Compositores
JOSÉ VIANA DA MOTA (1868-1948)
Português, nascido na ilha de São-Tomé, filho de pais portugueses, a verdade é que Viana da Mota possuía uma mentalidade pouco lusíada, fruto da sua educação e vivência até aos 32 anos na Alemanha, com apoio real de D. Fernando II e sua mulher, a condessa d’Edla, que lhe concederam uma bolsa de estudo para Berlim. Ai aprofundou os estudos de piano (iniciados aos 7 anos já no Conservatório). Diz-se que o brilhantismo das suas audições no então novo Conservatório berlinense, onde foi admitido em 1882, motivou que alguns o tivessem considerado um novo Mozart. Estudou também aquilo a que os alemães já então chamavam ciências musicais — terminologia incomodativa para os líteras românticos que dominavam o ambiente cultural pátrio. Paralelamente à preparação musical, estudou literatura.
Anos depois viria a ser um dos últimos discípulos de Franz Liszt, em 1885 em Weimar, onde Liszt vivia. Foi também aluno de outra grande figura do círculo de Richard Wagner, o maestro Hans von Bülow, que por ele tinha enorme apreço, relação que evoluiu para uma firme amizade que se manteve até à data da morte de Bülow em 1894.
Viana da Mota foi um dos maiores pianistas da sua geração e, em rigor, de toda a história da interpretação pianística.
Com Portugal a viver a primeira experiência republicana, em que tanta importância se atribuiu à instrução, o seu patriotismo desinteressado fê-lo interromper, no auge do sucesso, uma grande carreira internacional para vir ocupar o lugar de director do Conservatório Nacional de Lisboa, onde, conjuntamente com o seu amigo Luís de Freitas Branco levou a cabo importantíssima reforma do ensino artístico.
Genuíno exemplo de artista cerebral, Viana da Mota era um espírito clássico, racionalista, um intelectual de grande erudição, homem de verdadeira cultura universal e, mesmo como pianista internacionalmente aclamado nunca foi bem amado pelo público português, dominado por neblinas sebastianistas e embriaguezes românticas, o considerava um intérprete “frio”, demasiado perfeito, rigoroso, racional.
Como compositor, deixou-nos um significativo conjunto de obras onde, para além da Sinfonia À Pátria, se incluem peças para piano solo e Lieder.
A escassez de registos sonoros dos seus memoráveis concertos em muito contribuiu para que não seja hoje um pianista mundialmente conhecido, como merecia sê-lo de parceria com o seu colega e amigo Busoni.
GIUSEPPE VERDI (1813-1901)
Figura central na história geral da ópera e da ópera italiana em particular, Verdi foi quase exclusivamente um cultor dessa forma de espectáculo. Na sua longa vida de mais de oitenta anos legou-nos dezenas de criações onde se incluem algumas das mais sublimes partituras operísticas até hoje compostas: Rigoletto, D. Carlos, Aida, Otello, Falstaff. Verdi possuía uma quase inigualável capacidade de construir grandes melodias, tão admiráveis quanto arrebatadoras.
A sua obra desenvolve-se em várias fases. Depois de um período de juventude em que se situa dentro da tradição da ópera italiana da primeira metade dos anos Oitocentos, mas revelando já uma singular capacidade dramática, Verdi protagoniza uma profunda mudança através do enriquecimento da sua orquestração e de uma decisiva valorização da vertente dramática em oposição à concepção que dava total primazia ao exibicionismo vocal. Nesse esforço de contrariar uma tradição que fundadamente considerava obsoleta, Verdi rompe com a regra da sequência prelúdio-recitativo-áriarecitativo-dueto e vai ao ponto de criar novos perfis vocais, novos tipos de cantor lírico. É o caso do mezzo ou mezzosoprano com grande extensão vocal (voz feminina de cor escura e mais grave) ou do barítono significativamente dito “verdiano”.
É a partir da chamada “trilogia popular” (1851-53), composta por Rigoletto, Il Trovatore e La Traviata, que se dão os primeiros grandes passos no sentido do distanciamento relativamente aos cânones estabelecidos. Os seus contributos para a evolução e modernização da ópera serão continuamente postos em confronto com as concepções de outra grande figura da história do teatro lírico: Richard Wagner. Ambos nasceram no ano de 1813, e em torno deles criaram-se duas correntes de opinião, espécie de partidos estéticos que durante longo tempo dividiram o mundo da ópera entre “verdianos” e “wagnerianos”.
