Compositores

JOSÉ VIANA DA MOTA (1868-1948)

Image 8368

Por­tu­guês, nas­cido na ilha de São-Tomé, filho de pais por­tu­gueses, a ver­dade é que Viana da Mota pos­suía uma men­ta­li­dade pouco lu­síada, fruto da sua edu­cação e vi­vência até aos 32 anos na Ale­manha, com apoio real de D. Fer­nando II e sua mu­lher, a con­dessa d’Edla, que lhe con­ce­deram uma bolsa de es­tudo para Berlim. Ai apro­fundou os es­tudos de piano (ini­ci­ados aos 7 anos já no Con­ser­va­tório). Diz-se que o bri­lhan­tismo das suas au­di­ções no então novo Con­ser­va­tório ber­li­nense, onde foi ad­mi­tido em 1882, mo­tivou que al­guns o ti­vessem con­si­de­rado um novo Mo­zart. Es­tudou também aquilo a que os ale­mães já então cha­mavam ci­ên­cias mu­si­cais — ter­mi­no­logia in­co­mo­da­tiva para os lí­teras ro­mân­ticos que do­mi­navam o am­bi­ente cul­tural pá­trio. Pa­ra­le­la­mente à pre­pa­ração mu­sical, es­tudou li­te­ra­tura.

Anos de­pois viria a ser um dos úl­timos dis­cí­pulos de Franz Liszt, em 1885 em Weimar, onde Liszt vivia. Foi também aluno de outra grande fi­gura do cír­culo de Ri­chard Wagner, o ma­estro Hans von Bülow, que por ele tinha enorme apreço, re­lação que evo­luiu para uma firme ami­zade que se man­teve até à data da morte de Bülow em 1894.

Viana da Mota foi um dos mai­ores pi­a­nistas da sua ge­ração e, em rigor, de toda a his­tória da in­ter­pre­tação pi­a­nís­tica.

Com Por­tugal a viver a pri­meira ex­pe­ri­ência re­pu­bli­cana, em que tanta im­por­tância se atri­buiu à ins­trução, o seu pa­tri­o­tismo de­sin­te­res­sado fê-lo in­ter­romper, no auge do su­cesso, uma grande car­reira in­ter­na­ci­onal para vir ocupar o lugar de di­rector do Con­ser­va­tório Na­ci­onal de Lisboa, onde, con­jun­ta­mente com o seu amigo Luís de Freitas Branco levou a cabo im­por­tan­tís­sima re­forma do en­sino ar­tís­tico.

Ge­nuíno exemplo de ar­tista ce­re­bral, Viana da Mota era um es­pí­rito clás­sico, ra­ci­o­na­lista, um in­te­lec­tual de grande eru­dição, homem de ver­da­deira cul­tura uni­versal e, mesmo como pi­a­nista in­ter­na­ci­o­nal­mente acla­mado nunca foi bem amado pelo pú­blico por­tu­guês, do­mi­nado por ne­blinas se­bas­ti­a­nistas e em­bri­a­guezes ro­mân­ticas, o con­si­de­rava um in­tér­prete “frio”, de­ma­siado per­feito, ri­go­roso, ra­ci­onal.

Como com­po­sitor, deixou-nos um sig­ni­fi­ca­tivo con­junto de obras onde, para além da Sin­fonia À Pá­tria, se in­cluem peças para piano solo e Li­eder.

A es­cassez de re­gistos so­noros dos seus me­mo­rá­veis con­certos em muito con­tri­buiu para que não seja hoje um pi­a­nista mun­di­al­mente co­nhe­cido, como me­recia sê-lo de par­ceria com o seu co­lega e amigo Bu­soni.

 

GIU­SEPPE VERDI (1813-1901)

Image 8369

Figura cen­tral na his­tória geral da ópera e da ópera ita­liana em par­ti­cular, Verdi foi quase ex­clu­si­va­mente um cultor dessa forma de es­pec­tá­culo. Na sua longa vida de mais de oi­tenta anos legou-nos de­zenas de cri­a­ções onde se in­cluem al­gumas das mais su­blimes par­ti­turas ope­rís­ticas até hoje com­postas: Ri­go­letto, D. Carlos, Aida, Otello, Fals­taff. Verdi pos­suía uma quase ini­gua­lável ca­pa­ci­dade de cons­truir grandes me­lo­dias, tão ad­mi­rá­veis quanto ar­re­ba­ta­doras.

A sua obra de­sen­volve-se em vá­rias fases. De­pois de um pe­ríodo de ju­ven­tude em que se situa dentro da tra­dição da ópera ita­liana da pri­meira me­tade dos anos Oi­to­centos, mas re­ve­lando já uma sin­gular ca­pa­ci­dade dra­má­tica, Verdi pro­ta­go­niza uma pro­funda mu­dança através do en­ri­que­ci­mento da sua or­ques­tração e de uma de­ci­siva va­lo­ri­zação da ver­tente dra­má­tica em opo­sição à con­cepção que dava total pri­mazia ao exi­bi­ci­o­nismo vocal. Nesse es­forço de con­tra­riar uma tra­dição que fun­da­da­mente con­si­de­rava ob­so­leta, Verdi rompe com a regra da sequência pre­lúdio-re­ci­ta­tivo-ári­a­re­ci­ta­tivo-dueto e vai ao ponto de criar novos perfis vo­cais, novos tipos de cantor lí­rico. É o caso do mezzo ou mez­zo­so­prano com grande ex­tensão vocal (voz fe­mi­nina de cor es­cura e mais grave) ou do ba­rí­tono sig­ni­fi­ca­ti­va­mente dito “ver­diano”.

