Gases

Henrique Custódio
O chamado «gás natural» implantou-se a todo o vapor no dealbar do século e do milénio pela zona da Grande Lisboa e hoje já cozinha e aquece em pelo menos 400 mil habitações, que é como quem diz já serve 400 mil utilizadores, todos clientes da «Lisboagás», a empresa que se constituiu para implementar este novo negócio.
Estas são as «boas notícias», digamos assim.
As más são em catadupa e chegaram esta semana aos noticiários tocadas pela DECO, a organização de Defesa do Consumidor, que veicula a queixa de milhares dos tais utilizadores, todos gesticulando as mais desvairadas reclamações, como diria o nosso cronista Diogo de Couto quando falava das «multas e desvairadas gentes» que pululavam por Lisboa na época áurea dos Descobrimentos.
Só que, neste caso do gás natural, quem pulula são os problemas com origem nas descoordenações entre as três entidades que intervêm no processo do fornecimento de gás natural - uma para distribuir, outra para instalar os equipamentos e uma terceira para inspeccionar.
A distribuidora é a Lisboagás e a coisa complicar-se-á a partir daí, pois há numerosas empresas com quem a Lisboagás «convencionou» quer a instalação, quer as inspecções e, na prática, o que acontece é que quando há qualquer anomalia, a Lisboagás começa por cortar o fornecimento do gás e depois é o cabo dos trabalhos para que este seja reposto, porque ora o arranjo demora, ora a indispensável inspecção tarda e quem se trama é o consumidor.
Entretanto, a notícia é omissa em relação à tortuosa história que já tem a instalação do gás natural na Grande Lisboa, e a própria DECO apenas refere que a reconversão (do gás de cidade para o gás natural) «foi feita à pressa e mal».
Recordamos que essa reconversão se fez entre 1999 e 2002, nuns simples três anos, contra o que reclamaram os sindicatos do sector, invocando o estudo na altura encomendado e pago a Espanha (onde já havia a experiência da instalação do gás natural em Barcelona) e que recomendava taxativamente um período de dez anos para a reconversão gradual. A reconversão seria feita em apenas três anos, uma pressa voraz onde a Lisboagás lançou mão de outros estratagemas, como consentir a continuação de canalizações de chumbo, interditas por lei, ou, muito pior, permitir a presença de esquentadores nas casas de banho, risco taxativamente proibido também pela lei.
O resultado foi – para grande surpresa dos consumidores – a sistemática imposição de obras coercivas sempre que a Lisboagás reinspecciona esses locais por uma qualquer avaria, cortando o fornecimento de gás até tudo ser reinstalado segundo as normas, ora exigindo a substituição de canalizações inteiras de chumbo, ora impondo a retirada dos esquentadores das casas-de-banho. Só que há muitos milhares destes últimos – não se sabe quantos – que continuam a funcionar despreocupadamente nas casas-de-banho com gás natural, qual bomba-relógio que a Lisboagás e a tutela governamental deliberadamente «consentiram» que se instalasse na Grande Lisboa apesar da explícita proibição em lei, tudo para apressar o começo do novo negócio.
Também ninguém fala – nem a DECO – na flagrante concorrência desleal que a Lisboagás patrocina e realiza, ao direccionar os clientes, em caso de avaria, para os serviços da sua própria empresa de instalações, a Gásfomento, com a agravante de isso não corresponder a uma melhoria do serviço, mas à sua penalização, pois tal empresa está a registar crescentes queixas dos utentes por demoras e deficiências várias, enquanto todas as outras presentes no mercado ficam a ver navios.
Estarão à espera de uma catástrofe para dar explicações sobre tudo isto?


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