Nascido em Le Roncole, numa época em que essa região de Itália vivia sob a ocupação napoleónica, Verdi desde sempre assumiu clara posição política em defesa do Risorgimento, tendo-se tornado uma figura importante no movimento político liberal em prol da unidade e independência de Itália. Aliás, até o seu nome foi utilizado como meio de propaganda política:
“Viva Verdi” aparecia nas ruas, significando “viva Vittorio Emanuele re di Itália”. Admirador do conde de Cavour e de Garibaldi, chegou a ocupar o lugar de deputado do Reino (1861), correspondendo assim a um pedido do próprio Cavour, então Presidente do Conselho.
Há na essência do seu musicar uma dimensão política. Patriota, liberal, anticlerical, espírito progressista soube expressar com singular elevação artística o sofrimento dos perseguidos, dos marginalizados e dos injustiçados. No seu funeral, em Milão, estiveram presentes dezenas de milhares de pessoas.
ÉTIENNE-NICOLAS MÉHUL (1763-1871)
Na história da arte não raras vezes alguém ignorado em vida se tornou célebre depois de sair da vida: Méhul é exemplo antípoda.
Obteve grande notoriedade no seu tempo, mas é nos dias de hoje um ilustre desconhecido. Apadrinhado por Gluck, que conheceu em Paris onde se fixou como professor de música, Méhul centrou a sua atenção na ópera e no bailado. É autor de 40 óperas!
O maior acontecimento histórico da sua vida foi, naturalmente, a Revolução Francesa que apoiou entusiasticamente, tendo contribuído com várias composições para as festividades patrióticas desse tempo de profunda mudança, sendo Le chant du départ a mais célebre e o Hymne à la Raison talvez a mais monumental. Perfila-se assim ao lado de François-Joseph Gossec (1734-1829) como músico-compositor revolucionário.
Nenhuma das suas numerosas óperas sobreviveu à erosão do tempo.
Spontini, Rossini, Donizetti, Bellini, bem como outros, nomeadamente os franceses da geração pós-Revolução, como Auber ou Halévy, para isso contribuíram.
Para além do seu trabalho na esfera do teatro musical, Méhul compôs quatro sinfonias de inegável interesse, sendo bem exemplificativas da música do período napoleónico ou daquilo a que talvez possamos chamar uma estética napoleónica.
Uma integral das suas sinfonias foi executada e gravada pela Orquestra Gulbenkian em 1992.
Para além das sinfonias, foram gravadas as sonatas para piano, as aberturas e três das suas quarenta óperas; gravações, essas, que se encontram actualmente disponíveis no mercado internacional.
UMBERTO GIORDANO (1867-1948)
Na história da literatura italiana do último quartel do século XIX o realismo adquiriu a designação de verismo, directamente influenciada pelo naturalismo francês. É neste quadro (muito influenciado, por exemplo, por Balzac), que os romancistas sicilianos Luigi Capuana e Giovanni Verga inauguram o verismo, caracterizado pela apresentação objectiva da vida, a existência real, concreta das classes sociais mais desfavorecidas, recorrendo a uma linguagem directa, ao serviço de uma descrição explícita da realidade social. Já na recta final do século XIX, este movimento literário vai ter forte expressão na ópera italiana.
No verismo da ópera são frequentes os enredos violentos, com forte dimensão melodramática e apresentando personagens retiradas da vida real.
Giordano foi, juntamente com Pietro Mascagni e Ruggero Leoncavallo, um dos mais representativos autores deste estilo operístico que floresceu em Itália e no qual também se inscrevem algumas obras de Puccini, como a Tosca. Todas as doze óperas escritas por Giordano se inserem nesta corrente estética.
Como geralmente acontece, muitas dessas obras, a maior parte, cedo deixaram de ser representadas. Excepção que confirma a regra é André Chénier, a obra que glorificou o seu autor e na qual se detecta uma muitas vezes ignorada directa influência de Puccini. Dois anos depois desse triunfo, Giordano compôs para a voz da grande cantora-actriz Gemma Bellincioni, uma diva desse tempo, a ópera Fedora, baseada na peça de Victorien Sardou. Foi, aliás, com esta ópera que um jovem tenor chamado Caruso se revelou.
