A moral do imperialismo

Albano Nunes

É «o petróleo africano a representar um interesse estratégico para os EUA»

O Público de 25 de Agosto, ao noticiar a visita do Ministro dos Negócios Estrangeiros britânico à martirizada região de Darfur, no Sudão, publicava a fotografia de um Jack Straw supostamente condoído com o sofrimento alheio. É porém evidente que quem recorre a métodos terroristas para esmagar a resistência do povo iraquiano, e assiste impávido e sereno ao massacre do povo palestiniano às mãos dos fascistas de Israel, não é capaz de gestos de compaixão como aquele que o Público pretende fazer crer.

Na verdade, ao contrário de uma genuína preocupação do imperialismo britânico pelos dramas de um povo, estamos sim perante uma manifestação da mais rematada hipocrisia, inserida numa bem orquestrada campanha para, invocando desta vez o «dever de ingerência humanitário», intervir militarmente no Sudão. Ao mesmo tempo que se procura desviar a atenção dos crimes que as forças de ocupação estão a cometer no Afeganistão, no Iraque, ou na Palestina, o imperialismo prossegue a sua estratégia de agressão, de imposição de protectorados e de ocupação militar visando o domínio de recursos e posições estratégicas e impedir alternativas progressistas e revolucionárias. A intensíssima actividade política, diplomática e militar dos EUA, Grã Bretanha e França em torno do Sudão e da questão do Darfour não deixa margem para dúvidas sobre o que realmente faz correr o imperialismo e seus amigos.

Se há país complexo, na sua realidade e na sua história, esse país é o Sudão, o maior país de África, com uma composição étnica e religiosa extraordinariamente diversificada, charneira entre o mundo árabe a África negra, fazendo fronteira com numerosos países, tradicional zona de disputa. O seu relacionamento histórico com o Egipto e sobretudo a colonização britânica, deixaram marcas profundas, com fronteiras traçadas pela partilha colonial, e políticas de divisão e discriminação cujas conseqüências chegaram aos nossos dias. A rebelião dos povos do Sul mergulha as suas raízes num passado longínquo em que a Núbia era fonte de recrutamento de escravos, ou mais recente em que o ocupante britânico impedia a aprendizagem e outra língua que não o inglês ou proibia casamentos entre «árabes» e «africanos». O acesso do Sudão à independência em 1956 na vaga libertadora do pós-guerra, não pôs termo à ingerência do imperialismo que, inquieto com o desenvolvimento de um poderoso movimento popular e de um influente Partido Comunista apoiou abertamente cruéis ditaduras, incluindo o golpe fundamentalista fascista de 1989 da Frente Islâmica Nacional do general Omar el-Bechir, que serviu às maravilhas para promover o Hamas e a gente de Bin Laden contra as forças progressistas, e cujos crimes estão hoje a servir de pretexto para uma intervenção militar no Sudão.

O que realmente faz correr Jack Straw e o imperialismo no Sudão é a sua posição estratégica. São as jazidas de petróleo e gás aí existentes, o oleoduto que liga Cartum ao Mar Vermelho e aquele outro que se pretende construir a partir do Chade em direcção à costa ocidental africana. É «o petróleo africano a representar um interesse estratégico para os EUA» (W. Kansteiner, sub-secretário de Estado) e é a África, tornada de uma ponta a outra numa «prioridade» do imperialismo americano.
Não são razões «humanitárias» como não o foram as que levaram Mark Tatcher
(filho da «Dama de Ferro») e os serviços secretos britânicos a envolverem-se na tentativa de golpe de estado na Guiné Equatorial – país que é ou será em breve o terceiro produtor de petróleo do continente – ou levam os EUA, de olhos postos nas imensas jazidas petrolíferas do Golfo da Guiné, a construí em S. Tomé e Príncipe uma gigantesca base militar para apoiar a sua política de rapina no mortificado continente negro.


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