É a partir da cha­mada “tri­logia po­pular” (1851-53), com­posta por Ri­go­letto, Il Tro­va­tore e La Tra­viata, que se dão os pri­meiros grandes passos no sen­tido do dis­tan­ci­a­mento re­la­ti­va­mente aos câ­nones es­ta­be­le­cidos. Os seus con­tri­butos para a evo­lução e mo­der­ni­zação da ópera serão con­ti­nu­a­mente postos em con­fronto com as con­cep­ções de outra grande fi­gura da his­tória do te­atro lí­rico: Ri­chard Wagner. Ambos nas­ceram no ano de 1813, e em torno deles cri­aram-se duas cor­rentes de opi­nião, es­pécie de par­tidos es­té­ticos que du­rante longo tempo di­vi­diram o mundo da ópera entre “ver­di­anos” e “wag­ne­ri­anos”.

Nas­cido em Le Ron­cole, numa época em que essa re­gião de Itália vivia sob a ocu­pação na­po­leó­nica, Verdi desde sempre as­sumiu clara po­sição po­lí­tica em de­fesa do Ri­sor­gi­mento, tendo-se tor­nado uma fi­gura im­por­tante no mo­vi­mento po­lí­tico li­beral em prol da uni­dade e in­de­pen­dência de Itália. Aliás, até o seu nome foi uti­li­zado como meio de pro­pa­ganda po­lí­tica:

Viva Verdi” apa­recia nas ruas, sig­ni­fi­cando “viva Vit­torio Ema­nuele re di Itália”. Ad­mi­rador do conde de Ca­vour e de Ga­ri­baldi, chegou a ocupar o lugar de de­pu­tado do Reino (1861), cor­res­pon­dendo assim a um pe­dido do pró­prio Ca­vour, então Pre­si­dente do Con­selho.

Há na es­sência do seu mu­sicar uma di­mensão po­lí­tica. Pa­triota, li­beral, an­ti­cle­rical, es­pí­rito pro­gres­sista soube ex­pressar com sin­gular ele­vação ar­tís­tica o so­fri­mento dos per­se­guidos, dos mar­gi­na­li­zados e dos in­jus­ti­çados. No seu fu­neral, em Milão, es­ti­veram pre­sentes de­zenas de mi­lhares de pes­soas.

 

ÉTI­ENNE-NI­COLAS MÉHUL (1763-1871)

Image 8370

Na his­tória da arte não raras vezes al­guém ig­no­rado em vida se tornou cé­lebre de­pois de sair da vida: Méhul é exemplo an­tí­poda.

Ob­teve grande no­to­ri­e­dade no seu tempo, mas é nos dias de hoje um ilustre des­co­nhe­cido. Apa­dri­nhado por Gluck, que co­nheceu em Paris onde se fixou como pro­fessor de mú­sica, Méhul cen­trou a sua atenção na ópera e no bai­lado. É autor de 40 óperas!

O maior acon­te­ci­mento his­tó­rico da sua vida foi, na­tu­ral­mente, a Re­vo­lução Fran­cesa que apoiou en­tu­si­as­ti­ca­mente, tendo con­tri­buído com vá­rias com­po­si­ções para as fes­ti­vi­dades pa­trió­ticas desse tempo de pro­funda mu­dança, sendo Le chant du dé­part a mais cé­lebre e o Hymne à la Raison talvez a mais mo­nu­mental. Per­fila-se assim ao lado de Fran­çois-Jo­seph Gossec (1734-1829) como mú­sico-com­po­sitor re­vo­lu­ci­o­nário.

Ne­nhuma das suas nu­me­rosas óperas so­bre­viveu à erosão do tempo.

Spon­tini, Ros­sini, Do­ni­zetti, Bel­lini, bem como ou­tros, no­me­a­da­mente os fran­ceses da ge­ração pós-Re­vo­lução, como Auber ou Ha­lévy, para isso con­tri­buíram.

Para além do seu tra­balho na es­fera do te­atro mu­sical, Méhul compôs quatro sin­fo­nias de ine­gável in­te­resse, sendo bem exem­pli­fi­ca­tivas da mú­sica do pe­ríodo na­po­leó­nico ou da­quilo a que talvez pos­samos chamar uma es­té­tica na­po­leó­nica.

Uma in­te­gral das suas sin­fo­nias foi exe­cu­tada e gra­vada pela Or­questra Gul­ben­kian em 1992.