LUDWIG VAN BEETHOVEN (1770-1827)
Por ter sido capaz de compor obras admiráveis de todos os géneros, Beethoven ocupa, na companhia de Bach e Mozart, o lugar mais alto na história universal da criação musical.
No entanto, e por mais estranho que pareça em face dessa variedade criativa, só escreveu uma ópera: Fidélio. Se bem que ela, só por si, já lhe garantisse o seu libertar-se da lei da morte. Mas curiosamente a sua ainda mais célebre e por certo não menos genial Nona Sinfonia, também conhecida sob a designação de Sinfonia Coral, com a sua extraordinária originalidade, acabou por dar maior contributo para a história geral da ópera do que o Fidelio.Na arte orfeica, como em qualquer outra, um grande criador não é necessariamente um inovador, no sentido de ser protagonista de uma profunda ruptura com a tradição estética da época e da cultura em que nasceu. Beethoven, porém, revolucionou o modo de fazer música, sendo um marco absoluto na arte dos sons.
O seu pensamento musical inovador, bem como a modernidade do seu génio, fazem-se ouvir em obras de todos os géneros e de todas as fases criativas, da juventude à última maturidade. Nem mesmo a incurável surdez que desde cedo o vitimou impediu que abrisse caminho à criação de novas formas na arquitectura dos sons. Daí que ele se perfile no panorama da cultura musical como a figura chave do período de transição do mundo Clássico (Classicismo) para o mundo Romântico (Romantismo). Sendo que talvez não tenha havido, nem antes nem depois dele, nenhum outro músico com equivalente ascendente sobre a arte musical do tempo em que lhe foi dado viver. Sendo interessante verificar ser o seu profundo enraizamento na mais nobre tradição clássica de Haydn e Mozart que paradoxalmente lhe serve de base, de ponto de apoio, para o gesto criativo transformador que abre caminho para uma nova era. O autor de Fidelio foi um espírito progressista empenhado na coisa pública. Sempre revelou uma intensa preocupação relativamente à liberdade e à dignidade do sujeito individual, dentro do melhor espírito do humanismo republicano da Revolução Francesa. Muitas das suas obras são a expressão musical da vontade humana de transformar o mundo no sentido da construção de uma sociedade onde a generalidade dos seres humanos possa viver em liberdade e com dignidade.
Nesse sentido, Beethoven, artista intelectual, é um criador de música filosófica; isto é, música que transporta em si uma ideia, uma visão filosófica da vida.
De forma algo surpreendente, o autor da Heróica, de modesta origem social, admirador confesso do Napoleão republicano, pré-imperial, artista imbuído de claros sentimentos liberais, não deixou ser, ao longo de toda a sua vida, bem acolhido pelos melhores representantes da alta sociedade. Alemão de ascendência flamenga, acabou por encontrar em Viena a sua cidade lar, e na Áustria uma segunda pátria.
Chegou a Viena com uma recomendação do conde de Waldstein, seu protector, e nessa metrópole da cultura e das artes manteve excelentes relações com a mais alta sociedade vienense, sem no entanto abdicar dos seus ideais. A sua grandeza artístico intelectual a tudo se sobrepôs.
Num mundo ideal, a fruição de pelo menos uma partitura beethoveniana devia ser elemento obrigatório do currículo escolar.
CAMILLE SAINT-SAËNS (1835-1921)
Consta que Saint-Saëns sabia música antes mesmo de saber ler. Daí que o opus 1 tenha sido composto quando tinha apenas cinco anos.
Dizia de si próprio que produzia música «como uma macieira produz maçãs». Senhor de uma sólida e vastíssima cultura musical, este parisiense abordou com mestria todos os géneros. Mas pelo facto de ter sido também um exímio pianista, elogiado por Wagner, talvez fosse espectável que tivessem sido algumas das trinta e quatro obras que dedicou ao seu instrumento predilecto as premiadas pela fama. Porém, assim não aconteceu, muito embora alguns dos seus 5 concertos para piano e orquestra tenham sido bem acolhidos e muito tocados por intérpretes da geração de um Artur Rubinstein. Só que, algo inexplicavelmente, foram deixando de estar em voga, foram sendo marginalizados, acabando por ficar fora do reportório habitual dos pianistas mais afamados das últimas gerações.
