Trabalhadores dos correios estão hoje em greve

A degradação intencional dos CTT

O encerramento de cerca de 500 estações de correios e a passagem dos serviços para as Juntas de Freguesia está a preocupar seriamente os trabalhadores dos CTT, ameaçados de despedimento.

A transferência pretende destruir o contrato colectivo

Para José Rosário, da Comissão de Trabalhadores e dirigente do SNTCT, o «salve-se quem puder» instalado na empresa, só pode ser contrariado com a luta e a unidade dos trabalhadores pela defesa dos seus direitos. Motivo pelo qual o sindicato marcou para hoje - o dia mundial dos correios - uma greve nacional com concentração marcada para as 15 horas, nos Restauradores, em Lisboa, e manifestação até ao Museu dos Correios, onde estará a decorrer a cerimónia de comemoração da data.
Foi assinado um protocolo entre a Associação Nacional de Freguesias e a administração dos CTT sem que, para tal, tenha sido sequer auscultada a posição das estruturas representativas dos trabalhadores, como denunciou o Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telégrafos.
José Rosário contou ao Avante! que, com esta transferência estão em causa entre 1500 a 1700 postos de trabalho. A maior parte da informação recolhida pelas ORT’s deve-se, não à informação cedida pela administração, mas ao conhecimento do protocolo assinado com a ANAFRE.
No que respeita à compensação remuneratória que as Juntas irão usufruir para assumirem as tarefas dos correios, o protocolo estabelece uma compensação mensal de apenas 450 euros - 90 contos - quantia «manifestamente insuficiente para realizar os serviços e transferências que se anunciam», considera José Rosário.
Como a verba está bastante aquém das necessidades, as ORT’s dos CTT consideram que, «com as condições acordadas, é impossível garantir o serviço nas freguesias».
É o caso do sector financeiro e do sector informático, que «as Juntas não vão poder assegurar, devido à falta de meios técnicos e humanos». O protocolo deixa assim «a porta aberta» para a privatização de sectores que sejam lucrativos.
Também «as condições de trabalho vão ser bastante inferiores às que têm os actuais trabalhadores dos CTT, podendo acontecer que muitas freguesias fiquem obrigadas a pagar a cada trabalhador apenas o subsídio de refeição». Para isso, «basta a empresa recorrer a trabalhadores do fundo de desemprego que continuarão a ser pagos pelo respectivo fundo, ficando a Junta apenas com a obrigação de pagar o subsídio de refeição».
Para o SNTCT, a empresa não tem qualquer vantagem económica com a transferência e os utentes pagarão mais para usufruírem de piores serviços.

Desmantelamento gradual

Todo este processo «deve-se ao facto de os trabalhadores dos CTT terem um dos melhores Acordos de Empresa do País e, apesar das ofensivas sofridas nos últimos anos, tem-se mantido um bom acordo para os trabalhadores». «É precisamente isso que a administração pretende destruir com esta medida»,considerou José Rosário.
Desde a passagem de serviços para empresas privadas que os postos de trabalho dos CTT já foram reduzidos de 18 para 16 mil trabalhadores. Com cada vez mais empresas deste tipo, «há cada vez menos trabalhadores abrangidos pelo Contrato Colectivo». Neste momento o grupo CTT já está espartilhado em 13 empresas e parte destas não está abrangida pela contratação colectiva.
Todas as áreas de actividade da empresa estão ameaçadas. Nos transportes postais, a contratação de recursos humanos a privadas tem aumentado à mesma proporção com que se tem retirado postos de trabalho aos CTT.
Também se tem adjudicado ao exterior os serviços de «giros de distribuição». A distribuição da correspondência já não é assegurada por um carteiro mas por pessoas estranhas à empresa, normalmente ligadas às Juntas de Freguesia. É uma situação que se sente principalmente em zonas do interior do País.
José Rosário alertou ainda para a «degradação intencional do serviço» que se tem acentuado de forma progressiva. Reflexo desta situação é o aumento de filas de espera nos atendimentos dos correios, a redução substancial do número de estações, as reduções de distribuição, a falta de recursos humanos motivada pela não substituição de trabalhadores reformados. Há situações comprovadas em que um express mail ou uma carta em correio azul chegam ao destino com 15 dias de atraso. Há outras em que o correio já não é distribuído todos os dias mas em alternância, chegando a haver algumas áreas - como no distrito de Viseu - que estiveram uma semana sem correio porque não havia quem realizasse o serviço. Houve mesmo trabalhadores de Viseu que estiveram dois anos sem gozar férias porque a empresa não disponibilizou trabalhadores para desempenharem aquele serviço.
O SNTCT e a CT consideram que a situação chegou ao ponto da deterioração máxima dos serviços, o que leva as ORT’s a consideram que é uma situação «perfeitamente intencional». Para José Rosário o motivo da degradação está à vista: primeiro pretendeu-se deteriorar os serviços para que os utentes passassem a responsabilizar os CTT enquanto empresa pública, para depois anunciarem que com estas transferências para o sector privado, o serviço será melhor.

Provocações

«Já hoje, sem a implementação do Código do Trabalho, temos assistido a um degradar constante das relações laborais com provocações e maus tratos por parte das chefias a trabalhadores nos locais de trabalho, um descontrolo, uma “anarquia organizada” de forma a fomentar o medo nos trabalhadores».
José Rosário deu vários exemplos da prepotência: a proibição de realização de plenários nas instalações da empresa, a marcação de faltas injustificadas aos trabalhadores que neles participam, as ameaças directas de despedimento feitas aos trabalhadores mais reivindicativos, discriminações - com alterações de horários a trabalhadores como represália por qualquer tipo de protesto - «no fundo, um clima generalizado de medo e ameaças constantes», revelou o dirigente sindical.
A CT já avisou várias vezes a Inspecção Geral do Trabalho para o facto de a administração, em alguns postos de correio ter alterado horários «com o único propósito de penalizar o trabalhador, como represália». «Mas a verdade é que a IGT não actua e quando o faz é um ano depois ou mais.»

Património delapidado

As ORT’s consideram que «os valores milionários que se gastam na publicidade e patrocínio ao Euro 2004 de futebol, na volta a Portugal em bicicleta, em acontecimentos desportivos, exposições e uma quantidade de eventos são a principal causa do défice apresentado». O investimento na publicidade não é mais que uma manobra para a imagem de mecenato com a qual, simpaticamente, os CTT costumam ser apresentados na generalidade da comunicação social, que, geralmente, omite as realidades aqui denunciadas.
A juntar a tudo isto está a delapidação do património da empresa com a venda de instalações e edifícios históricos dos CTT, enquanto ao mesmo tempo se alugam outras para o desempenho dos mesmos serviços. «O património dos CTT, em última análise, faz parte do contrato de concessão e por isso pertence ao Estado e não está a ser minimamente acautelado», considera José Rosário.


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