Para além das sin­fo­nias, foram gra­vadas as so­natas para piano, as aber­turas e três das suas qua­renta óperas; gra­va­ções, essas, que se en­con­tram ac­tu­al­mente dis­po­ní­veis no mer­cado in­ter­na­ci­onal.

 

UM­BERTO GI­OR­DANO (1867-1948)

Image 8371

Na his­tória da li­te­ra­tura ita­liana do úl­timo quartel do sé­culo XIX o re­a­lismo ad­quiriu a de­sig­nação de ve­rismo, di­rec­ta­mente in­flu­en­ciada pelo na­tu­ra­lismo francês. É neste quadro (muito in­flu­en­ciado, por exemplo, por Balzac), que os ro­man­cistas si­ci­li­anos Luigi Ca­puana e Gi­o­vanni Verga inau­guram o ve­rismo, ca­rac­te­ri­zado pela apre­sen­tação ob­jec­tiva da vida, a exis­tência real, con­creta das classes so­ciais mais des­fa­vo­re­cidas, re­cor­rendo a uma lin­guagem di­recta, ao ser­viço de uma des­crição ex­plí­cita da re­a­li­dade so­cial. Já na recta final do sé­culo XIX, este mo­vi­mento li­te­rário vai ter forte ex­pressão na ópera ita­liana.

No ve­rismo da ópera são fre­quentes os en­redos vi­o­lentos, com forte di­mensão me­lo­dra­má­tica e apre­sen­tando per­so­na­gens re­ti­radas da vida real.

Gi­or­dano foi, jun­ta­mente com Pi­etro Mas­cagni e Rug­gero Le­on­ca­vallo, um dos mais re­pre­sen­ta­tivos au­tores deste es­tilo ope­rís­tico que flo­resceu em Itália e no qual também se ins­crevem al­gumas obras de Puc­cini, como a Tosca. Todas as doze óperas es­critas por Gi­or­dano se in­serem nesta cor­rente es­té­tica.

Como ge­ral­mente acon­tece, muitas dessas obras, a maior parte, cedo dei­xaram de ser re­pre­sen­tadas. Ex­cepção que con­firma a regra é André Ché­nier, a obra que glo­ri­ficou o seu autor e na qual se de­tecta uma muitas vezes ig­no­rada di­recta in­fluência de Puc­cini. Dois anos de­pois desse triunfo, Gi­or­dano compôs para a voz da grande can­tora-ac­triz Gemma Bel­lin­cioni, uma diva desse tempo, a ópera Fe­dora, ba­seada na peça de Vic­to­rien Sardou. Foi, aliás, com esta ópera que um jovem tenor cha­mado Ca­ruso se re­velou.


LUDWIG VAN BE­ETHOVEN (1770-1827)

Image 8372

Por ter sido capaz de compor obras ad­mi­rá­veis de todos os gé­neros, Be­ethoven ocupa, na com­pa­nhia de Bach e Mo­zart, o lugar mais alto na his­tória uni­versal da cri­ação mu­sical.

No en­tanto, e por mais es­tranho que pa­reça em face dessa va­ri­e­dade cri­a­tiva, só es­creveu uma ópera: Fi­délio. Se bem que ela, só por si, já lhe ga­ran­tisse o seu li­bertar-se da lei da morte. Mas cu­ri­o­sa­mente a sua ainda mais cé­lebre e por certo não menos ge­nial Nona Sin­fonia, também co­nhe­cida sob a de­sig­nação de Sin­fonia Coral, com a sua ex­tra­or­di­nária ori­gi­na­li­dade, acabou por dar maior con­tri­buto para a his­tória geral da ópera do que o Fi­delio.Na arte or­feica, como em qual­quer outra, um grande cri­ador não é ne­ces­sa­ri­a­mente um ino­vador, no sen­tido de ser pro­ta­go­nista de uma pro­funda rup­tura com a tra­dição es­té­tica da época e da cul­tura em que nasceu. Be­ethoven, porém, re­vo­lu­ci­onou o modo de fazer mú­sica, sendo um marco ab­so­luto na arte dos sons.

O seu pen­sa­mento mu­sical ino­vador, bem como a mo­der­ni­dade do seu génio, fazem-se ouvir em obras de todos os gé­neros e de todas as fases cri­a­tivas, da ju­ven­tude à úl­tima ma­tu­ri­dade. Nem mesmo a in­cu­rável surdez que desde cedo o vi­timou im­pediu que abrisse ca­minho à cri­ação de novas formas na ar­qui­tec­tura dos sons. Daí que ele se per­file no pa­no­rama da cul­tura mu­sical como a fi­gura chave do pe­ríodo de tran­sição do mundo Clás­sico (Clas­si­cismo) para o mundo Ro­mân­tico (Ro­man­tismo). Sendo que talvez não tenha ha­vido, nem antes nem de­pois dele, ne­nhum outro mú­sico com equi­va­lente as­cen­dente sobre a arte mu­sical do tempo em que lhe foi dado viver. Sendo in­te­res­sante ve­ri­ficar ser o seu pro­fundo en­rai­za­mento na mais nobre tra­dição clás­sica de Haydn e Mo­zart que pa­ra­do­xal­mente lhe serve de base, de ponto de apoio, para o gesto cri­a­tivo trans­for­mador que abre ca­minho para uma nova era. O autor de Fi­delio foi um es­pí­rito pro­gres­sista em­pe­nhado na coisa pú­blica. Sempre re­velou uma in­tensa pre­o­cu­pação re­la­ti­va­mente à li­ber­dade e à dig­ni­dade do su­jeito in­di­vi­dual, dentro do me­lhor es­pí­rito do hu­ma­nismo re­pu­bli­cano da Re­vo­lução Fran­cesa. Muitas das suas obras são a ex­pressão mu­sical da von­tade hu­mana de trans­formar o mundo no sen­tido da cons­trução de uma so­ci­e­dade onde a ge­ne­ra­li­dade dos seres hu­manos possa viver em li­ber­dade e com dig­ni­dade.