Saint-Saëns dedicou grande atenção à ópera, tendo composto treze. Mas para seu grande desgosto apenas uma escapou ao olvido, mantendo-se bem presente no grandereportório dos teatros líricos do mundo inteiro: Sansão e Dalila, ópera composta em 1877.
Tendo sido um contemporâneo de Richard Wagner e da grande revolução que este levou a cabo, uma das mais profundas de toda a história da música e até da arte em geral, a verdade é que Saint-Saëns, caso quase único, se manteve imune à influência do autor do Tristão que, para mais, era um seu admirador. Permaneceu fiel à tradição clássica. Foi também um aclamado organista, pelo que em uma das suas mais célebres partituras vemos ser conferido particular protagonismo ao órgão: na 3ª Sinfonia, sua última composição deste género, e por isso mesmo conhecida como Sinfonia para órgão ou com órgão. Tendo vivido muitos anos, mais precisamente 86 (longevidade raríssima em pessoas do seu tempo), pôde gozar de longa e grande fama, recebendo todo o tipo de honrarias e sendo admirado por todos os grandes compositores seus contemporâneos, em particular por Franz Liszt que, esse sim, oinfluenciou de forma muito directa, levando-o a ser o primeiro compositor francês a utilizar a forma poema sinfónico, como é o caso da conhecida Dança Macabra.
ANTONÍN DVORÁK(1841-1904)
Não tivesse sido a influência exercida pelo organista da sua vila natal, que lhe ministrou as primeiras lições de música ensinando-o a tocar órgão, Antonín ter-se-ia tornado com grande probabilidade um talhante, como o pai que não viu com bons olhos a sua ida para Praga, em 1857, para prosseguir os estudos como organista. Se a vontade paterna tivesse prevalecido, a então Boémia (integrada no Império Austríaco), actual República Checa, teria perdido, possivelmente, aquele que viria a tornar-se uma das figuras mais importantes da sua cultura. Dvorák sempre se quis assumir como compositor nacional, prolongando e desenvolvendo o nacionalismo musical checo inaugurado por Bedrich Smetana (1824-1884). Não é por isso de estranhar que o seu primeiro sucesso tenha sido obtido com um hino patriótico.
Após ter estreado a sua 8ª Sinfonia, em Praga, no ano de 1890, Dvorák recebeu um tão surpreendente quão inesperado convite de uma senhora americana, chamada Janett Thurber: era um convite para assumir a direcção do Conservatório de Nova Iorque, fundado por essa mesma senhora. É a aceitação deste algo insólito convite que irá estar na origem da mais célebre partitura composta por Antonín Dvorák: a sua 9ª Sinfonia, mais conhecida do grande público sob a designação de Sinfonia do Novo Mundo. Obra que nenhum grande chefe de orquestra se dispensa de interpretar, o mesmo acontecendo com as mais prestigiadas orquestras.
Depois de se ter tornado em vida uma figura cimeira da cultura musical da sua amada pátria, autêntica glória nacional, Dvorák faleceu na cidade de Praga, aos 62 anos, no dia 1 de Maio de 1904.
LÉO DELIBES (1836-1891)
Arelação com a música estabeleceu-se através do canto, uma vez que os seus dotes vocais se manifestaram bastante cedo.
Completados os estudos de piano, órgão e composição no Conservatório de Paris, passou a trabalhar como co-repetidor no Teatro Lírico. Como compositor, começou por se dedicar à opereta. A sua ligação profissional à ópera, também na qualidade de maestro do coro, criou-lhe condições para se aventurar como compositor nessa área mais exigente e erudita. Iniciou-se com duas óperas cómicas, sendo que, à semelhança das suas operetas, nenhuma delas se conseguiu afirmar no reportório.Léo Deslibes seria provavelmente um nome caído no esquecimento se não tivesse optado por compor bailados, a partir de 1866. Foi o primeiro a compor música de superior qualidade para o bailado.
Talvez sem esse seu legado não tivéssemos tido um Tchaikovsky tão empenhado em escrever música de bailado, e se assim fosse, quem sabe se teríamos ficado sem O Lago dos Cisnes. Bailados como Coppélia (1870) e Sylvia (1877) permaneceram como obras parecidas pelos públicos de todas as gerações até o nosso tempo presente.
