A nebulosa do terrorismo

Luís Carapinha

A escalada terrorista tem servido, objectivamente, a estratégia norte-americana

A aprovação no Conselho de Segurança da ONU de uma resolução que, na essência, legitima a ocupação do Iraque comandada pelos EUA, foi precedida, nos últimos dias e semanas, por uma onda de atentados terroristas em diferentes países. Alinhados ou não entre si, os mortíferos atentados que atingiram a Arábia Saudita, Rússia, Israel (coincidindo com o itinerário do Secretário de Estado americano) e Marrocos, revigoraram sentimentos de pânico, incerteza e insegurança. O dedo acusatório é apontado à «Al-qaeda», organização tão enigmática e difusa quanto crescentemente omnipresente nas relações internacionais.
Evidentemente, assiste-se à mistificação de uma entidade pretensamente responsável por um terrorismo mor, ponto confluente de todas as manifestações deste fenómeno complexo. O «combate» a esta ameaça, convertida em «mal universal», alimenta as aspirações da potência maior ao papel de polícia do mundo, justificando o seu protagonismo bélico e repressivo à escala planetária.

Um olhar minimamente atento revela, porém, as incongruências da lógica maniqueísta da administração Bush e seus arautos.
Desde logo, salta à vista que a intervenção no Iraque não contribuiu para aplacar o flagelo do terrorismo no mundo e na região em particular. No país, semi-destruído e desarticulado, reina a desordem e insegurança. O contingente repressivo das forças ocupantes é reforçado na tentativa de controlar a resistência que desponta. A argumentação que presidiu ao desencadear da guerra caiu por terra - confirmando a falsidade das alegações dos EUA, não foram encontradas armas de destruição maciça nem fornecidas provas das ligações do regime iraquiano à «rede terrorista»...
O “círculo vicioso” da engrenagem terrorista insere-se na prática da nova ordem imperialista que intensifica a recolonização e saque dos países do terceiro mundo e conduz ao aumento da opressão, das desigualdades e da miséria social, constituindo o “caldo de cultura” que as forças que fomentam os diversos tipos de extremismo aproveitam como base de recrutamento, facto que a lógica da cruzada imperialista, como o exemplo do Iraque já mostra, ignora ou escamoteia.
Por outro lado, é impossível ignorar que a escalada terrorista, tem servido, objectivamente, a estratégia norte-americana de domínio planetário ancorado na guerra permanente, facilitando o intervencionismo, a adopção e utilização da doutrina da guerra preventiva e, até, a introdução nos próprios EUA e outros países, de graves limitações ao exercício das liberdades e direitos cívicos. O estigma de «terrorista» é indiscriminadamente aplicado, numa amálgama que visa, acima de tudo, eliminar ou subverter focos de resistência anti-capitalista e movimentos progressistas e de libertação nacional – o que propicia a ocupação do «vazio» resultante por organizações fundamentalistas de cariz religioso - e «legitimar» o uso do terrorismo de estado (veja-se o caso paradigmático do governo de Sharon em Israel) nos seus diferentes cambiantes, promovendo a mais escandalosa impunidade face ao desrespeito de normas elementares do direito internacional, que é necessário denunciar e combater firmemente.

A emergência dos EUA como única potência hegemónica é inseparável da crise estrutural profunda que atravessa o sistema dominante. A ambição desmedida dos EUA, a irracionalidade da sua política de império perpétuo, salientam a natureza destrutiva intrínseca ao capitalismo, que actualmente cresce exponencialmente. A nebulosa do terrorismo ganha densidade quando olhada sob o prisma do funcionamento do imperialismo contemporâneo.


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