos encerra o propósito de ver as câmaras municipais deixarem de ser eleitas directamente pelo povo. Seja na versão de executivos monocolores defendida pelo PS ou na de transformar artificialmente maiorias relativas obtidas nas urnas em maiorias absolutíssimas, como quer o PSD. A dividi-los, neste seu objectivo perseguido há cinco anos, parece estar apenas a data de entrada em vigor da lei. A bancada laranja, como frisou Miguel Macedo, secretário-geral do PSD, quer ver as novas regras já em Outubro próximo, nas próximas autárquicas, tendo chegado a fazer depender disso o seu apoio à construção dos dois terços necessários à aprovação de uma nova lei. Os socialistas, por seu turno, remetem o novo quadro para 2009, sem no entanto deixarem de manifestar a sua vontade de prosseguir as negociações que assegurem com o PSD a aprovação de uma nova lei, como sublinhou o seu líder parlamentar Alberto Martins
As razões aduzidas pela bancada socialista para as alterações propostas – bloqueios sistemáticos e instabilidade - foram categoricamente rebatidas pelo PCP, que as classificou de falsas. «Que bloqueios são esses e, já agora, quem são os bloqueadores?», perguntou, a propósito, o deputado António Filipe, antes de desafiar as bancadas do PS e PSD a darem um exemplo, um que fosse, de algum bloqueio sistemático.
O repto ficou sem resposta, nem podia ter, porque não havia exemplos para dar. O que levou o parlamentar comunista a afirmar que o «argumento das forças de bloqueio nas câmaras municipais desempenha neste processo de alteração das leis eleitorais autárquicas exactamente o mesmo papel que as armas de destruição em massa desempenharam na guerra do Iraque».
Com efeito – foi ainda a bancada comunista a lembrar o facto – nos últimos 20 anos, em Portugal, foram apenas quatro as eleições intercalares realizadas para câmaras municipais (Fundão, Monção, Albufeira e S. Pedro do Sul), nenhuma das quais imputável a qualquer minoria de bloqueio mas sim a irregularidade ou trapalhadas do partido maioritário.
Por isso o Grupo comunista, pela voz de António Filipe, reiterou a sua convicção profunda de que a participação das várias forças políticas nas câmaras municipais «não é uma força de bloqueio», mas, ao contrário, «uma força da democracia».
«É uma força da democracia» na medida em «não há nada mais democrático do que cada um ser representado em função dos votos que tem», lembrou o deputado do PCP, antes de considerar que é ainda «uma força da democracia» porque «constitui de longe o instrumento mais eficaz de fiscalização democrática da actividade municipal».

Adulterar a democracia

Mais uma alínea dessa «espécie de Tratado de Tordesilhas» com que PS e PSD querem repartir a vida política portuguesa. Assim vê o Grupo Parlamentar do PCP o processo legislativo - agora em sede de especialidade, depois de aprovado na generalidade por aqueles partidos - referente à lei eleitoral autárquica.
O deputado António Filipe, criticando-o de forma contundente, considerou mesmo o "negócio" como uma «espécie de regresso a um rotativismo» que, enfatizou, «já deu no passado as mais tristes provas e que no presente não promete nada de bom para a democracia».
Na verdade, como foi dito, subjacente às alterações propostas pelo PS e PSD não estão preocupações visando nem a melhoria do funcionamento democrático dos órgãos municipais nem a sua estabilidade.
«O real interesse é assegurar artificialmente a bipartidarização dos órgãos autárquicos em Portugal. Ao polarizar a escolha dos eleitores no presidente da câmara e ao reduzir as câmaras municipais a um só partido, o que se pretende é retirar aos eleitores o direito a uma escolha plural», acusou o parlamentar do PCP.

Despotismo

A solução preconizada quer pelo PS quer pelo PSD confere ao presidente de câmara um poder quase ilimitado. É o «quer, pode e manda» tornado lema e caucionado por uma medida legislativa que vem acentuar, como alertou a bancada comunista, o «peso excessivo que os presidentes de câmara tendem já a assumir e que transforma a gestão de algumas autarquias em formas quase autocráticas de expressão de poder pessoal».
A este propósito, numa antevisão às consequências de uma tal medida, António Filipe citou o constitucionalista Vital Moreira, em artigo publicado em 2000, onde este afirma o seguinte: «A câmara desaparecerá como órgão colegial, passando apenas a ser o presidente mais os seus homens de confiança».
«Parece evidente que a eleição conjunta do presidente e da assembleia numa mesma lista tenderá a dar aos candidatos a presidente também um poder determinante na escolha dos candidatos à assembleia, assegurando ao chefe do executivo municipal uma assembleia dócil», acrescenta mais à frente aquele constitucionalista, que retira desse facto uma evidência: «com os executivos monocolores, as deliberações que são hoje tomadas nas câmaras municipais em resultado de um debate contraditório entre várias correntes de opinião, passarão a ser impostas unilateralmente pelo presidente, sem qualquer discussão ou participação democrática».
Desmontado pelo deputado do PCP no decurso do debate foi também o argumento da estabilidade invocado por PS e PSD. Contrariamente ao que afirmam, o que resultará do mecanismo proposto nos seus projectos, advertiu António Filipe, é a introdução no governo local de uma «instabilidade sem precedentes que pode levar à realização de dezenas ou centenas de eleições intercalares em cada mandato».
A explicação é simples: se houver maioria relativa e os eleitos das outras forças políticas se opuserem por duas vezes consecutivas, tal implica eleições intercalares.
«Para quem propõe uma nova lei eleitoral em nome da estabilidade, a solução dificilmente poderia ser pior», rematou o parlamentar comunista.


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