Depois, a ópera Lakmé, estreada em 1883, tirando partido de um exoterismo em voga na época e com os seus trunfos melódicos, consolidou-lhe a fama. Aliás, trata-se de uma dessas partituras operísticas que por si só têm a capacidade de travar a queda de um autor no esquecimento.
Um destino que foi o da larga maioria dos compositores em todas as épocas e em todos os países.
GIACOMO PUCCINI (1858-1924)
Descendente de uma velha família de notabilizados músicos compositores de Lucca (Toscânia) – onde já no século XVIII se distinguiu outro Giacomo —, Puccini é a grande figura da ópera italiana das gerações pós-Verdi. À semelhança do seu ilustríssimo antecessor, e, aliás, por efeito directo de uma partitura verdiana, também a sua actividade composicional se esgota quase exclusivamente no terreno do teatro musical. Uma récita da Aida de Verdi a que assistiu em Pisa, no ano de 1876, causou um tal impacto na sua fina sensibilidade artística que a partir desse dia decidiu investir todo o seu generoso talento na forma ópera. Com o apoio financeiro de um tio, prosseguiu os seus estudos no afamado Conservatório de Milão. Embora tendo composto muito menos obras do que Verdi (apenas 11), o autor de La Bohème conseguiu algo de verdadeiramente extraordinário e até único: que todas as suas criações se inscrevessem no chamado grande reportório operístico. Todas as óperas do músico de Lucca são regularmente levadas à cena nos teatros líricos do mundo inteiro ou contempladas nos catálogos das editoras discográficas, e algumas delas, como La Bohème e Madama Buterfly, têm detido, desde a sua génese, há mais de um século, o recorde de representações nos palcos da Europa, assim como também da América e do Oriente. Com Manon Lescaut (1893), que foi a primeira composição sob tema escolhido pelo autor, Puccini torna-se conhecido fora de Itália. Com Tosca, La Bohème, Il tabarro e outras torna-se um dos lídimos representantes do verismo. Com o tempo e depois de períodos em que foi alvo de críticas menos abonatórias em que a sua música era acusada de ser “antiquada” , “superficial”, “ligeira” a musicologia tem vindo a acentuar a sua real genialidade como arquitecto de sons, nomeadamente por efeito dos seus dotes no plano da instrumentação e da harmonia.
Quando estava a compor a Turandot, a sua última ópera, foi-lhe diagnosticado um cancro. Os tratamentos a que se submeteu numa clínica de Bruxelas não foram bem sucedidos e Puccini acabou por morrer nessa cidade distante da sua terra natal sem ter conseguido terminar essa derradeira partitura.
Dois anos depois o seu corpo foi sepultado na residência de Torre del Lago adquirida pelo compositor em 1891 após os seus primeiros sucessos cénicos. Local que é hoje uma casa museu.
GEORGES BIZET (1838-1875)
Nascido em Paris numa época em que os grandes centros de influência no domínio da arte musical se situavam na Alemanha e em Itália, Bizet, sob a influência do seu mestre Gounod, propôs-se reanimar a ópera francesa de modo a que ela pudesse recuperar o prestígio que tinha tido no século anterior. Filho de uma óptima pianista e de um professor de canto, não teve dificuldade em encontrar os meios e os apoios necessários à sua formação musical.
