Somincor vendida à empresa que ainda não abriu Aljustrel

Jóia alienada

Domingos Mealha
A proposta única da Eurozinc, para a privatização da empresa que explora em Neves-Corvo a maior mina de cobre da Europa, tem a aprovação do júri presidido por Luís Todo-Bom. O Sindicato dos Mineiros, em oposição à privatização decidida pelo Governo, alerta para os perigos que decorrem da alienação de mais esta jóia da coroa, onde o Estado, por mais algumas semanas, detém 51 por cento do capital social.

A privatização ameaça a exploração racional dos recursos

«Quem gasta mais de 23 milhões de contos, para ficar com a Somincor, não vai querer ficar cá muito tempo, antes tem mais interesse em tirar depressa lucros» – afirma António João Colaço. Ao Avante! o dirigente sindical mineiro recordou que, já nos primeiros anos de exploração, a Rio Tinto Zinc (detentora de 49 por cento do capital da Somincor) impôs a chamada «lavra gananciosa». Agora, há novamente o perigo de a prioridade e a urgência serem dadas à extracção do minério com mais elevado teor de concentrado de cobre, ficando irremediavelmente por aproveitar aquele que propicia menor lucro imediato.
Não é por acaso que o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Mineira tem alertado para esta ameaça. Sucede que, com a integração do Instituto Geológico e Mineiro no INETI, o Estado português fica sem instrumentos de fiscalização do plano de lavra, ou seja, a verificação das condições de exploração e do cumprimento do contrato de concessão fica praticamente limitada aos relatórios que a própria empresa venha a apresentar.
António João refere, fundamentando o facto de a Eurozinc não ser considerada pelo sindicato como uma empresa «credível», a situação verificada nas Pirites Alentejanas. Em Aljustrel, a empresa compradora da Somincor «devia ter retomado a laboração em 2001 e devia ter criado 350 postos de trabalho». Contudo, «ainda nem sequer fizeram os trabalhos preparatórios», que permitiriam lançar a produção de zinco logo que as cotações subissem no mercado, e «tem apenas 79 trabalhadores», ocupados em manutenção com objectivos ambientais. O dirigente sindical admite até que estes trabalhadores possam estar a ser pagos pelo Ministério do Ambiente, já que o sindicato ouviu, com surpresa, o Ministério da Economia dizer que as Pirites já são da Eurozinc e que o Governo não sabe como a empresa de Aljustrel foi alienada pelo Estado.
Recorda ainda que a Eurozinc realizou prospecções «praticamente sem fiscalização». A empresa de capitais canadianos – cujos activos incluem apenas mais uma jazida de zinco nos EUA (estado de Utah), também com laboração suspensa – não tem quadros técnicos próprios, falha que tentou colmatar apresentando um acordo com um consórcio sueco-finlandês. Um destes parceiros técnicos da Eurozinc fez parte do grupo de cinco interessados, que levantaram as «Condições gerais do concurso público» para a privatização da Somincor, mas não formalizaram qualquer proposta de compra.
Para o sindicato mineiro, é estranho que empresas com capacidade financeira e técnica não tenham demonstrado interesse na aquisição da Somincor. Poderá para isso ter contribuído a existência de uma cláusula de «price participation», nos termos de venda da empresa de Neves-Corvo? Na verdade, está estipulado que, acima de um certo preço, o produto das vendas de cobre será repartido com os actuais accionistas.
No entanto, António João nota que também está autorizada uma redução de pessoal, até dez por cento por ano. Quanto à «price participation», questiona o que sucederá quando o preço de venda for inferior ao limite. E previne que, «se a Rio Tinto estiver por trás da Eurozinc, pode fazer baixar o preço»...

O preço certo?

Luís Todo-Bom, que ficou famoso à frente da PT e surge nesta operação como presidente do júri que avaliou a proposta de aquisição da Somincor, anunciou dia 12 que a Eurozinc ofereceu 128 milhões de euros, através da sua subsidiária Portuglobal, equivalentes a 8,74 cêntimos por cada acção. O valor está acima dos 115 milhões exigidos e será repartido entre o Estado (70 milhões) e a Rio Tinto Zinc (58 milhões). Será este um preço justo?
O Governo disse que o valor resultou de avaliações independentes e de auscultação do mercado. Mas no início de 2002, concluindo uma primeira tentativa de privatização parcial da Somincor, foi rejeitada uma proposta do grupo australiano Murchinson, que oferecia 90 milhões de euros por 63 por cento do capital. A oferta foi recusada pelo Governo, através da EDM (holding para o sector mineiro), por motivos relacionados com o perfil do comprador. Desta vez, «com condições melhores do que naquela altura» - como nota António João Colaço – a totalidade da Somincor foi avaliada em 115 milhões e será vendida por 128.
Outros custos poderão ocorrer, caso não sejam acauteladas importantes vertentes sociais ligadas ao funcionamento das minas em Neves-Corvo. Para além do tipo de lavra e suas consequências no tempo de vida útil da exploração, o sindicato expressa preocupações relativamente aos postos de trabalho e aos direitos dos trabalhadores. «De um momento para o outro, não podem fazer grandes alterações, mas hão-de querer trazer para cá pessoal mais barato», prevê o sindicalista.


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