A ponte

Henrique Custódio
Exceptuando as pessoas da minha região, pouca gente – ou ninguém – saberá o que é a ponte da Escusa.
A ponte da Escusa é quase um pontão – terá pouco mais de 50 metros de comprimento -, atravessando o Rio Sorraia para serventia directa das populações que vivem nas duas margens.
Convém informar que o Rio Sorraia é o principal afluente da margem esquerda do Rio Tejo, forma-se entre Couço e Santa Justa, por junção das ribeiras do Sor e do Raia, e dá origem ao fértil vale agrícola com o mesmo nome – Vale do Sorraia – que atravessa todo o vasto Concelho de Coruche, na parte Sul do Distrito de Santarém.
Construída há três ou quatro décadas, a ponte da Escusa era todos os Invernos coberta pelas cheias mas, fora isso, lá cumpriu sempre a missão vital para que fora construída, garantindo a circulação de carroças, homens, animais e, mais tarde, veículos automóveis, apesar da sua estreiteza – apenas com uma faixa de rodagem – e evidente fragilidade, apesar de erguida a ferro e cimento.
De qualquer modo, dava para as necessidades de serventia directa das populações ribeirinhas.
Só que na última década, em crescendo ao longo dos anos, a ponte da Escusa foi sendo regular, intensa e alegremente atravessada por camiões carregando as mais diversas mercadorias – apesar de tais tonelagens ultrapassarem claramente a capacidade da estrutura –, apenas para atalhar caminho entre a estrada vinda do Alentejo e outras apontando a Santarém e ao Norte do Ribatejo, cortando por caminhos vicinais e evitando a volta por Coruche, sede do Concelho e entrave urbano à fluidez destas viagens.
O resultado foi a degradação acelerada da ponte da Escusa, tão acelerada que «as autoridades» (não se sabe quais, como convém e geralmente acontece) desencadearam uma sucessão de medidas nos últimos seis meses.
Vale a pena pormenorizá-las.
Primeiro movimento: puseram sinais de trânsito proibindo a travessia a carros pesados; como estes continuavam a passar, estreitaram de seguida as entradas com blocos de cimento, de modo a dar apenas acesso a carros ligeiros; mas como a degradação da ponte insistia em agravar-se, acabaram por fechar totalmente a ligação.
Segundo movimento: repentinamente isoladas e sem alternativas de travessia, as populações ribeirinhas depressa reabriram a passagem, empurrando progressivamente os obstáculos de cimento para o lado; perante isto, «as autoridades» (sempre incertas e vagamente incógnitas) «resolveram» o problema… colocando sinais de trânsito a «proibir» a travessia, ao mesmo tempo que de novo a escancaravam, ao retirarem todas as barragens de cimento.
Para completar o ramalhete, as mesmas autoridades ordenaram finalmente o alcatroamento dos tais caminhos vicinais que atalham caminho a partir da ponte da Escusa, pelo que, neste momento, há boas estradas interiores para o Norte do Ribatejo e o perigo de a elas aceder pela eminência de ruína da ponte que lhes dá acesso – a da Escusa.
Ponte que, também neste momento, está na eminência de ruir, proibida pelas autoridades através de sinais de trânsito… mas aberta ao tráfego pelas mesmas autoridades, após retirarem os obstáculos (ou permitirem que os retirassem) que lá haviam colocado para impossibilitar a sua utilização.
É o actual Governo de Portugal no seu esplendor.
Se ocorrer uma tragédia como a de Entre-os-Rios, em última análise o ministro da tutela poderá repetir a manobra já experimentada com grande sucesso por Jorge Coelho: demite-se num «gesto de grande dignidade» que, além do mais, terá a enorme vantagem de o isentar de qualquer responsabilidade e de o empanturrar de prestígio político.


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