Em face dos notáveis dotes cedo revelados, o pai resolveu inscreve-lo no Conservatório de Paris quando ainda não tinha atingido os 10 anos de idade. Mas como não tinha a idade mínima requerida teve que fazer um exame especial de admissão que superou com sucesso. Ai beneficiou dos ensinamentos de grandes professores, como o já citado Gounod, Joseph G.Zimmerman, Halévy (com cuja filha Georges mais tarde viria a casar) e Marmontel. Sob a orientação deste último tornou-se um pianista brilhante. Mas as suas qualidades enquanto compositor sobrepuseram-se à veia pianística. Logo em 1855, quando ainda era estudante, compôs a notável Sinfonia em dó que só veio a ser executada muitos anos mais tarde, já em pleno século XX. Um adiamento causado pelo desinteresse então reinante em França relativamente à forma sinfonia. Uma desatenção que acabou por abrir caminho ao seu interesse pela ópera. E foi precisamente uma ópera que lhe garantiu a celebridade mundial de que o seu nome goza desde a última década do século XIX, mas que ele nunca chegou a saborear. Essa ópera, intitulada Carmen, e hoje tão universalmente aclamada, foi ao mesmo tempo causa de celebridade e de morte. A circunstância – para nós quase incompreensível — de essa obra-prima ter sido mal recebida pelo público na altura da estreia fez com que Bizet tivesse entrado num estado de profunda depressão que acabou por provocar dois ataques cardíacos que lhe casaram a morte. Nunca chegou a ter conhecimento do enorme êxito de algumas das suas criações operísticas, principalmente les pêcheurs de perles (Os pescadores de pérolas), L’Arlésienne e, claro está, Carmen.
AMADEUS MOZART (1756-1791)
Omúsico que veio ao mundo na cidade austríaca de Salzburg é, conjuntamente com Leonardo da Vinci, o mais exuberante modelo de genialidade presente na história da cultura humana. Se bem que, ao invés de Leonardo, a genialidade de Wolfgang se tivesse confinado a uma única arte.
Filho do conhecido compositor alemão, violinista e teórico da arte dos sons Leopold Mozart, cedo revelou ser um verdadeiro prodígio. Isso motivou que ainda criança, com 7 anos, tivesse tocado em público em várias das principais cidades europeias, incluindo Paris e Londres, onde se apresentou na corte, tocando para as respectivas famílias reais e deslumbrando todos os que o escutavam, assim se tornando uma verdadeira celebridade internacional. Ainda criança, viu serem editadas algumas das suas primeiras criações musicais. Embora sempre tivesse tido especial inclinação para a ópera, tendo composto a primeira com 13 anos, Mozart não foi apenas, nem principalmente, um autor de música cénica. Criou todo o tipo de obras musicais: sinfonias, concertos, sonatas, missas e outras obras sacras, peças de música de câmara, canções (Lieder), etc. Em todos esses géneros atingiu níveis máximos, legando-nos partituras admiráveis que de modo particularmente eficaz têm concorrido para melhorar a vida de milhões de seres humanos ao longo de mais de duzentos anos. O efeito benéfico da sua música no plano da psique humana (saúde mental) tem sido cientificamente demonstrado no âmbito de vários estudos.
Mas na verdade, enquanto criador de música a sua preferência ia para o teatro musical.
As três óperas compostas em colaboração com o libretista Lorenzo da Ponte, e a ópera maçónica Die Zauberflote (A flauta mágica) constituem verdadeiros cumes estéticos; grandes monumentos da história da arte universal que transcendem em muito o domínio específico da arte musical. Em todas elas se manifesta o espírito progressista do compositor que não hesitou em estar ao lado dos elevados ideais da Revolução Francesa e do racionalismo setecentista. A sua ruptura com o Pricipe-Arcebispo de Salzburg, em 1781, recusando-se a trabalhar sob as suas despóticas ordens, constitui ainda hoje um símbolo histórico da independência profissional do artista criador.
Tendo composto obras absolutamente geniais como Don Giovanni (D.João), Le Nozze di Fígaro (As bodas de Figaro), Così fan tutte (assim fazem todas) ou Die Zauberflote
(A flauta mágica), Mozart é, indiscutivelmente, na boa companhia de Verdi e Wagner, um dos três melhores compositores de ópera e um dos maiores criadores de Arte de toda a história da humanidade.
GIOACHINO ROSSINI (1792-1868)
Nascido em Itália, a pátria da ópera, Rossini é, indiscutivelmente, a nível mundial, um dos mais populares compositores de ópera, género a que se dedicou desde muito cedo. Com apenas 18 anos compôs a sua primeira ópera, uma comédia em um acto para o teatro lírico de Veneza. Filho de músicos — a mãe era cantora e o pai tocava trompa —, cresceu em ambiente bem propiciador de uma carreira de músico compositor. E na verdade, depois de efectuar os seus estudos em Bolonha, onde a família vivia, logo revelou possuir excepcionais dotes no domínio da escrita musical. Compunha com grande rapidez.
