Todos contra um
O Conselho de Segurança da ONU foi palco a semana passada de um evento verdadeiramente magistral: pondo de lado as tradicionais divisões, reais e aparentes, os membros do vetusto órgão aprovaram por unanimidade uma proposta de resolução sobre o futuro do Iraque apresentada pelos EUA e pelo seu acólito, o Reino Unido.
De uma penada, foram legitimadas a guerra e ocupação de um país levadas a cabo sob pretextos manifestamente falsos, e a responsabilidade anglo-saxónica pelo imbróglio iraquiano foi fraternalmente assumida pela «comunidade internacional».
O facto de Bush necessitar desesperadamente deste apoio para melhorar a sua imagem interna e cativar os cada vez mais cépticos eleitores norte-americanos para a sua almejada recondução na Casa Branca não teve, obviamente, nada a ver com o assunto. Também não pesou nada neste regresso dos EUA à esfera da ONU, evidentemente, a circunstância de o «fim das hostilidades» no Iraque se estar a revelar um osso mais duro de roer e bem mais mortífero do que a guerra propriamente dita.
Como não se cansaram de afirmar os principais intervenientes no processo, o que a todos interessa é devolver a soberania ao povo iraquiano, reconstruir o país e instaurar a democracia. Um excelente programa, sem dúvida, que os iraquianos certamente teriam endossado se por acaso alguém tivesse tido a insólita ideia de os consultar.
E por falar nisso, estamos em crer que os iraquianos também gostariam de saber como é que termina a ocupação se afinal as forças estrangeiras permanecem no país; ou como é que num Estado soberano uma potência estrangeira - os EUA - pode manter sob a sua alçada milhares de presos de guerra ou de suspeita de «terrorismo»; ou ainda como é que uma soberania plena como se diz que o Iraque vai ser a partir de 30 de Junho coexiste com um pretor norte-americano com capacidade de intervenção nas mais diversas áreas, da Justiça às relações internacionais, da Economia à Defesa. Para muitos também não seria despiciendo que alguém se desse ao trabalho de explicar como vão os EUA pagar a destruição causada no país.
Detalhes, já se vê, que em nada desdouram o feliz acontecimento da unanimidade conseguida no Conselho de Segurança.
É bem certo que a Cruz Vermelha Internacional alertou para o facto de a manutenção de presos sem culpa formada constitui, por parte dos EUA, uma violação das Convenções de Genebra. Mas quem é que se preocupa com minudências dessas? De resto, a Casa Branca já fez saber que as questões mais delicadas que eventualmente se coloquem, do tipo de «mas afinal quem manda aqui?», serão resolvidas por meio epistolar com as «autoridades» iraquianas. Solução expedita, esta, de colocar os serviços postais ao serviço da soberania iraquiana. Alguém devia pensar em fazer um selo para registar para a História a primeira missiva, cuja, estamos em crer, será a informar que o comando supremo das forças armadas estará a cargo de um brilhante militar de carreira dos states, ou que os dinheiros do petróleo estarão muito bem entregues a companhias norte-americanas.
O resto, o resto será o que Washington quiser e o povo iraquiano deixar.
De uma penada, foram legitimadas a guerra e ocupação de um país levadas a cabo sob pretextos manifestamente falsos, e a responsabilidade anglo-saxónica pelo imbróglio iraquiano foi fraternalmente assumida pela «comunidade internacional».
O facto de Bush necessitar desesperadamente deste apoio para melhorar a sua imagem interna e cativar os cada vez mais cépticos eleitores norte-americanos para a sua almejada recondução na Casa Branca não teve, obviamente, nada a ver com o assunto. Também não pesou nada neste regresso dos EUA à esfera da ONU, evidentemente, a circunstância de o «fim das hostilidades» no Iraque se estar a revelar um osso mais duro de roer e bem mais mortífero do que a guerra propriamente dita.
Como não se cansaram de afirmar os principais intervenientes no processo, o que a todos interessa é devolver a soberania ao povo iraquiano, reconstruir o país e instaurar a democracia. Um excelente programa, sem dúvida, que os iraquianos certamente teriam endossado se por acaso alguém tivesse tido a insólita ideia de os consultar.
E por falar nisso, estamos em crer que os iraquianos também gostariam de saber como é que termina a ocupação se afinal as forças estrangeiras permanecem no país; ou como é que num Estado soberano uma potência estrangeira - os EUA - pode manter sob a sua alçada milhares de presos de guerra ou de suspeita de «terrorismo»; ou ainda como é que uma soberania plena como se diz que o Iraque vai ser a partir de 30 de Junho coexiste com um pretor norte-americano com capacidade de intervenção nas mais diversas áreas, da Justiça às relações internacionais, da Economia à Defesa. Para muitos também não seria despiciendo que alguém se desse ao trabalho de explicar como vão os EUA pagar a destruição causada no país.
Detalhes, já se vê, que em nada desdouram o feliz acontecimento da unanimidade conseguida no Conselho de Segurança.
É bem certo que a Cruz Vermelha Internacional alertou para o facto de a manutenção de presos sem culpa formada constitui, por parte dos EUA, uma violação das Convenções de Genebra. Mas quem é que se preocupa com minudências dessas? De resto, a Casa Branca já fez saber que as questões mais delicadas que eventualmente se coloquem, do tipo de «mas afinal quem manda aqui?», serão resolvidas por meio epistolar com as «autoridades» iraquianas. Solução expedita, esta, de colocar os serviços postais ao serviço da soberania iraquiana. Alguém devia pensar em fazer um selo para registar para a História a primeira missiva, cuja, estamos em crer, será a informar que o comando supremo das forças armadas estará a cargo de um brilhante militar de carreira dos states, ou que os dinheiros do petróleo estarão muito bem entregues a companhias norte-americanas.
O resto, o resto será o que Washington quiser e o povo iraquiano deixar.