Escândalo na Colômbia

Miguel Urbano Rodrigues
A designação não ultrapassou as fronteiras: Autodefesas Unidas da Colômbia, as AUC. Mas a sigla esconde a realidade. Para o povo eles são os Paramilitares, uma organização criminosa, instrumento da política de um estado oligárquico que a criou, armou e financiou através das Forças Armadas para cumprir as tarefas mais sujas.
Quantos são? Ignora-se. Mas o governo de Bogotá admite que os efectivos dos seus bandos atinjam 20 000 homens, a ralé da sociedade.
O rol dos crimes por eles cometidos ocuparia centenas de páginas. O fundador e chefe histórico do paramilitarismo, Carlos Castaño, executava pessoalmente alguns prisioneiros. Divertia-se decepando-lhes os membros com uma serra eléctrica, antes de os atirar ainda vivos aos jacarés do Magdalena. Estudos publicados por cientistas sociais avaliam em mais de cem mil o total de camponeses assassinados pelas auto-intituladas AUC.
Essa escória humana manteve desde o início relações tão íntimas e públicas com os cartéis da droga que até a justiça dos EUA reivindicou a extradição dos seus líderes como narcotraficantes notórios.
O povo colombiano teme os paramilitares e sente por eles ódio.
Mas não os sucessivos governos da República oligárquica. Conservadores e liberais fecharam sempre os olhos aos seus crimes. Afinal, eram cúmplices, gente amiga.
O actual presidente, Álvaro Uribe Vélez, quando governador de Antioquia, fez o que estava a seu alcance para que o paramilitarismo se desenvolvesse.
Não é de estranhar assim que o seu governo tenha iniciado «negociações de paz» com os bandos das AUC. Enquanto se diz disposto a destruir as FARC -EP, sorri aos paramilitares, desejoso de os ver «reintegrados harmoniosamente na sociedade colombiana».
O namoro foi tão longe que, na sequência de manobras presidenciais, três destacados chefes das AUC – Salvatore Mancuso, Ivan Duque e Ramón Isaza – foram convidados pela Comissão de Paz da Câmara de Deputados para ali, no Salão Elíptico, se defenderem, no dia 27 de Julho pp de acusações múltiplas. Na prática ofereceram-lhes uma oportunidade única de se dirigirem ao País.
As coisas não correram, entretanto, como o Poder desejava.

Uma vergonha

O escândalo foi maiúsculo. Tão grande que El Tiempo, o grande diário da oligarquia, que apoia Uribe, definiu como ‘insólita’ a presença no Parlamento dos paramilitares narcotraficantes, sublinhando que nem os militares, comerciantes e ganadeiros que os criaram, nem os familiares de milhares de pessoas por eles assassinados poderiam «esperar vê-los algum dia no Congresso». Eles «vieram, em suma, fazer política – sublinhou o editorialista – e dar um passo substancial no sentido do que procuram há muito: adquirir legitimidade»
Os criminosos comportaram-se com arrogância. Numa tirada de humor negro, o actual líder máximo, Salvatore Mancuso, afirmou: «Não podemos aceitar a prisão como recompensa pelo nosso sacrifício pela pátria, por termos libertado da guerrilha metade da República e evitado que se consolidasse no solo pátrio outra Cuba, ou a Nicarágua de antes».
Esperava-se que os três «convidados» respondessem às perguntas dos deputados e senadores presentes. Essa era a motivação do encontro, autorizado, excepcionalmente, pelo Ministério da Justiça, por se tratar de criminosos com processos em andamento. Mas isso não aconteceu. Logo que falaram, retiraram-se, rodeados por um enxame de seguranças. Nas galerias, o filho do ex-senador comunista Manuel Cepeda, assassinado pelos paramilitares em 1994, era – segundo El Tiempo – «a imagem solitária das vítimas» dos bandoleiros ali tão cortesmente recebidos.
O que se passou durante a jornada no Congresso da Colômbia excedeu pelo absurdo situações criadas pela imaginação de Kafka.
«Penso que hoje estamos diante de um imenso fracasso nacional (...) somos testemunhas da submissão das instituições do Estado ao narcotráfico» – comentou o deputado Gustavo Petro.
Mesmo entre os parlamentares uribistas muitos manifestaram espanto e indignação. Na opinião de Rafael Pardo Rueda «isto não tinha sentido se era para virem dizer-nos como legislar e foi isso o que se passou»... Outra apoiante de Uribe, a deputada Gina Parody, desabafou: «Foi um espectáculo vergonhoso e lamentável».
O presidente, naturalmente, tem outra opinião sobre a ida ao Congresso dos chefes paramilitares com quem dialoga amigavelmente, identificando neles interlocutores idóneos.
Álvaro Uribe Velez estava preocupado, sim, com o protesto promovido na Plaza Bolívar por personalidades da esquerda e familiares dos milhares de cidadãos assassinados pelos bandos dos paramilitares chamados a discursar no Congresso.
À cautela concentrou ali um imponente dispositivo policial. Não houve choques. Mas os cartazes expressaram bem o sentimento do povo colombiano: «Ni perdón, ni olvido!»
Nestes dias, os revolucionários das FARC-EP têm a cabeça a prémio e são perseguidos como terroristas pelas polícias da Europa e da América. Mas em Bogotá, os chefes do paramilitarismo, responsáveis por incontáveis crimes, discursam no Congresso da Colômbia, recebidos como personalidades merecedoras de respeito.
A contradição ilumina bem a moral das direitas e a caricatura de democracia existente na pátria de Nariño.


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