Vergonhas nacionais

José Casanova
«Vergonha nacional», «humilhação de Portugal»: foi assim que a generalidade dos média qualificou a eliminação da selecção portuguesa dos Jogos Olímpicos. Já antes, quando da derrota no primeiro jogo do Euro-2004, se haviam verificado reacções semelhantes – e logo aí surgiram as exigências de pedidos de desculpas dos jogadores ao povo e ao país pelo acto antipatriótico que fora terem perdido um desafio de futebol. (felizmente, os jogadores não só não cederam à chantagem mediática como, através de uma série de exibições notáveis, obrigaram os inquisidores a meter a viola no saco e a... aplaudi-los).
Nos Jogos Olímpicos, a coisa foi mais grave: a má prestação da selecção portuguesa de futebol – de facto muito má, como acontece, ou pode acontecer, a qualquer equipa de qualquer país sem que daí venha mal ao mundo – foi motivo para o reacender dos sinistros autos de fé. De tal forma que, desta vez, já houve quem se visse na obrigação patriótica de pedir as tais desculpas aos portugueses. Desculpas desnecessárias, tanto mais que, como toda a gente sabe, a selecção não perdeu porque quis perder (e a tristeza visível nos rostos dos jogadores derrotados não era menor do que a da generalidade dos portugueses), além de que perder um, ou dois, ou três jogos de futebol não é coisa que deva envergonhar um País e um povo. Aliás, a vergonha ou o orgulho de Portugal não se medem pelas derrotas ou pelas vitórias futebolísticas e pretender o contrário constitui uma manobra diversionista, visando ocultar ou fazer esquecer as verdadeiras vergonhas nacionais. Que são muitas e grandes: meio milhão de desempregados, um milhão de precários e um pacote laboral violador de direitos fundamentais dos trabalhadores; o último lugar ocupado por Portugal na União Europeia em tudo quanto é bom e o primeiro lugar em tudo quanto é mau; a existência de dois milhões de portugueses vivendo abaixo do limiar da pobreza, metade deles sofrendo graves carências alimentares e pelo menos 200 mil passando fome; a submissão de Portugal aos grandes e poderosos da Europa e aos EUA, com a entrega de pedaços da soberania nacional; a participação de Portugal na criminosa ocupação do Iraque; a política de direita geradora de todas estas e muitas outras vergonhas nacionais – uma política que tem responsáveis conhecidos, os quais, esses sim, são devedores de muitas desculpas (e não só) aos portugueses.


Mais artigos de: Opinião

A moral do imperialismo

O Público de 25 de Agosto, ao noticiar a visita do Ministro dos Negócios Estrangeiros britânico à martirizada região de Darfur, no Sudão, publicava a fotografia de um Jack Straw supostamente condoído com o sofrimento alheio. É porém evidente que quem recorre a métodos terroristas para esmagar a resistência do povo...

«Renegados» de sucesso

Deu-nos conta uma insuspeita revista, que acompanha um matutino, do enorme sucesso que constitui a história e o percurso de uns quantos antigos seguidores do «maoísmo» em tempos outros que não o presente. Nesta «história de sucesso», como era titulado o aliciante artigo, brilha como sua cintilante confirmação o exemplo...

Desígnios

Uma vez mais, mas desta porque o homem se mete connosco, torno a quebrar a regra de bom tom que é não falar do que se passa na casa dos outros. Já adivinharam - trata-se do badalado congresso do PS que, apesar de se tratar de um conclave ultra-rápido, promovido e organizado nos moldes «democráticos» que solicitam apenas...

Medalhas

Duas semanas depois de ter sido ateada, apagou-se, no domingo, a chama no moderníssimo Estado Olímpico de Atenas. Para trás, ficam duas semanas marcadas por fantásticos exemplos de esforço e de superação pessoal, por belos momentos que ficarão gravados na memória de milhões de amantes do desporto. Imagens da alegria de...

Reacção obscurantista

A integração da questão do aborto no acordo firmado, em 2002, entre Durão Barroso e Paulo Portas demonstrou que as direcções do PSD e do CDS-PP se assumem como um travão à despenalização do aborto em Portugal.