Crises de crescimento

Jorge Cordeiro
Passada a crise da adolescência, o BE parece agora pretender afirmar a sua condição adulta. A julgar pelas notícias, coisas como a criação de comissões políticas ou eleição de líder parlamentar parecem estar na agenda da sua próxima convenção nacional. Seguramente, tudo arreliadoras alterações que, ditadas por uma mais generosa colheita de votos, obrigarão aquela organização a ser o que desde sempre é, um partido político, mas que insistia em não querer ser, preferindo imaginar-se como «movimento» para dar aquele ar, esforçadamente cultivado, de diferença e novidade.
Mas o que de mais interessante se torna digno de registar é a anunciada alteração dos estatutos para a inclusão de sanções disciplinares, designadamente aquilo que denominam como «advertência» e «exclusão». Repare-se no termo, na elegância do estilo, na subtileza gramatical: exclusão, não expulsão. Segundo Rosas «um partido político que cresce, que se alarga, que consagra a pluralidade de opiniões(...) tem que prever a possibilidade de situações anómalas, de incompatibilidades absolutas». O fim da puberdade tem destas coisas. Longe parece ir o tempo em que, ainda não há um mês, Louçã esbracejava contra aquilo que apelidava «da esquerda fria, do autoritarismo, da obediência e da exclusão» para justificar a papel de albergue espanhol em que o BE se confirmou ao acolher todos quantos, zangados com a vida, abandonaram convicções. Longe parece ir o tempo em que, ainda não há um mês, Louçã afirmava que a exclusão conduzia «ao empobrecimento dos partidos políticos» para, inundado de preconceitos contra o PCP, tentar confundir o legitimo direito à diferença de ideias ou opiniões com comportamentos que se configuram, usando as palavras de Fernando Rosas, «de incompatibilidades absolutas».
Retocados que sejam alguns aspectos e adequadas que estejam algumas regras de funcionamento de quem se quer mostrar crescido, o BE promete continuar a revelar-se como é: ideologicamente inconsistente, sem projecto que não seja o que resulta de critérios de oportunidade, com uma coerência ditada pela conveniência. A testemunhá-lo, nada melhor que a elucidativa afirmação do coordenador autárquico no sentido de que «o bloco poderá concorrer com independentes hoje em funções por outros partidos». Este esclarecedor posicionamento estratégico do BE e do seu «projecto» autárquico, construído na base de um sólido acervo de princípios resumido na expressão «o que vem à rede é peixe», capaz de rivalizar em eficácia com o não menos conhecido e sólido critério traduzido no «quem está com o poder come, quem não está cheira», é em si sinal dos valores e da coerência que o povoam.


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