Não, senhor ministro

Vitor Dias (Membro da Comissão Política do PCP)
Na última edição do «Expresso» onde, por acaso, se anunciava que o Grupo Mello e a Universidade Católica pretendem concorrer à construção do novo hospital de Sintra e à criação de uma Faculdade (privada) de Medicina, o ministro da Saúde, em almoço-entrevista, desdobrava-se em afirmações que só nos podem fazer concluir que os extintos vendedores de banha da cobra eram afinal, por comparação, pessoas de grande escrúpulo moral e irrepreensível respeito pela verdade.

«Por comparação, os vendedores de banha da cobra eram pessoas de grande escrúpulo»

Na verdade, pouco depois de as jornalistas que com ele conversaram terem relatado que, no discurso do ministro, há constante alusões aos «números», aos «índices», às «estatísticas» e aos «resultados das avaliações», é o próprio Luís Filipe Pereira que, fardando-se de pobre vítima, declara peremptório que «eu apresento números que provam que estamos a melhorar o sistema. E, como não podem combater-me de outro modo, atiram coisas para o ar, como armas de arremesso de um combate político de baixo nível».
E embora já há meses tenhamos abordado o assunto nestas páginas, como se passam os meses e o Ministro da Saúde não tem emenda nem nos seus silêncios reais nem nos seus truques de prestidigitação, não há outro remédio se não voltar à carga.
E é voltando à carga que importa relembrar que é deste Ministro tão cioso dos seus números» e «índices» que se continua a espera que, quase nove meses depois da sua entrada em vigor, apresente um balanço do Governo sobre a aplicação do novo regime dos medicamentos e designadamente do novo sistema de preços de referência, sobretudo nas suas consequências para os utentes do Serviço Nacional de Saúde, como lhe tem sido insistentemente requerido pelo Grupo Parlamentar do PCP.
A este respeito, saiba-se que, em Agosto e em resposta a um primeiro requerimento do PCP, o Ministério da Saúde considerava «prematuro proceder desde já a um balanço» não deixando entretanto de adiantar que «os primeiros indicadores» (que, por sinal, não fornecia) se mostravam «globalmente favoráveis, para o Estado e fundamentalmente para a generalidade dos utentes».
Ora os detalhados estudos divulgados pela Associação Nacional de Farmácias (e jamais contestados pelo Ministério da Saúde) o que mostram é que se, por um lado, o Estado terá poupado desde Março a Setembro cerca de 25 milhões de euros (5 milhões de contos), o que parcialmente era expectável e desejável face a um maior consumo de genéricos, por outro lado, os utentes gastaram mais 1,8 milhões de euros (360 mil contos) em remédios do que com o anterior sistema de comparticipação.
E isto fundamentalmente por causa desse infame escândalo e dessa violência sem nome, que praticamente só o PCP tem denunciado com persistência e em relação ao qual o Ministro da Saúde sempre assobia para o lado, que deriva de, com o novo sistema, serem os utentes a sofrer reduções da comparticipação do Estado sempre que, e isso acontece em 40% das receitas, os médicos não autorizam a substituição dos medicamentos de marca (mais caros) que prescrevem por genéricos (mais baratos).

Os Hospitais S.A.

No mesmo almoço-entrevista, o Ministro da Saúde, exactamente como vem fazendo desde Julho, voltou a glorificar os alegados êxitos dos «Hospitais SA», afirmando que «aumentámos 10% o número de consultas e 23% o de cirurgias» e que prevê poupanças para o Estado de 34 milhões de euros em 2003..
A este respeito, o que importa relembrar é que o Ministro Luís Filipe Pereira não se cansa de dizer o mesmo mas ainda não teve tempo de, passados mais de quatro meses, responder a um requerimento do Grupo Parlamentar PCP reclamando dez informações concretas sobre esta matéria sem o conhecimento das quais é impossível ajuizar da veracidade ou mentira das prosápias governamentais e sem a existência dos quais tudo o que o Ministro afirma fica reduzido a palpites de conveniência.
Com efeito, o que fala com um livro aberto é que o Ministro da Saúde continua sem prestar a devida informação nomeadamente sobre «os principais dados de natureza financeira ou económica» referentes a cada um dos 31 Hospitais SA que lhe permitiram proclamar uma redução de gastos durante a vigência do seu novo estatuto; a «especificação concreta das rubricas em que se verificou a invocada redução de gastos»; os «principais dados concretos de comparação (referentes a cada um dos hospitais e com a respectiva desagregação pelo menos por patologias cirúrgicas e especialidades)» que lhe permitiram proclamar um aumento do número de serviços prestados e ainda os mesmos dados «relativos aos hospitais não constituídos em sociedades anónimas».
Não, senhor Ministro: quem «atira coisas para o ar» é o senhor. E é a sua propensão para a trafulhice propagandística que está engordando o seu «combate político de baixo nível».


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