A lei

Leandro Martins
Enche-se a boca sobre o primado do Estado de Direito. Alguns remoem gostosamente, no latinorum pescado ao fundo dos dicionários, que dura lex sed lex - a lei é dura mas é a lei. E toda a gente, menos os eventuais prevaricadores, se sente abrigada debaixo do seu império, a maior parte sem a consciência de que as leis são conjunturais, todas ou quase marcadas pelos motivos e interesses de classe que lhes moldam a filosofia e as regulamentações.
Mas, não sei se por acasos culturais ou se por maus hábitos adquiridos - nem sei mesmo se isto diz particularmente respeito aos portugueses - em Portugal a lei parece ser encarada de duas maneiras distintas. São boas as leis que mandam punir os outros, sobretudo desconhecidos que não sejam compadres, amigos e familiares ou tão-só figuras admiradas. São más as que tocam cada um individualmente; ou o seu grupo, a sua tribo, a sua família. E no saco do não-presta, vá de lá meter-se os juizes e a sua independência, os tribunais e a sua imparcialidade, a justiça e a sua cegueira.
É claro que há bons e maus juizes. Mais claro ainda: há leis más. A propósito refiro as que a maioria, com a mãozinha do PS em ajuda, preparou contra o sistema político democrático. Ou o celerado Código que a direita, com a posição franzina do PS, aprovou contra os direitos dos trabalhadores. E não será uma eventual limpeza, por indicação do Tribunal Constitucional ou por iniciativa do Presidente da República - o supremo magistrado - que fará delas leis boas e aceitáveis. Mesmo eventualmente homologadas, é necessário lutar contra elas.
Entretanto, não é disso que falo. É antes sobre os factos, tornados relevantes nos últimos meses, que inquietaram personalidades famosas e, consequentemente, abalaram a consciência da nação.
Uma autarca, que bastas vezes surgiu a manifestar a sua fé na justiça, cavou para o Brasil, na hora amarga da detenção preventiva. Um presidente de uma associação de escolas de condução, apanhado a conduzir a mais de duzentos à hora, declara-se contra as limitações da lei, nesta era tecnológica que impinge carros capazes de voar. A lei não presta, diz ele, como se fosse apenas o responsável do ensino da perícia e não dos códigos que permitem que morram menos pessoas. Por fim, num processo que, mais de vinte anos depois das primeiras denúncias, avança na identificação e indiciação de arguidos de casos de pedofilia, as vítimas, numerosas, passam a segundo plano para se carpirem eventuais delinquentes. A justiça, que tão lenta é para o comum dos mortais, exige-se que seja célere. As escutas, tão boas para escutar os outros, são uma horrível intromissão nas altas falas. E houve até quem, perante a «cabala» da justiça, ameaçasse com um golpe da alameda, à velha maneira de 1975.


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