As óperas Tancredi e L’italiana in Algeri, que se mantêm no reportório dos teatros do mundo inteiro, constituíram os seus primeiros sucessos internacionais e datam de 1813, quando ainda era um jovem de 21 anos. Dois anos mais tarde ocupou o lugar de director artístico do Teatro de S.Carlos de Nápoles, cargo que lhe proporcionava óptimas condições para continuar e intensificar a sua actividade criativa, dando livre curso à sua veia musical. É nessa época que compõe a obra que lhe irá granjear maior fama: Il barbiere di Siviglia (O barbeiro de Sevilha) que virá a ser considerada por alguns a melhor ópera cómica italiana de sempre. A capacidade de arquitectar melodias cristalinas, de notável elegância, e a invenção de novos e excitantes ritmos são algumas das principais qualidades da sua escrita musical, base do enorme sucesso obtido pela sua música ao longo de quase dois séculos. Surpreendentemente, aos 37 anos, Rossini decide remeter-se ao silêncio e deixa de compor ópera. Nunca mais comporá uma única ópera, depois de ter criado mais de duas dezenas em apenas uma década. Passa a viver fora de Itália (Londres, Paris) e dedica-se a outras actividades e artes, nomeadamente a arte culinária onde acabará por se revelar não menos criativo, tendo algumas das suas receitas adquirido, também elas, fama mundial. Morre em 1868, universalmente aclamado como um dos maiores e mais prolixos criadores operísticos.
CHARLES GOUNOD (1818-1893)
Com as suas treze obras cénicas este compositor francês foi indiscutivelmente um dos mais bem-sucedidos no panorama da ópera oitocentista. A qualidade da orquestração, o charme melódico, bem como a muito agradável escrita vocal que aguça o lirismo ternurento, fruto de um especial cuidar da prosódia, foram porventura os seus grandes trunfos. Justificação para a imensa popularidade granjeada por muitas das suas criações musico-teatrais. O facto de ainda muito jovem ter podido ouvir a Malibran a cantar o Don Giovanni e o Otello do Rossini por certo influiu no desenvolvimento do seu talento inato para a música cénica. Foi, como Bizet, discípulo de Halévy, com quem estudou fuga e contraponto. Viveu depois em Itália (Roma) estando sempre muito atento ao trabalho de outros. Estudou profundamente as obras de alguns mestres do passado, como Lully, Gluck, Mozart. Também o seu contemporâneo Rossini foi objecto de especial atenção.
Ingres, com quem manteve amizade, incentivou-o a explorar potenciais talentos para a pintura. É nesse tempo de maior convívio com o pintor que advém a primeira crise de misticismo. A sua profunda religiosidade terá forte expressão no trabalho artístico, em particular nesses momentos de místico arrebatamento. A música religiosa ocupa boa parte da sua produção artística. Ao regressar a Paris na Primavera do ano de 1843, depois de em Leipzig Mendelssohn lhe ter revelado a grandeza de Bach, Gounod, no seu fervor religioso, chegou ao extremo de passar a usar sotaina, assinando “Abade Gounod”. A meio-soprano Pauline Viardot, irmã de Malibran, discípula de Liszt e artista acarinhada por muitos dos maiores músicos do seu tempo, Como Brahms, Schumann, Saint- Saëns (que para ela compuseram), foi uma das pessoas do círculo de amigos que mais influiu na superação dessa crise aguda de misticismo. Foi para a singular voz de Pauline que Gounod escreveu a sua primeira ópera, Sapho, estreada em 1851 com grande sucesso.
Sem retirar uma palavra ao que antes afirmei serem as qualidades artísticas de Gounod, e sem que se possa negar a relevância do seu contributo para uma espécie de reencontro da música francesa com a sua própria essência e tradição, parece-me dever reconhecer-se na sua produção operística uma certa superficialidade dominante que faz com que o seu gesto criativo nunca atinja o nível de intensidade, de profundidade, de seriedade artística que encontramos nos maiores autores do género. As suas óperas são charmosas, agradáveis, estão repletas de ternura lírica de rara beleza e poder de sedução. É facto. Mas na realidade nenhuma delas chega a ser uma grande obra músico-dramática. Talvez se possa dizer goetheanamente que falta verdade nesse artistar.
PIETRO MASCAGNI (1863-1945)
clara da qualidade dessas partituras.
