Ameaça sinistra

José Casanova
No discurso de posse, Bush proclamou que «o objectivo supremo dos EUA é pôr fim à tirania» e instalar «a liberdade em todo o mundo».
Vinda de quem vem, tal proclamação não pode deixar de ser vista como uma sinistra ameaça para todos os países do mundo: quer para os que, servilmente, lambem as mãos ao dono, quer para os que, com dignidade, persistem em assumir a sua independência e soberania.
Esta obsessão dos EUA em se imporem como modelo único de democracia e liberdade – modelo que todo o mundo é obrigado a aceitar e adoptar, a bem ou a mal – é mortífera. E a filosofia que enforma o discurso de Bush é a mesma que, ao longo da história, foi suporte da imposição da liberdade made in USA a centenas de países e povos, através da força das armas, de ocupações e invasões, de instauração ou apoio a ditaduras fascistas. Recorde-se que, por três vezes – 1945, 1975 e 1991 – três generais norte-americanos utilizaram a mesma frase: «É preciso fazer voltar o Japão (o Vietname, o Iraque) à idade da pedra» – frase que, de tão repetida, mais parece o hino nacional dos EUA e que enuncia exemplarmente um macabro projecto de domínio imperialista do mundo. E é nessa frase e nesse projecto que Bush está a pensar quando ameaça instalar «a liberdade em todo o mundo». Para o concretizar – e em cumprimento do mandato divino de que, à semelhança de todos os seus antecessores, diz estar investido – chamou a si um grupo de peritos em matéria de liberdade e de democracia, culpados, como ele, de hediondos crimes contra a humanidade: Rumsfeld, um dos cérebros da invasão e ocupação do Iraque e do massacre de centenas de milhares de inocentes; Michael Chertoff, que, em nome da «luta contra o terrorismo», mandou prender milhares de emigrantes árabes sem qualquer acusação; Alberto Gonzalez, que, a pedido de Rumsfeld e invocando o «interesse supremo do país», legalizou a tortura em confronto com as próprias «leis norte-americanas», com as «convenções internacionais» e com «a Convenção de Genebra», e que foi, ainda, o criador de uma lei que confere a Bush «poderes ilimitados para conduzir uma guerra da forma que entender, sem que o Congresso, nem os tribunais, nem as leis internacionais possam interferir» – e muitos outros praticantes do peculiar conceito de liberdade e de democracia que constitui o mais rentável produto que os EUA exportam para todo o mundo.


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