Democratas de lei

José Casanova
Há uns meses, os responsáveis pela prisão de Guantánamo (democratas especializados na prática da tortura) queixaram-se a Rumsfeld (democrata do mesmo ramo) sobre as dificuldades com que estavam a deparar nos interrogatórios aos presos, dos quais não conseguiam «obter informação suficiente». Os torturadores pediram ao experiente chefe que lhes legalizasse a tortura à labúrdia. Rumsfeld atendeu o pedido: democrata de lei, mandou elaborar um documento sobre a matéria e submeteu-o à consideração dos juristas da Casa Branca (todos eles, também, democratas de lei desde o biberon) os quais aplaudiram, aprovaram e legalizaram o dito documento.Trata-se de uma lei que confere plenos e democráticos poderes nacionais e internacionais a Bush (o democrata modelo, o pai e a mãe de todos os democratas desde o Blair, o Berlusconi e o Aznar, ao Barroso, ao Portas e ao Bagão). Que plenos e democráticos poderes são esses?: os de, em nome do «interesse supremo do país», fazer o que muito bem entender. Assim, de acordo com a democrática lei da tortura, o democrata Bush pode, a partir de agora, não respeitar «as convenções internacionais sobre a tortura»; nem «as leis norte-americanas» nem «a Convenção de Genebra sobre o tratamento de prisioneiros», ou seja, pode mandar prender e torturar à labúrdia e legalmente.
Para além disso, e como estavam com as mãos na massa, os eminentes democratas norte-americanos decidiram mostrar ao mundo, mais uma vez, o seu imenso apego à democracia e à paz: decretaram que, de hoje em diante, Bush «dispõe de poderes ilimitados para conduzir uma guerra da forma que entender, sem que nem o congresso, nem os tribunais, nem as leis internacionais possam interferir».
A tanto não logrou chegar Hitler, cujo sonho parece enfim materializado nesta democracia modelar que os EUA exportam de forma acelerada para todo o mundo: exportação à força, com bombas e ocupação, se necessário for – isto é, se houver resistência; exportação pacífica se o modelo for servilmente aceite. Há situações, todavia, em que a palavra servil não chega para qualificar o acto. Por exemplo: quando o governo PSD/CDS – sem vergonha – propõe, e o Presidente da República – igualmente sem surpresa – concorda em condecorar Carlucci – indivíduo com uma longa e brilhante carreira, responsável por milhares de mortes em nome do «interesse supremo dos EUA». E democrata de lei, naturalmente.


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