Nesse sen­tido, Be­ethoven, ar­tista in­te­lec­tual, é um cri­ador de mú­sica fi­lo­só­fica; isto é, mú­sica que trans­porta em si uma ideia, uma visão fi­lo­só­fica da vida.

De forma algo sur­pre­en­dente, o autor da He­róica, de mo­desta origem so­cial, ad­mi­rador con­fesso do Na­po­leão re­pu­bli­cano, pré-im­pe­rial, ar­tista im­buído de claros sen­ti­mentos li­be­rais, não deixou ser, ao longo de toda a sua vida, bem aco­lhido pelos me­lhores re­pre­sen­tantes da alta so­ci­e­dade. Alemão de as­cen­dência fla­menga, acabou por en­con­trar em Viena a sua ci­dade lar, e na Áus­tria uma se­gunda pá­tria.

Chegou a Viena com uma re­co­men­dação do conde de Walds­tein, seu pro­tector, e nessa me­tró­pole da cul­tura e das artes man­teve ex­ce­lentes re­la­ções com a mais alta so­ci­e­dade vi­e­nense, sem no en­tanto ab­dicar dos seus ideais. A sua gran­deza ar­tís­tico in­te­lec­tual a tudo se so­brepôs.

Num mundo ideal, a fruição de pelo menos uma par­ti­tura be­etho­ve­niana devia ser ele­mento obri­ga­tório do cur­rí­culo es­colar.

 

CA­MILLE SAINT-SAËNS (1835-1921)

Image 8373

Consta que Saint-Saëns sabia mú­sica antes mesmo de saber ler. Daí que o opus 1 tenha sido com­posto quando tinha apenas cinco anos.

Dizia de si pró­prio que pro­duzia mú­sica «como uma ma­ci­eira produz maçãs». Se­nhor de uma só­lida e vas­tís­sima cul­tura mu­sical, este pa­ri­si­ense abordou com mes­tria todos os gé­neros. Mas pelo facto de ter sido também um exímio pi­a­nista, elo­giado por Wagner, talvez fosse es­pec­tável que ti­vessem sido al­gumas das trinta e quatro obras que de­dicou ao seu ins­tru­mento pre­di­lecto as pre­mi­adas pela fama. Porém, assim não acon­teceu, muito em­bora al­guns dos seus 5 con­certos para piano e or­questra te­nham sido bem aco­lhidos e muito to­cados por in­tér­pretes da ge­ração de um Artur Ru­bins­tein. Só que, algo inex­pli­ca­vel­mente, foram dei­xando de estar em voga, foram sendo mar­gi­na­li­zados, aca­bando por ficar fora do re­por­tório ha­bi­tual dos pi­a­nistas mais afa­mados das úl­timas ge­ra­ções.

Saint-Saëns de­dicou grande atenção à ópera, tendo com­posto treze. Mas para seu grande des­gosto apenas uma es­capou ao ol­vido, man­tendo-se bem pre­sente no gran­de­re­por­tório dos te­a­tros lí­ricos do mundo in­teiro: Sansão e Da­lila, ópera com­posta em 1877.

Tendo sido um con­tem­po­râneo de Ri­chard Wagner e da grande re­vo­lução que este levou a cabo, uma das mais pro­fundas de toda a his­tória da mú­sica e até da arte em geral, a ver­dade é que Saint-Saëns, caso quase único, se man­teve imune à in­fluência do autor do Tristão que, para mais, era um seu ad­mi­rador. Per­ma­neceu fiel à tra­dição clás­sica. Foi também um acla­mado or­ga­nista, pelo que em uma das suas mais cé­le­bres par­ti­turas vemos ser con­fe­rido par­ti­cular pro­ta­go­nismo ao órgão: na 3ª Sin­fonia, sua úl­tima com­po­sição deste gé­nero, e por isso mesmo co­nhe­cida como Sin­fonia para órgão ou com órgão. Tendo vi­vido muitos anos, mais pre­ci­sa­mente 86 (lon­ge­vi­dade ra­rís­sima em pes­soas do seu tempo), pôde gozar de longa e grande fama, re­ce­bendo todo o tipo de hon­ra­rias e sendo ad­mi­rado por todos os grandes com­po­si­tores seus con­tem­po­râ­neos, em par­ti­cular por Franz Liszt que, esse sim, oin­flu­en­ciou de forma muito di­recta, le­vando-o a ser o pri­meiro com­po­sitor francês a uti­lizar a forma poema sin­fó­nico, como é o caso da co­nhe­cida Dança Ma­cabra.

