Pescas em Portugal

Um sector em agonia

Portugal tem a maior zona costeira da União Europeia e é um dos maiores consumidores per capita de peixe do Mundo. Os efeitos nefastos das políticas comunitárias são bem conhecidos, mas a profunda crise do sector tem a sua primeira causa no desprezo a que tem sido votado há várias décadas pelos sucessivos governos.

A falta de mão de obra é um sinal

O debate sobre a situação das pescas em Portugal, promovido pelo PCP, no passado sábado, 3, em Lisboa, no âmbito das eleições europeias, reuniu cerca de meia centena de pescadores, representantes de sindicatos, de associações de armadores e investigadores.
Com a participação do secretário-geral do Partido, Carlos Carvalhas, e de Ilda Figueiredo, cabeça de lista da CDU às próximas eleições para o Parlamento Europeu, na iniciativa foram abordados, sob diferentes perspectivas, os graves problemas que afectam o sector, o qual, como sublinhou, José Neto, membro da Comissão Política, está a ser vítima da «ofensiva geral que visa a destruição de todas as actividades produtivas em Portugal».
Testemunhos das preocupações mais sentidas foram ali relatados pela eurodeputada, Ilda Figueiredo que, recentemente, contactou com trabalhadores e industriais ligados ao sector em Olhão, Peniche, Sesimbra e Matosinhos.
O acordo de pescas com Espanha, que abre as nossas águas a uma poderosa frota; o fim do acordo de pescas com Marrocos, que deixou no desemprego centenas de pescadores, muitos dos quais continuam à espera de receber os prometidos apoios; a suspensão dos pagamentos pelos períodos de defeso; ou a eliminação anunciada dos subsídios comunitários à produção de azeite, que também põe em causa o futuro da indústria de conservas, são apenas alguns dos problemas com que o sector se confronta.

Visão estreita

Porém, a deputada chamou ainda a atenção para uma recente portaria do Governo, com data de 8 de Março, que suspende a apresentação de novos projectos de investimento, no âmbito do programa MAR, para a região de Lisboa e Vale do Tejo, alegando que as verbas disponíveis já tinham sido ultrapassadas.
Como explicou Ilda Figueiredo, trata-se de mais um exemplo de incúria e incompetência por parte do Governo, num momento em que o país está a braços com uma grave depressão económica e um desemprego galopante. «O facto de verbas se terem esgotado na Região de Lisboa e Vale do Tejo não é razão para suspender os apoios a projectos de investimento. O Governo pode e deve pedir o reforço dos fundos ou, em última análise, solicitar a transferência de verbas de outros programas que não estão a ter taxas de execução satisfatórias. Há projectos de fábricas de conservas, de melhoria de portos e de embarcações que correm o risco de não se realizarem devido à cegueira dos responsáveis», alertou a deputada.
As deficiências na fiscalização foram igualmente referidas por Ilda Figueiredo: «Sem um reforço dos meios actuais, é impossível controlar as pescas. Nos Açores, existe apenas um navio para fiscalizar as águas portugueses. O mesmo acontece na Foz do Douro, onde a fiscalização dispõe de uma única embarcação».
Este problema adquire novas proporções com a abertura da zona das 200 milhas a frotas de outros países. Por isso, a deputada promete lutar contra a proposta da Comissão Europeia que retira os apoios comunitários ao investimento em meios nacionais de inspecção, até aqui financiados a 50 por cento, e continuar a empenhar-se para que seja reposta a zona exclusiva das 200 milhas.
Neste sentido, como responsável pela elaboração de um relatório sobre a defesa dos recifes de coral no Atlântico Norte, Ilda Figueiredo considera que devem ser impostas limitações à pesca de profundidade e que, no sentido da preservação dos fundos marinhos, a Comissão Europeia deverá rever a sua decisão de liberalizar o acesso às águas nacionais, a partir das 100 milhas.

