Comentário

A Europa das grandes potências

Pedro Guerreiro
A decisão da suspensão dos procedimentos por défice excessivo à França e à Alemanha veio evidenciar o que o PCP há muito tem vindo a afirmar: que são as grandes potências que dominam a União Europeia e que o Pacto de Estabilidade, criado por imposição da Alemanha como contrapartida para o euro, foi desde a sua criação um instrumento de suporte da política económica capitalista promovida ao nível da União Europeia (UE).
Ou seja, os procedimentos de pressão e chantagem política e económica da UE sobre os estados só são colocados em causa quando os atingidos são a França e a Alemanha, que face aos riscos de agravamento da sua situação económica - e ao contrário do Governo PSD/CDS-PP que adoptou uma atitude de subserviência - reafirmam a sua soberania orçamental face à Comissão Europeia, ao Banco Central Europeu e ao Conselho.
No entanto, ao mesmo tempo que impossibilitam a aplicação de procedimentos de ingerência directa nos seus países - mas que aprovaram quando dirigidos a outros - os governos francês (de direita) e alemão (social democrata/verde) reafirmam os objectivos do Pacto de Estabilidade e a política a que este dá suporte, ou seja, a redução do défice público, através da «contenção» dos salários dos trabalhadores, nomeadamente do sector público, de cortes no financiamento dos sistemas públicos de saúde, de educação, da segurança social, ao mesmo tempo que promovem benesses ao grande capital, com redução da carga fiscal sobre os grandes grupos económicos e financeiros, e executam o plano de liberalizações inscrito na «Estratégia de Lisboa».
Ao contrário do que querem fazer crer, a actual situação económica e social nos diferentes países da UE tem causas concretas e é resultado da aplicação de políticas concretas por forças políticas concretas. O que é necessário não é uma recauchutagem a prazo do Pacto de Estabilidade, mas o fim deste instrumento da política capitalista realizada pelos governos em cada país e na UE.

E na Conferência Intergovernamental...

A última reunião da Conferência Intergovernamental (CIG), que debate a revisão dos Tratados da UE, que se realizou dias 28 e 29 de Novembro, em Nápoles, procurou esboçar compromissos tendo em conta a realização do Conselho Europeu, a 12 e 13 de Dezembro, em Bruxelas, onde se procurarão concluir as negociações.
Da CIG, e sem surpresa, podemos apontar como principais linhas caracterizadoras das negociações - levadas a cabo por governos dominados por forças políticas de direita ou da social democracia - um amplo acordo em torno da reafirmação dos alicerces da actual integração capitalista.
Desde o Acto Único (1986), do Tratado de Maastricht (1992) ao Tratado de Nice (2000), são reafirmadas as bases da integração capitalista na Europa, de que são exemplo a criação do mercado único, a livre circulação de bens, serviços e capitais, a livre concorrência, a liberalização dos mercados, a União Económica e Monetária, o Euro e o Pacto de Estabilidade, assim como os instrumentos centralizados de coordenação económica.
Avançam igualmente compromissos liderados e dominados pelos «grandes» países que permitem acelerar a militarização da UE. Os governos da França, da Alemanha e da Grã-Bretanha - sempre consultando os EUA - chegaram a acordo entre si quanto aos mecanismos e suportes institucionais da futura política de «defesa» da UE e das suas ligações à NATO. Uma política dita de «defesa», mas toda virada para a ingerência em países terceiros e para o intervencionismo militar, lá onde os interesses do grande capital e das grandes potências da Europa estejam em causa.
No plano institucional, e como parte do mesmo todo, verificam-se acordos, perspectivam-se compromissos e reafirmam-se desacordos. Verificam-se acordos quanto ao fim das presidências rotativas do Conselho, quanto à criação do Ministro de Negócios Estrangeiros da UE, ou quanto ao reforço dos poderes do Presidente da Comissão Europeia, só para citar alguns exemplos. Perspectivam-se compromissos quanto à manutenção na Comissão Europeia de um comissário permanente por país com direito de voto. E subsistem desacordos entre os denominados «grandes» países, com a Espanha e a Polónia a exigirem o mesmo peso que a Alemanha, a França, a Grã-Bretanha ou a Itália no processo de decisão.
Deste modo, a principal área de desacordo actual parece centrar-se na questão de quem controla o processo de decisão no Conselho (capacidade de bloquear decisões), com a existência de divergências entre os «grandes» - com a Espanha e a Polónia a impossibilitarem até ao momento um acordo. Ou seja, também na CIG o ritmo é determinado pelos «grandes», avança quando estes chegam a acordo, bloqueia quando assim não é - também aqui, com o seguidismo, a subserviência e a cumplicidade do Governo PSD/CDS-PP.


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