 

ANTONÍN DVORÁK(1841-1904)

Image 8374

Não ti­vesse sido a in­fluência exer­cida pelo or­ga­nista da sua vila natal, que lhe mi­nis­trou as pri­meiras li­ções de mú­sica en­si­nando-o a tocar órgão, An­tonín ter-se-ia tor­nado com grande pro­ba­bi­li­dade um ta­lhante, como o pai que não viu com bons olhos a sua ida para Praga, em 1857, para pros­se­guir os es­tudos como or­ga­nista. Se a von­tade pa­terna ti­vesse pre­va­le­cido, a então Boémia (in­te­grada no Im­pério Aus­tríaco), ac­tual Re­pú­blica Checa, teria per­dido, pos­si­vel­mente, aquele que viria a tornar-se uma das fi­guras mais im­por­tantes da sua cul­tura. Dvorák sempre se quis as­sumir como com­po­sitor na­ci­onal, pro­lon­gando e de­sen­vol­vendo o na­ci­o­na­lismo mu­sical checo inau­gu­rado por Be­drich Sme­tana (1824-1884). Não é por isso de es­tra­nhar que o seu pri­meiro su­cesso tenha sido ob­tido com um hino pa­trió­tico.

Após ter es­treado a sua 8ª Sin­fonia, em Praga, no ano de 1890, Dvorák re­cebeu um tão sur­pre­en­dente quão ines­pe­rado con­vite de uma se­nhora ame­ri­cana, cha­mada Ja­nett Thurber: era um con­vite para as­sumir a di­recção do Con­ser­va­tório de Nova Iorque, fun­dado por essa mesma se­nhora. É a acei­tação deste algo in­só­lito con­vite que irá estar na origem da mais cé­lebre par­ti­tura com­posta por An­tonín Dvorák: a sua 9ª Sin­fonia, mais co­nhe­cida do grande pú­blico sob a de­sig­nação de Sin­fonia do Novo Mundo. Obra que ne­nhum grande chefe de or­questra se dis­pensa de in­ter­pretar, o mesmo acon­te­cendo com as mais pres­ti­gi­adas or­ques­tras.

De­pois de se ter tor­nado em vida uma fi­gura ci­meira da cul­tura mu­sical da sua amada pá­tria, au­tên­tica glória na­ci­onal, Dvorák fa­leceu na ci­dade de Praga, aos 62 anos, no dia 1 de Maio de 1904.

 

LÉO DE­LIBES (1836-1891)

Image 8376

Are­lação com a mú­sica es­ta­be­leceu-se através do canto, uma vez que os seus dotes vo­cais se ma­ni­fes­taram bas­tante cedo.

Com­ple­tados os es­tudos de piano, órgão e com­po­sição no Con­ser­va­tório de Paris, passou a tra­ba­lhar como co-re­pe­tidor no Te­atro Lí­rico. Como com­po­sitor, co­meçou por se de­dicar à ope­reta. A sua li­gação pro­fis­si­onal à ópera, também na qua­li­dade de ma­estro do coro, criou-lhe con­di­ções para se aven­turar como com­po­sitor nessa área mais exi­gente e eru­dita. Ini­ciou-se com duas óperas có­micas, sendo que, à se­me­lhança das suas ope­retas, ne­nhuma delas se con­se­guiu afirmar no re­por­tório.Léo Des­libes seria pro­va­vel­mente um nome caído no es­que­ci­mento se não ti­vesse op­tado por compor bai­lados, a partir de 1866. Foi o pri­meiro a compor mú­sica de su­pe­rior qua­li­dade para o bai­lado.

Talvez sem esse seu le­gado não ti­vés­semos tido um Tchai­kovsky tão em­pe­nhado em es­crever mú­sica de bai­lado, e se assim fosse, quem sabe se te­ríamos fi­cado sem O Lago dos Cisnes. Bai­lados como Cop­pélia (1870) e Sylvia (1877) per­ma­ne­ceram como obras pa­re­cidas pelos pú­blicos de todas as ge­ra­ções até o nosso tempo pre­sente.

De­pois, a ópera Lakmé, es­treada em 1883, ti­rando par­tido de um exo­te­rismo em voga na época e com os seus trunfos me­ló­dicos, con­so­lidou-lhe a fama. Aliás, trata-se de uma dessas par­ti­turas ope­rís­ticas que por si só têm a ca­pa­ci­dade de travar a queda de um autor no es­que­ci­mento.

Um des­tino que foi o da larga mai­oria dos com­po­si­tores em todas as épocas e em todos os países.

