O isco

José Casanova
Em matéria de anticomunismo pateta, as coisas, mais coisa menos coisa, funcionam assim: um qualquer pescador de águas de esgoto lança o isco, o cardume atropela-se a abocanhá-lo e come, come até vomitar, e come o vomitado e vomita outra vez...
Um exemplo entre muitos: em 8.9.03, o Público noticiou em letras garrafais: «T-shirts de Estaline fazem furor na Atalaia». Lido apenas o título, ficar-se-ia com a ideia (e era isso, obviamente, o que o autor do título pretendia) de que a venda e o uso das ditas T-shirts fora acontecimento marcante na Festa do Avante!. Contudo, quem lesse todo o texto (que enchia uma página do jornal), ficaria a saber que um vendedor ambulante, ucraniano, vendera, à porta da Festa, vinte T-shirts com a efígie de Staline. Ou seja: o homem vendera T-shirts (vinte, nem mais nem menos), da mesma forma que um outro vendedor, ali ao lado, vendia cd’s e outro, mais adiante, vendia bifanas... e sem que a direcção da Festa tivesse fosse o que fosse a ver com as T-shirts, com os cd’s ou com as bifanas. Mas o isco fora lançado e logo no dia seguinte (!), no mesmo Público, Prado Coelho, qual taínha rebolando-se à babugem, picava deste jeito: «Nas descrições da Festa do ‘Avante!’, nota-se este ano uma espécie de regresso desesperado a Estaline»... Seis dias depois, o Público, continuando a fazer a sua festa, a lançar os foguetes e a apanhar as canas, informava que no jantar de rentrée do CDS-PP «não passara despercebido o facto de terem estado à venda (na Festa do Avante!) T-shirts de Estaline». Quatro dias passados, um cronista do Independente produz teoria a partir do dado adquirido: «Na Festa do ‘Avante!’ as T-shirts de Estaline esgotaram rapidamente».
Correu o tempo. Outros iscos foram lançados e, de imediato, devorados e vomitados pelo insaciável cardume. Pensava-se que das «T-shirts de Estaline» apenas restava, de acordo com os objectivos dos pescadores de águas de esgoto, o que os subconscientes dos destinatários da mensagem haviam guardado ( e já não era pouco). Eis senão quando, no Diário de Notícias, numa rubrica assinalada pela caudalosa designação de «Geração de 70» (os rapazes não dizem de que tempo vêm, mas o conteúdo da prosa cheira a séculos longínquos), escreve o gémeo de serviço, em balanço de 2003, que para o «PCP, o ano foi (...) de uma Festa do Avante em que Estaline fez sucesso na colecção Outono Vermelho/2003»... São assim os iscos: quanto mais podres mais apetecidos.


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