L’Amico Fritz, Iris, Le Maschere (Commedia dell’Arte) são disso exemplo. Mas outras têm vindo a ser ressuscitadas ao longo dos últimos anos através de edições discográficas.
Musicólogos e críticos têm referido por vezes Il Piccolo Marat como tendo sido injustamente ostracizado, sendo que alguns, como James Anderson, consideram ser essa a verdadeira obra-prima de Mascagni. Em 1935 estreou-se em Milão o seu Nerone, ópera em três actos com a qual quis homenagear o ditador Benito Mussolini. Foi a sua última ópera. O gesto saí-lhe caro, tanto mais que os fascistas não se cansaram de utilizar esse Nerone como elemento de propaganda política, enautecendo a figura do Duce. Ainda antes de o homenageado ter ficado pendurado na praça pública a maior parte dos músicos italianos passou a boicotar a música de Mascagni.
A última fase da sua vida foi por isso marcada pela desgraça.
Mas as obras, uma vez criadas, adquirem autonomia, emancipam-se dos seis “pais”, fazendo o seu trajecto em função daquilo que são, se bem que haja outros factores a influir, às vezes até de modo absolutamente determinante. Neste caso, a força da arte contida no pentagrama venceu os boicotes, assim como a lamentável inclinação política do talentoso autor.
JOLY BRAGA SANTOS (1924-1988)
No panorama musical europeu, e até mesmo mundial, da segunda metade do século XX não será fácil encontrar um músico compositor que tivesse legado tão rico património sinfónico, na dupla vertente da qualidade e da quantidade. Foi o principal discípulo de Luís de Freitas Branco: pelo talento exibido, pela notoriedade alcançada, mas também pelo facto de, sem prejuízo da afirmação da sua personalidade artística, ter sido o que se manteve mais fiel aos ensinamentos do mestre, dando continuidade a uma estética sinfónica tonal, neoclássica, que marcou a história da música portuguesa do seu século e que talvez tenha a sua mais remota origem fora do universo da música, no território do racionalismo idealista sergiano. Houve outros compositores discípulos de Freitas Branco (António Fragoso, Armando J.Fernandes) a trilhar este rumo não vanguardista num tempo de efervescente vanguardismo; mas nenhum outro pôde legar-nos tão vasto e significativo património musical. Sem prejuízo do agora afirmado, a verdade é que a partir do início dos anos 60 Braga Santos inaugura um novo período criativo, mais sintonizado com o que nesse tempo se considerava ser moderno.
Passa a utilizar o cromatismo e ruma à atonalidade. Essa opção interrompe o que parecia ser uma evolução estética natural, ou, dito de outro modo, o desenvolvimento natural de um estilo assimilado sob a égide pedagógica, ou através da ensinança do seu mestre. Sou um desses que, compreendendo, lamenta essa interrupção evolutiva.
Concluído o curso no Conservatório Nacional, Braga Santos prosseguiu os seus estudos de composição e musicologia em Roma. Também em Itália, mas em Milão, concluiu estudos de direcção de orquestra, tendo-se tornado também maestro. Para além de cinco sinfonias – hoje felizmente ao dispor do público internacional através da inspirada e habilitada batuta do maestro que melhor conhece a sua obra, Álvaro Cassuto, e da maior editora de discos de música clássica do mundo, a NAXOS – para além delas, Braga Santos compôs obras de variado género, incluindo óperas, o bailado Encruzilhada, o Requiem, um concerto para violoncelo e um outro para viola, sendo este talvez a melhor obra do género composta na 2ª metade do século XX e de que dispomos de recentíssima gravação de qualidade, com o violetista Gérard Caussé e a Orquestra Sinfónica da Estremadura dirigida por Jesús Amigo.
Para além do todo da obra legada e do talentoso criador artístico, havia o Joly. Uma singular alma pura, género raríssimo de ser humano que ajuda a dar sentido às nossas vidas. Alimentamos sempre a esperança que a nossa existência se cruze com a de seres interessantes que nos enriqueçam a interioridade pessoal. Essa incomparável sorte tive-a eu ao ter na paisagem humana que me circundou, durante décadas, a presença constante desse modelo de bondade, de pureza humanitária que era o nosso saudoso Joly.
AGUSTÍN LARA (1900-1970)