O valor das pescas

Das pescas continuam a depender inúmeras comunidades ribeirinhas que habitam a imensa costa portuguesa. A pequena pesca, ou também chamada pesca artesanal, tem contudo uma importância para a economia nacional que ultrapassa largamente o mero âmbito local, onde fornece o sustento de milhares de famílias e constitui um elemento central da identidade e cultura das populações.
A maior parte do pescado destinado ao abastecimento da população é ainda capturado pela dita pequena pesca. E os portugueses são um dos povos que mais peixe consome: 61 quilos de peixe por ano e por habitante.
Como referiu no debate Frederico Pereira, coordenador da Federação de Sindicatos da Pesca, «o nosso consumo só é ultrapassado a nível europeu pela Islândia (90 quilos por habitante) e, a nível mundial, pelo Japão (64 quilos), o que demonstra a importância estratégica das pescas para Portugal».
Contudo, lembrou, «desde os finais da década de 60, altura em que se atingiu um pico de produção, com mais de 400 mil toneladas de pescado desembarcado, as capturas têm vindo a diminuir», em resultado não só da escassez relativa de recursos marinhos e da limitação no acesso a pesqueiros de outros países, mas sobretudo devido à «ausência de uma política nacional de pescas coerente e da cedência a interesses privados ligados à pesca industrial».
A adesão à Comunidade Económica Europeia, em 1986, afirmou o sindicalista, veio «acentuar a crise já instalada no sector, mantendo as interdições anteriores em pesqueiros tradicionais e condicionando ou mesmo impedindo o acesso da nossa frota a novas oportunidades de pesca».
Por outro lado, as políticas comunitárias, subordinadas aos interesses dos países do Norte, vieram incentivar o abate de embarcações e diminuir as possibilidades de desenvolvimento do sector.
Frederico Pereira chamou ainda a atenção para o facto de o projecto de constituição europeia considerar as pescas como matéria exclusivamente europeia, inviabilizando cada vez mais políticas nacionais adequadas às especificidades de cada país.

Década de declínio

Insistindo nas pesadas responsabilidades que recaem sobre os sucessivos governos do País, este sindicalista recordou que «só na última década, a produção nacional de pescado baixou das 319 mil toneladas em 1990 para pouco mais de 170 mil toneladas, em 2002, correspondentes a cerca de 320 milhões de euros, ou seja uma redução de quase 50 por cento».
Em consequência, hoje, os pescadores portugueses apenas conseguem satisfazer um terço das necessidades totais do consumo interno, o que se reflecte na balança comercial dos produtos de pesca, cujo saldo negativo atingia os 682 milhões de euros em 2002.
Ainda na última década, referiu Frederico Pereira, a capacidade da indústria conserveira reduziu-se em mais de 70 por cento, enquanto a indústria naval sofreu quebras ainda mais significativas.
A frota de pesca diminuiu de 16 mil embarcações em 1990 para 10 548 em 2002. No mesmo período, o número de pescadores passou de 41 mil para pouco mais de 22 mil, registados em Dezembro de 2002. Perderam-se assim 19 mil postos de trabalho, ou seja 39 por cento em relação a 1990.
Porém, apesar do desemprego, o sector debate-se com uma séria falta de mão-de-obra, havendo embarcações paradas por não conseguirem completar as suas tripulações. As duras condições de trabalho e as baixas remunerações são factores que têm afastado os jovens da actividade, onde se regista um acelerado envelhecimento humano.
A necessidade de inverter esta situação passa, como foi sublinhado no debate, pela aposta na formação profissional, mas também pela modernização das embarcações e infra-estruturas portuárias, bem como pela criação de novos estímulos, incluindo melhores remunerações, que permitam atrair novos trabalhadores. «Um sector que não consegue atrair os jovens tem necessariamente o futuro ameaçado», notou Frederico Pereira.

Cientistas precários

Na preservação dos recursos, a investigação científica desempenha um papel crucial, cabendo-lhe estudar e avaliar constantemente o seu estado e recomendar níveis de exploração adequados.
Contudo, as políticas economicistas do actual governo têm tido resultados desastrosos nesta área, determinando fusões indiscriminadas de institutos, com o mero objectivo de reduzir os respectivos orçamentos, fomentando a instabilidade laboral, negando os meios indispensáveis ao trabalho dos cientistas, designadamente navios para os cruzeiros.
No IPIMAR (Instituto de Investigação das Pescas e do Mar), agora integrado no INIAP (Instituto Nacional de Investigação Agrária e das Pescas), os trabalhadores que passaram à reforma não foram substituídos. Actualmente dos 200 quadros do IPIMAR, 97 são bolseiros. São eles quem realiza boa parte do trabalho, representando o próprio instituto em reuniões internacionais.
Porém, não lhes são garantidos quaisquer direitos nem perspectivas futuras de integração, matéria que será objecto de um projecto de lei do PCP, segundo anunciou no debate o deputado Rodeia Machado.
A desresponsabilização do Estado é igualmente visível na área da fiscalização do pescado. «Todos os inspectores sanitários estão a recibo verde», referiu ali um quadro reformado do IPIMAR.
Considerando que «o sector pode morrer de morte natural», Carlos Carvalhas acusou o Governo de ter vindo «a vender as pescas», desprezando os interesses nacionais. «Os pescadores são poucos, têm pouca capacidade reivindicativa e sobretudo dão poucos votos», disse o secretário-geral do PCP, no final da iniciativa que traçou um quadro negro das pescas nacionais.
Todavia, os comunistas não baixarão os braços: «este debate deu uma boa contribuição para uma intervenção nossa mais qualificada, uma intervenção para transformar, para agir quer nas instituições, quer fora delas junto dos pescadores de todo o País», concluiu Carlos Carvalhas.


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