Amigos como dantes

Anabela Fino
Não foi preciso muita explicação para que o arrojado esquerdista Freitas do Amaral voltasse ao redil dos discípulos bem comportados do tio Sam. Um lugar no Governo, a visita de Bush à Europa e uma ou duas intervenções, com Condoleezza Rice a servir de ponto, garantindo que o unilateralismo já era e que a cooperação com os aliados é que está a dar, foi quanto bastou para apagar a chama revolucionária de Freitas.
Apostado em demonstrar que o hábito faz o monge, o novo titular dos Estrangeiros rasurou memórias incómodas das críticas feitas no passado recente à política norte-americana - que na altura até pareceram sinceras -, e apressou-se a agitar o lenço branco a Washington para que lhe fosse concedida a mercê de uma audiência com Rice por ocasião da reunião da NATO em Vilnius, na Lituânia.
A secretária de Estado norte-americana acedeu e a estas horas só pode congratular-se com o facto, pois na caridosa mão que estendeu a Freitas recolheu um punhado de garantias de fidelidade e préstimos futuros. E não se pense que foi só em relação à permanência das forças portuguesas no Iraque, Afeganistão, Kosovo e Bósnia, o que sendo muito para quem contestou a intervenção não seria certamente bastante para quem já se arrependeu do atrevimento. Não, o que Freitas prometeu a Rice no curto encontro à margem da reunião foi muito mais do que isso.
Para além de ter eliminado quaisquer dúvidas quanto à sintonia existente entre S. Bento e a Casa Branca, Freitas manifestou a sua total disponibilidade para responder ao repto que Rice lhe terá feito de levar as relações entre os dois países para novos caminhos, «novas iniciativas», muito para além da rotina do costume.
O ministro não perdeu tempo e meteu mãos à obra. Afirma o Expresso do último sábado que Freitas do Amaral «está a estudar uma solução constitucional que permita a extradição de cidadãos de Portugal para os EUA, interdita desde 1908». Tarefa de vulto esta, já que a Constituição portuguesa proíbe expressamente a extradição para países onde exista a pena de morte, o que é o caso dos EUA. Assim sendo, a única «solução constitucional» será a alteração da Constituição para agradar a Washington, prova suprema de submissão. A menos que, Freitas, com a proverbial esperteza saloia, esteja a pensar em colocar ao largo uns barcos com pavilhão de aluguer para despachar os suspeitos de terrorismo procurados pelos EUA.
Pelo caminho, trocaram-se convites para visitas a Portugal e aos EUA, com a benção de Sócrates e de Bush.


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