Obituários
No último sábado, a Biblioteca-Museu da República e Resistência serviu de palco a um estranho conclave: um grupo composto quase exclusivamente por ex-comunistas, de longa data ou nem tanto, assumidos ou nem por isso, marcou encontro para homenagear (?) Bento Gonçalves, secretário-geral do PCP morto no campo de concentração do Tarrafal em 1942.
De Mário Soares a Carlos Brito, de Edmundo Pedro a Fernando Vicente - segundo reza a notícia do Público do passado domingo -, sem esquecer a imprescindível poesia de Manuel Alegre para dar um toque cultural ao conciliábulo, as intervenções tiveram a particularidade de convergir não apenas no ponto de partida, o homenageado, o que seria normal, mas também no ponto de chegada, o ataque ao PCP, o que sendo menos curial era no entanto bastante expectável tendo em conta o gabarito dos oradores.
De acordo com a informação vinda a público, a generalidade dos intervenientes fez questão de criticar a ausência oficial do PCP na sessão, mas a nenhum dos preclaros tribunos ocorreu questionar-se sobre a sua legitimidade para debitar sobre o pensamento e a vida de um homem que se dedicou por inteiro ao Partido e à causa que eles próprios traíram.
Pode ser que para quem acreditou - e alguns até aplaudiram! - no fim da História seja natural que os detractores do comunismo, no seu afã de fazer crer que a luta de classes desapareceu, se dediquem a evocar a memória dos comunistas mortos, que são sempre os melhores, aproveitando o ensejo para zurzir nos comunistas vivos, que são os que incomodam.
Pode até ser que para tais senhores faça todo o sentido encomendar a missa de sétimo dia aos ateus e o encómio da paz aos senhores da guerra, ou entregar a segurança das vítimas aos algozes e o combate da injustiça social aos exploradores. Afinal de contas, quem engavetou o socialismo ou trocou a luta pela transformação da sociedade pelos encantos do jet-set não terá certamente motivos para se sentir complexado em lembrar com paternal simpatia o operário letrado que morreu pela liberdade. Não custa nada, não tem consequências e fica bem no currículo, para além de ajudar a apagar memórias de estórias menos edificantes dentro do conveniente princípio de que uma mão lava a outra.
Complexos têm os coerentes, como Álvaro Cunhal, que segundo garantiu Soares no referido evento nunca conseguiu livrar-se da pena, ou mesmo da culpa, de não ser operário, motivo que explica, na óptica soarista, a razão pela qual Bento Gonçalves é tão «esquecido» pelo PCP.
Valham-nos os ex de militância e ideias de todos os tempos, tão prontos a esquecer o presente como a reescrever o passado, para manter viva a chama do anticomunismo. Que seria de nós sem estes próceres da democracia, tão férteis em discursos e elogios póstumos como em incoerências e jactâncias?
De tão cheios de si e dos seus ódios de estimação, caminham distraídos pelo velho caminho dos inimigos da luta de classes que um dia travaram, sem sequer se dar conta que palavra a palavra vão escrevendo de forma indelével os seus próprios obituários.
De Mário Soares a Carlos Brito, de Edmundo Pedro a Fernando Vicente - segundo reza a notícia do Público do passado domingo -, sem esquecer a imprescindível poesia de Manuel Alegre para dar um toque cultural ao conciliábulo, as intervenções tiveram a particularidade de convergir não apenas no ponto de partida, o homenageado, o que seria normal, mas também no ponto de chegada, o ataque ao PCP, o que sendo menos curial era no entanto bastante expectável tendo em conta o gabarito dos oradores.
De acordo com a informação vinda a público, a generalidade dos intervenientes fez questão de criticar a ausência oficial do PCP na sessão, mas a nenhum dos preclaros tribunos ocorreu questionar-se sobre a sua legitimidade para debitar sobre o pensamento e a vida de um homem que se dedicou por inteiro ao Partido e à causa que eles próprios traíram.
Pode ser que para quem acreditou - e alguns até aplaudiram! - no fim da História seja natural que os detractores do comunismo, no seu afã de fazer crer que a luta de classes desapareceu, se dediquem a evocar a memória dos comunistas mortos, que são sempre os melhores, aproveitando o ensejo para zurzir nos comunistas vivos, que são os que incomodam.
Pode até ser que para tais senhores faça todo o sentido encomendar a missa de sétimo dia aos ateus e o encómio da paz aos senhores da guerra, ou entregar a segurança das vítimas aos algozes e o combate da injustiça social aos exploradores. Afinal de contas, quem engavetou o socialismo ou trocou a luta pela transformação da sociedade pelos encantos do jet-set não terá certamente motivos para se sentir complexado em lembrar com paternal simpatia o operário letrado que morreu pela liberdade. Não custa nada, não tem consequências e fica bem no currículo, para além de ajudar a apagar memórias de estórias menos edificantes dentro do conveniente princípio de que uma mão lava a outra.
Complexos têm os coerentes, como Álvaro Cunhal, que segundo garantiu Soares no referido evento nunca conseguiu livrar-se da pena, ou mesmo da culpa, de não ser operário, motivo que explica, na óptica soarista, a razão pela qual Bento Gonçalves é tão «esquecido» pelo PCP.
Valham-nos os ex de militância e ideias de todos os tempos, tão prontos a esquecer o presente como a reescrever o passado, para manter viva a chama do anticomunismo. Que seria de nós sem estes próceres da democracia, tão férteis em discursos e elogios póstumos como em incoerências e jactâncias?
De tão cheios de si e dos seus ódios de estimação, caminham distraídos pelo velho caminho dos inimigos da luta de classes que um dia travaram, sem sequer se dar conta que palavra a palavra vão escrevendo de forma indelével os seus próprios obituários.