Convergências

Leandro Martins

Presumo - e não é preciso ser adivinho numa altura destas - que a maior parte dos comentários que publicamos neste número se centre em torno da questão da guerra que os Estados Unidos persistem em tentar impor ao Iraque. Ou, talvez melhor, em torno da expressiva manifestação da vontade de paz que fez vibrar o mundo, atingindo, segundo os dados que divulgamos, o impressionante número de mais de trinta milhões de pessoas que levantaram as suas vozes e bandeiras em cerca de 600 cidades em todo o mundo. Vozes na imensa maioria impulsionadas por um desejo sentido de paz e contra a guerra. Convergindo todas no protesto, por diferentes que sejam as perspectivas com que vejam as dificultosas questões dos interesses, das «políticas», das diplomacias, das questões do «direito internacional».

Entretanto, sabendo como já se sabia, que seria assim essa convergência, e passados os primeiros espantos sobre as aparições, no terreno da luta pela paz, de personalidades que não usamos encontrar do lado de cá desta barricada, um facto - uma imagem, um som - lançou-me a advertência de que não seria mau a gente reflectir um pouco nestas aparências. Há dias, entretido no zapping da caça às notícias televisivas, vou encontrar um senhor gordo e bem falante - em francês -, discursando perante a Assembleia lá da sua terra. Inflamado, fazia o discurso da paz. Seria de esquerda?, pensei. O homem, exaltado, depressa descambou para o empolado discurso patrioteiro, dissertando sobre o papel da França guiando o mundo. Era, afinal, o primeiro ministro do governo presidido por Chirac. Um tipo de direita, claro, a tentar colocar-se à frente dos milhões que erguiam as suas vozes contra a guerra.

Fez ele muito bem, acho.

Como fizeram bem todos os que, sem que a gente lhes veja os corações, entraram no coro geral dos que não aceitam o domínio absoluto dos Estados Unidos, nem a guerra como forma de resolver conflitos e desmascaram os esforços de Bush & Blair (e companhia), interessados no petróleo do Iraque e em assentar os seus arraiais de poder hegemónico em toda aquela região do mundo.

Sem que a gente lhes veja os corações, disse. Porque, se víssemos, lá estariam também inconfessáveis interesses, com o mesmo cheiro a nafta e a pólvora, isto é, a dinheiro e a poder, desta feita o poder da chamada «velha Europa», determinada, com a França e a Alemanha à frente, a não perder parte do bolo e a não aceitar que um dia destes, seja Bush a ditar o preço do barril.

De qualquer modo, a convergência está aí. E bem vinda é. Não a ignoramos nem a deitamos fora. Mas não se pense que, ao embarcarem no nosso barco - aquele que luta pela liberdade dos povos e pela paz - também embarcamos no deles.



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