 

GI­A­COMO PUC­CINI (1858-1924)

Image 8377

 

Des­cen­dente de uma velha fa­mília de no­ta­bi­li­zados mú­sicos com­po­si­tores de Lucca (Tos­cânia) – onde já no sé­culo XVIII se dis­tin­guiu outro Gi­a­como —, Puc­cini é a grande fi­gura da ópera ita­liana das ge­ra­ções pós-Verdi. À se­me­lhança do seu ilus­trís­simo an­te­cessor, e, aliás, por efeito di­recto de uma par­ti­tura ver­diana, também a sua ac­ti­vi­dade com­po­si­ci­onal se es­gota quase ex­clu­si­va­mente no ter­reno do te­atro mu­sical. Uma ré­cita da Aida de Verdi a que as­sistiu em Pisa, no ano de 1876, causou um tal im­pacto na sua fina sen­si­bi­li­dade ar­tís­tica que a partir desse dia de­cidiu in­vestir todo o seu ge­ne­roso ta­lento na forma ópera. Com o apoio fi­nan­ceiro de um tio, pros­se­guiu os seus es­tudos no afa­mado Con­ser­va­tório de Milão. Em­bora tendo com­posto muito menos obras do que Verdi (apenas 11), o autor de La Bohème con­se­guiu algo de ver­da­dei­ra­mente ex­tra­or­di­nário e até único: que todas as suas cri­a­ções se ins­cre­vessem no cha­mado grande re­por­tório ope­rís­tico. Todas as óperas do mú­sico de Lucca são re­gu­lar­mente le­vadas à cena nos te­a­tros lí­ricos do mundo in­teiro ou con­tem­pladas nos ca­tá­logos das edi­toras dis­co­grá­ficas, e al­gumas delas, como La Bohème e Ma­dama Bu­terfly, têm de­tido, desde a sua gé­nese, há mais de um sé­culo, o re­corde de re­pre­sen­ta­ções nos palcos da Eu­ropa, assim como também da Amé­rica e do Ori­ente. Com Manon Les­caut (1893), que foi a pri­meira com­po­sição sob tema es­co­lhido pelo autor, Puc­cini torna-se co­nhe­cido fora de Itália. Com Tosca, La Bohème, Il ta­barro e ou­tras torna-se um dos lí­dimos re­pre­sen­tantes do ve­rismo. Com o tempo e de­pois de pe­ríodos em que foi alvo de crí­ticas menos abo­na­tó­rias em que a sua mú­sica era acu­sada de ser “an­ti­quada” , “su­per­fi­cial”, “li­geira” a mu­si­co­logia tem vindo a acen­tuar a sua real ge­ni­a­li­dade como ar­qui­tecto de sons, no­me­a­da­mente por efeito dos seus dotes no plano da ins­tru­men­tação e da har­monia.

Quando es­tava a compor a Tu­randot, a sua úl­tima ópera, foi-lhe di­ag­nos­ti­cado um cancro. Os tra­ta­mentos a que se sub­meteu numa clí­nica de Bru­xelas não foram bem su­ce­didos e Puc­cini acabou por morrer nessa ci­dade dis­tante da sua terra natal sem ter con­se­guido ter­minar essa der­ra­deira par­ti­tura.

Dois anos de­pois o seu corpo foi se­pul­tado na re­si­dência de Torre del Lago ad­qui­rida pelo com­po­sitor em 1891 após os seus pri­meiros su­cessos cé­nicos. Local que é hoje uma casa museu.

 

GE­ORGES BIZET (1838-1875)

Image 8378

Nas­cido em Paris numa época em que os grandes cen­tros de in­fluência no do­mínio da arte mu­sical se si­tu­avam na Ale­manha e em Itália, Bizet, sob a in­fluência do seu mestre Gounod, propôs-se re­a­nimar a ópera fran­cesa de modo a que ela pu­desse re­cu­perar o pres­tígio que tinha tido no sé­culo an­te­rior. Filho de uma óp­tima pi­a­nista e de um pro­fessor de canto, não teve di­fi­cul­dade em en­con­trar os meios e os apoios ne­ces­sá­rios à sua for­mação mu­sical.

