Abrir caminhos para uma sociedade mais justa
Interrogado sobre se «poderá o mundo de hoje ser reproduzido pelo teatro», Bertolt Brecht respondeu: «Uma coisa fica, porém, desde já, fora de dúvida. Só poderemos descrever o mundo actual para o homem actual na medida em que o descrevemos como um mundo passível de modificações». Aproveitando este raciocínio, Manuel Mendonça e Pedro Lago explicaram ao Avante! o que o visitante da Festa poderá encontrar nos três dias do Avanteatro, espaço que vai manter as artes de palco, já tradicionais, com uma programação que inclui teatro, teatro para a infância, dança, música e o cinema documentário.
Três dias de diversidade cultural e política
«É isso que vamos tentar, como o temos feito ao longo dos anos, com incidência na resposta de Brecht», afirmou Manuel Mendonça, explicando que o teatro «não dá soluções», antes dá pistas para ultrapassar os problemas. «A situação política nacional e internacional, este cenário de crise económica, esta política que rouba o povo, são temas que serão abordados em algumas peças», acrescentou Pedro Lago.
Exemplo do que se fala são as peças «A purga do bebé» e a «Herança Bendita», espectáculos onde se desmonta, com a maior objectividade, sarcasmo e graça, a crise do capitalismo de que todos estamos a ser vítimas. A completar este rol está também «A verdadeira história da tomada do Carvalhal».
«Conseguimos ter, este ano, uma grelha de espectáculos que se enquadra no mesmo tema, que abordam esta crise económica e todas as falcatruas que andam à volta dela», salientou Manuel Mendonça, valorizando, por outro lado, a exemplo de outros anos, a descentralização cultural, contando com grupos e artistas de várias regiões do País, como o Teatro de Ferro do Porto, o Grupo ESTE – Estação Teatral do Fundão e o Teatro da Rainha, das Caldas da Rainha. «Não nos cingimos à Área Metropolitana de Lisboa, onde está concentrada grande parte dos grupos e companhias de teatro», referiu Manuel Mendonça, que não esqueceu «A ópera dos cinco euros», um espectáculo de rua que tenta tirar da gaiola dos especialistas e das especialidades alguns temores, inquietudes e fechamentos que nos tocam a todos, privilegiando a dissonância, mas procurando acertos de cadência e de palavra.
Teatro para toda a família
No teatro para a infância, merece especial atenção a peça «O rei vai nu», do Teatro Extremo, um espectáculo para toda a família inspirado no conto «O fato novo do imperador», de Hans Cristian Andersen. O cenário centra-se numa gigante caixa de costura que no decorrer da actuação se vai alterando, à semelhança dos livros cujas personagens e situações saltam das páginas. Depois temos ainda «O senhor de La Fontaine em Lisboa», uma peça de marionetas, do Grupo de Teatro Lua Cheia, que privilegia as possibilidades encantatórias da manipulação das marionetas, reinventando a beleza das fábulas de todos os tempos, que o lendário Esopo já havia divulgado na antiguidade e que La Fontaine ousou recriar. A Companhia de Teatro de Almada apresenta «Verdi que te quero Verdi», que introduz as crianças ao mundo da ópera, propondo-se aos mais novos, e a quem quiser acompanhá-los, que mergulhem no mundo do célere compositor italiano Giuseppe Verdi e das suas famosas óperas, cujas árias têm sido trauteadas por todos ao longo dos anos, de geração em geração.
Manuela Azevedo, vocalista de «Os Clã», e o seu compositor e transbaixista, Hélder Gonçalves, trazem consigo o «Disco Voador», canções feitas para os mais novos, inspiradas nos seus sonhos e medos, seus amigos e amores, com letras de Regina Guimarães. Esta «oficina» nasce do desejo dos Clã de partilhar com as crianças, bem de perto, cara a cara, olhos nos olhos, a música feita especialmente para elas. Partindo das canções e histórias do «Disco Voador», os dois músicos abordarão vários temas, desde o processo de composição – como nasce uma canção, como é que a música se encontra com as palavras, como é que os músicos transformam a composição que interpretam – até ao trabalho e vida dos Clã e dos músicos em geral, abrindo também espaço para trocar ideias e responder às perguntas das crianças.
Cinema documental e muita música
No Avanteatro há ainda espaço para o cinema documental, onde será transmitido o filme «48», de Susana Sousa Dias, um documentário que revela os testemunhos de pessoas que foram interrogadas pela polícia política portuguesa (PIDE), sobrepostos por fotografias a preto e branco que foram tiradas na altura pela PIDE.
Em grande destaque estará ainda a «Casa do Rio», um espectáculo da Companhia de Dança de Almada, inspirado na música tradicional portuguesa, e que tem por base a diversidade da cultura nacional. Aqui não vão faltar as influências dos pauliteiros, da chula, do corridinho do Algarve, do fandango, das danças do Minho.
Na música, o Avanteatro conta com a participação de Daniel Schvetz – Tango Trio, com Efraín Scheinfeld (bandoneón), Demian Cabaud (contrabaixo), Daniel Schvetz (piano), e Juan e Graciana (bailarinos).
No bar, a animação cultural terá a participação de vários tipos de expressão musical e do jazz, como é disso exemplo o espectáculo «Kabaret Keuner e outras histórias de Bertolt Brechet», do Grupo de Teatro da Rainha. Laura Ferreira 5teto apresenta «Caminhos do mar» e Fernando Castro e Eduardo Salgueiro um espectáculo de «rock alentejano», onde a comédia e a música, numa combinação perfeita, proporcionam ao público momentos de pura diversão e entretenimento.
«Quem vier à nossa Festa, que tem a diversidade cultural e política que nós sabemos, vai encontrar no Avanteatro aspectos interessantes que pretendemos que sejam transmitidos, coincidentes com a luta mais geral do nosso Partido, como a defesa da cultura, dos actores e de todos aqueles que participam nos espectáculos, desde o carpinteiro de cena até ao cabeça de cartaz», disse Pedro Lago.