Tentações....

Ângelo Alves

É inaceitável que Sampaio em Visita de Estado tente influenciar os resultados do referendo francês

Em tempo de comemorações do 25 de Abril e do 1º de Maio é difícil não centrar as atenções no nosso país, no nosso povo, mesmo quando se observa a evolução da situação internacional.
Quando falamos da Revolução de Abril as palavras, «Participação Popular», «Democracia», «Constituição» têm um peso e importância muito grandes. O peso de um país libertado, que se quis levantar pelas suas mãos.
Infelizmente, e passados 31 anos, termos como estes são hoje usados levianamente para todos os fins por aqueles que, passo a passo, ou dão ou ajudam a dar, machadadas nos valores e no património de Abril.
Estas reflexões, aparentemente sem propósito numa crónica internacional, sugiram quando observando a visita do Presidente Jorge Sampaio a França nos deparámos com o peso das palavras, o sentido que se lhes dá, ou quer dar, e a responsabilidade e coerência do pensamento de quem as profere.

Jorge Sampaio dedicou boa parte dos seus discursos e entrevistas à questão da chamada «Constituição Europeia». Por mais que se tente «dourar a pílula» não se consegue ignorar que Sampaio, numa Visita de Estado (aproveitando-se portanto dela) realizou descaradas acções de campanha pelo Sim no referendo francês numa manobra que inclusive pode ser considerada de ingerência em assuntos de política interna francesa.
Na sequência do desespero de Jacques Chirac, com o Não a ganhar nas sondagens, e na sequência da deslocação de Zapatero a França, com os mesmo propósitos e elogiando as virtudes da dita «Constituição», a Sampaio coube a tarefa de semear a profecia da desgraça caso o Não saia vitorioso. À Cadeia Euronews declarou que «uma vitória do Não, poderia abrir uma grande crise», numa entrevista ao Le Fígaro afirmava que «não é possível conceber a UE sem a França».
Erro Duplo.
O primeiro é que, e diga-se em abono da verdade, a visita tinha um objectivo inicial meritório – a cooperação no âmbito da difusão e ensino da língua portuguesa em França – que foi completamente desvalorizado em função das «tentações constitucionalistas» de Sampaio.
O segundo grande erro de Sampaio é que se já é inaceitável que um Chefe de Estado em Visita Oficial tente influenciar os resultados de um referendo nesse país, mais inaceitável é o facto de esse mesmo Chefe de Estado usar a chantagem política com todo um povo que o recebe para defender as suas opções políticas, tentando responsabilizar o povo francês por um possível impasse neste modelo de construção europeia que, a acontecer, resultará apenas da natureza e carácter injusto dessa mesma «construção».

A atitude em si não espantou. O Presidente Sampaio já afirmou que irá fazer campanha pelo Sim no referendo de Portugal, quando deveria assumir-se como o guardião de um debate sereno, profundo, democrático e vivo. O que espanta é que Sampaio vá tão longe no seu empenhamento para defender um Tratado que visa constitucionalizar o neoliberalismo na Europa e tenta construir uma nova potência imperialista, armada, federalista. O que espanta é que Sampaio ponha tanto empenho na defesa de uma suposta Constituição que de Constituição nada tem e que foi negociada e redigida pelas tecnocracias «europeístas» para agora ser imposta aos povos como sua.

Como estão longe dos reais conceitos de democracia, de participação, de Constituição os discursos dos defensores do Sim ao novo Tratado. Como está cada vez mais longe a ideia do «Presidente de todos os portugueses» e como estão próximos os interesses de classe de Chirac e Sampaio. Os franceses, pelas mais variadas razões estão a dizer Não. Em Portugal teremos que dizer Não também. Se tivermos sucesso talvez nessa altura o Presidente possa perceber que não falava por Portugal quando disse o que disse e também possa perceber que não o deveria ter feito enquanto Presidente da República.


Mais artigos de: Opinião

Gases

O chamado «gás natural» implantou-se a todo o vapor no dealbar do século e do milénio pela zona da Grande Lisboa e hoje já cozinha e aquece em pelo menos 400 mil habitações, que é como quem diz já serve 400 mil utilizadores, todos clientes da «Lisboagás», a empresa que se constituiu para implementar este novo...

Reforçar o Partido nas empresas e locais de trabalho – uma tarefa inadiável

O grau de exigência de cada uma delas é enorme, o que implica uma forte concentração de forças e de esforços, capaz de responder a questões tão exigentes como a resposta política e de massas aos graves problemas sociais que atingem a classe operária, os trabalhadores e o País e a constituição de milhares de listas para...

Um bloco de causas adiadas

Lê-se por aí que no rescaldo do debate parlamentar sobre o aborto, o PSD se mostra triunfante, sem o assumir publicamente, por ter visto “ adiada a questão para as «calendas»”. A expressão pode ser suficiente para avaliar do resultado final. Mas será insuficiente para ajuizar com mais rigor as opções adoptadas e...

Miméticos & provisórios

O CDS-PP teve este fim-de-semana o seu Congresso para alegadamente resolver a crise decorrente da demissão do «chefe» P.Portas na noite da derrota nas legislativas. E não parece que tenha feito mais que adiar a questão da liderança efectiva e de, sob a aparência de «debate ideológico», consolidar o escopo de ideias e...

Amigos como dantes

Não foi preciso muita explicação para que o arrojado esquerdista Freitas do Amaral voltasse ao redil dos discípulos bem comportados do tio Sam. Um lugar no Governo, a visita de Bush à Europa e uma ou duas intervenções, com Condoleezza Rice a servir de ponto, garantindo que o unilateralismo já era e que a cooperação com...