Em face dos no­tá­veis dotes cedo re­ve­lados, o pai re­solveu ins­creve-lo no Con­ser­va­tório de Paris quando ainda não tinha atin­gido os 10 anos de idade. Mas como não tinha a idade mí­nima re­que­rida teve que fazer um exame es­pe­cial de ad­missão que su­perou com su­cesso. Ai be­ne­fi­ciou dos en­si­na­mentos de grandes pro­fes­sores, como o já ci­tado Gounod, Jo­seph G.Zim­merman, Ha­lévy (com cuja filha Ge­orges mais tarde viria a casar) e Mar­montel. Sob a ori­en­tação deste úl­timo tornou-se um pi­a­nista bri­lhante. Mas as suas qua­li­dades en­quanto com­po­sitor so­bre­pu­seram-se à veia pi­a­nís­tica. Logo em 1855, quando ainda era es­tu­dante, compôs a no­tável Sin­fonia em dó que só veio a ser exe­cu­tada muitos anos mais tarde, já em pleno sé­culo XX. Um adi­a­mento cau­sado pelo de­sin­te­resse então rei­nante em França re­la­ti­va­mente à forma sin­fonia. Uma de­sa­tenção que acabou por abrir ca­minho ao seu in­te­resse pela ópera. E foi pre­ci­sa­mente uma ópera que lhe ga­rantiu a ce­le­bri­dade mun­dial de que o seu nome goza desde a úl­tima dé­cada do sé­culo XIX, mas que ele nunca chegou a sa­bo­rear. Essa ópera, in­ti­tu­lada Carmen, e hoje tão uni­ver­sal­mente acla­mada, foi ao mesmo tempo causa de ce­le­bri­dade e de morte. A cir­cuns­tância – para nós quase in­com­pre­en­sível — de essa obra-prima ter sido mal re­ce­bida pelo pú­blico na al­tura da es­treia fez com que Bizet ti­vesse en­trado num es­tado de pro­funda de­pressão que acabou por pro­vocar dois ata­ques car­díacos que lhe ca­saram a morte. Nunca chegou a ter co­nhe­ci­mento do enorme êxito de al­gumas das suas cri­a­ções ope­rís­ticas, prin­ci­pal­mente les pê­cheurs de perles (Os pes­ca­dores de pé­rolas), L’Ar­lé­si­enne e, claro está, Carmen.

 

AMA­DEUS MO­ZART (1756-1791)

Image 8380

Omú­sico que veio ao mundo na ci­dade aus­tríaca de Salz­burg é, con­jun­ta­mente com Le­o­nardo da Vinci, o mais exu­be­rante mo­delo de ge­ni­a­li­dade pre­sente na his­tória da cul­tura hu­mana. Se bem que, ao invés de Le­o­nardo, a ge­ni­a­li­dade de Wolf­gang se ti­vesse con­fi­nado a uma única arte.

Filho do co­nhe­cido com­po­sitor alemão, vi­o­li­nista e teó­rico da arte dos sons Le­o­pold Mo­zart, cedo re­velou ser um ver­da­deiro pro­dígio. Isso mo­tivou que ainda cri­ança, com 7 anos, ti­vesse to­cado em pú­blico em vá­rias das prin­ci­pais ci­dades eu­ro­peias, in­cluindo Paris e Lon­dres, onde se apre­sentou na corte, to­cando para as res­pec­tivas fa­mí­lias reais e des­lum­brando todos os que o es­cu­tavam, assim se tor­nando uma ver­da­deira ce­le­bri­dade in­ter­na­ci­onal. Ainda cri­ança, viu serem edi­tadas al­gumas das suas pri­meiras cri­a­ções mu­si­cais. Em­bora sempre ti­vesse tido es­pe­cial in­cli­nação para a ópera, tendo com­posto a pri­meira com 13 anos, Mo­zart não foi apenas, nem prin­ci­pal­mente, um autor de mú­sica cé­nica. Criou todo o tipo de obras mu­si­cais: sin­fo­nias, con­certos, so­natas, missas e ou­tras obras sa­cras, peças de mú­sica de câ­mara, can­ções (Li­eder), etc. Em todos esses gé­neros atingiu ní­veis má­ximos, le­gando-nos par­ti­turas ad­mi­rá­veis que de modo par­ti­cu­lar­mente eficaz têm con­cor­rido para me­lhorar a vida de mi­lhões de seres hu­manos ao longo de mais de du­zentos anos. O efeito be­né­fico da sua mú­sica no plano da psique hu­mana (saúde mental) tem sido ci­en­ti­fi­ca­mente de­mons­trado no âm­bito de vá­rios es­tudos.

Mas na ver­dade, en­quanto cri­ador de mú­sica a sua pre­fe­rência ia para o te­atro mu­sical.

As três óperas com­postas em co­la­bo­ração com o li­bre­tista Lo­renzo da Ponte, e a ópera ma­çó­nica Die Zau­ber­flote (A flauta má­gica) cons­ti­tuem ver­da­deiros cumes es­té­ticos; grandes mo­nu­mentos da his­tória da arte uni­versal que trans­cendem em muito o do­mínio es­pe­cí­fico da arte mu­sical. Em todas elas se ma­ni­festa o es­pí­rito pro­gres­sista do com­po­sitor que não he­sitou em estar ao lado dos ele­vados ideais da Re­vo­lução Fran­cesa e do ra­ci­o­na­lismo se­te­cen­tista. A sua rup­tura com o Pri­cipe-Ar­ce­bispo de Salz­burg, em 1781, re­cu­sando-se a tra­ba­lhar sob as suas des­pó­ticas or­dens, cons­titui ainda hoje um sím­bolo his­tó­rico da in­de­pen­dência pro­fis­si­onal do ar­tista cri­ador.

Tendo com­posto obras ab­so­lu­ta­mente ge­niais como Don Gi­o­vanni (D.João), Le Nozze di Fí­garo (As bodas de Fi­garo), Così fan tutte (assim fazem todas) ou Die Zau­ber­flote

(A flauta má­gica), Mo­zart é, in­dis­cu­ti­vel­mente, na boa com­pa­nhia de Verdi e Wagner, um dos três me­lhores com­po­si­tores de ópera e um dos mai­ores cri­a­dores de Arte de toda a his­tória da hu­ma­ni­dade.

