As taxas de Santana

Bernardino Soares (Membro da Comissão Política do PCP)
Recentemente Santana Lopes veio anunciar a diferenciação das taxas moderadoras nos serviços públicos de saúde, corrigindo passado pouco tempo para o pagamento diferenciado dos cuidados de saúde por determinadas camadas da população.

O princípio do «utilizador-pagador» penaliza quem mais doente está

A proposta justificar-se-ia, no dizer do nosso inefável primeiro-ministro, por razões de justiça social e para contribuir para o aumento de receitas próprias do Serviço Nacional de Saúde.
Lembre-se que a introdução destas taxas moderadoras foi sempre justificada, designadamente aquando da revisão da Constituição que alterou o carácter gratuito do SNS para «tendencialmente gratuito», com o singelo objectivo de moderar o recurso excessivo aos cuidados de saúde disponibilizados, prevendo até na altura os deputados do PSD e PS, que a prazo desapareceriam. Na realidade as taxas moderadoras nunca se destinaram a isso mas sim a introduzir um princípio de pagamento dos cuidados de saúde.
As propostas agora feitas por Santana Lopes não são mais do que o trilhar do caminho então aberto. Lembre-se aliás que o Governo PSD/CDS-PP aumentou fortemente em 2003 as taxas moderadoras (nas mais comuns entre 30 e 40 por cento). Trata-se afinal de aumentar o pagamento directo pelas populações, que ascenderá já no nosso país a 40 por cento do total dos gastos em saúde, desresponsabilizando assim progressivamente o Estado do financiamento do SNS.
A proposta de Santana Lopes vem embrulhada na mais desbragada demagogia ao pretender apresentar-se como uma forma de cobrar aos ricos favorecendo os mais desfavorecidos. Mas o que à primeira vista pareceria justo não resiste a uma consideração mais atenta. É que o que está mal não é que os ricos não paguem a saúde; é que não paguem os impostos devidos, pois é no sistema fiscal que se obtém os recursos para financiar os serviços públicos, incluindo os de saúde, e que se deveria procurar cobrar justamente de acordo com os reais rendimentos de cada um. Mas nisso o Governo PSD/CDS-PP não está interessado.
Aliás, uma tal medida acabaria por repetir no pagamento da saúde a injustiça que já temos no sistema fiscal, em que a maior fatia das receitas continua a ser assegurada pelos trabalhadores por conta de outrem, e por outro lado, ao introduzir o chamado «princípio do utilizador-pagador» penalizaria mais quem mais doente estivesse.

SNS não tem que ter receitas

Por outro lado, o SNS não tem de ter como preocupação prioritária a obtenção de receitas próprias, porque isso equivaleria a desviá-lo da sua função fundamental – prestar cuidados de saúde. De resto a proposta do Governo denuncia as suas verdadeiras intenções. É que se a preocupação são as receitas próprias, então não é com um maior pagamento dos cuidados de saúde por uma pequena minoria de muito ricos, que porventura recorrem até mais aos serviços privados, que se resolve o problema. Seria preciso alargar bastante mais o universo dos abrangidos por tal medida, generalizando os aumentos e abrindo caminho quer a uma crescente utilização do sector privado e remetendo o que restasse do SNS para um modelo assistencialista e degradado que não seria capaz de garantir o direito à saúde dos portugueses.
Nesta e noutras matérias, a grave ofensiva a que está sujeito o SNS exige uma atenção redobrada do Partido e o indispensável reforço da luta das populações, dos trabalhadores em geral e dos profissionais de saúde. Tanto mais que esta é uma daquelas áreas em que o Partido Socialista, mesmo antes do recente conclave, manteve em relação à política do Governo, indisfarçáveis cumplicidades e preocupantes hesitações.
A proposta de orçamento para 2005 confirma o prosseguimento desta ofensiva. Uma menor transferência real de verbas para o SNS, uma nova diminuição do investimento (4,7 por cento), ou a prioridade a uma crescente privatização da saúde, são algumas das linhas de força aí incluídas pelo governo. Veja-se em particular o caso dos novos 10 hospitais a construir nos próximos anos – cuja entrega aos privados significa submeter os cuidados hospitalares de 26 por cento da população à prioridade do lucro – e que serão financiados com pagamentos do Estado até 2037, no valor de mais de 7400 milhões de euros, a que se acrescentará, como afirmou Bagão Félix, o que resulte aplicação do princípio do utilizador-pagador, isto é, o pagamento directo pelos utentes.
Também por isso é indispensável reforçar o papel do Partido na defesa do Serviço Nacional de Saúde e na batalha mais geral da substituição deste Governo e da interrupção da política de direita.


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