 

GI­O­A­CHINO ROS­SINI (1792-1868)

Image 8381

Nas­cido em Itália, a pá­tria da ópera, Ros­sini é, in­dis­cu­ti­vel­mente, a nível mun­dial, um dos mais po­pu­lares com­po­si­tores de ópera, gé­nero a que se de­dicou desde muito cedo. Com apenas 18 anos compôs a sua pri­meira ópera, uma co­média em um acto para o te­atro lí­rico de Ve­neza. Filho de mú­sicos — a mãe era can­tora e o pai to­cava trompa —, cresceu em am­bi­ente bem pro­pi­ci­ador de uma car­reira de mú­sico com­po­sitor. E na ver­dade, de­pois de efec­tuar os seus es­tudos em Bo­lonha, onde a fa­mília vivia, logo re­velou pos­suir ex­cep­ci­o­nais dotes no do­mínio da es­crita mu­sical. Com­punha com grande ra­pidez.

As óperas Tan­credi e L’i­ta­liana in Al­geri, que se mantêm no re­por­tório dos te­a­tros do mundo in­teiro, cons­ti­tuíram os seus pri­meiros su­cessos in­ter­na­ci­o­nais e datam de 1813, quando ainda era um jovem de 21 anos. Dois anos mais tarde ocupou o lugar de di­rector ar­tís­tico do Te­atro de S.Carlos de Ná­poles, cargo que lhe pro­por­ci­o­nava óp­timas con­di­ções para con­ti­nuar e in­ten­si­ficar a sua ac­ti­vi­dade cri­a­tiva, dando livre curso à sua veia mu­sical. É nessa época que compõe a obra que lhe irá gran­jear maior fama: Il bar­biere di Si­vi­glia (O bar­beiro de Se­vilha) que virá a ser con­si­de­rada por al­guns a me­lhor ópera có­mica ita­liana de sempre. A ca­pa­ci­dade de ar­qui­tectar me­lo­dias cris­ta­linas, de no­tável ele­gância, e a in­venção de novos e ex­ci­tantes ritmos são al­gumas das prin­ci­pais qua­li­dades da sua es­crita mu­sical, base do enorme su­cesso ob­tido pela sua mú­sica ao longo de quase dois sé­culos. Sur­pre­en­den­te­mente, aos 37 anos, Ros­sini de­cide re­meter-se ao si­lêncio e deixa de compor ópera. Nunca mais com­porá uma única ópera, de­pois de ter criado mais de duas de­zenas em apenas uma dé­cada. Passa a viver fora de Itália (Lon­dres, Paris) e de­dica-se a ou­tras ac­ti­vi­dades e artes, no­me­a­da­mente a arte cu­li­nária onde aca­bará por se re­velar não menos cri­a­tivo, tendo al­gumas das suas re­ceitas ad­qui­rido, também elas, fama mun­dial. Morre em 1868, uni­ver­sal­mente acla­mado como um dos mai­ores e mais pro­lixos cri­a­dores ope­rís­ticos.

 

CHARLES GOUNOD (1818-1893)

Image 8382

Com as suas treze obras cé­nicas este com­po­sitor francês foi in­dis­cu­ti­vel­mente um dos mais bem-su­ce­didos no pa­no­rama da ópera oi­to­cen­tista. A qua­li­dade da or­ques­tração, o charme me­ló­dico, bem como a muito agra­dável es­crita vocal que aguça o li­rismo ter­nu­rento, fruto de um es­pe­cial cuidar da pro­sódia, foram por­ven­tura os seus grandes trunfos. Jus­ti­fi­cação para a imensa po­pu­la­ri­dade gran­jeada por muitas das suas cri­a­ções mu­sico-te­a­trais. O facto de ainda muito jovem ter po­dido ouvir a Ma­li­bran a cantar o Don Gi­o­vanni e o Otello do Ros­sini por certo in­fluiu no de­sen­vol­vi­mento do seu ta­lento inato para a mú­sica cé­nica. Foi, como Bizet, dis­cí­pulo de Ha­lévy, com quem es­tudou fuga e con­tra­ponto. Viveu de­pois em Itália (Roma) es­tando sempre muito atento ao tra­balho de ou­tros. Es­tudou pro­fun­da­mente as obras de al­guns mes­tres do pas­sado, como Lully, Gluck, Mo­zart. Também o seu con­tem­po­râneo Ros­sini foi ob­jecto de es­pe­cial atenção.

In­gres, com quem man­teve ami­zade, in­cen­tivou-o a ex­plorar po­ten­ciais ta­lentos para a pin­tura. É nesse tempo de maior con­vívio com o pintor que advém a pri­meira crise de mis­ti­cismo. A sua pro­funda re­li­gi­o­si­dade terá forte ex­pressão no tra­balho ar­tís­tico, em par­ti­cular nesses mo­mentos de mís­tico ar­re­ba­ta­mento. A mú­sica re­li­giosa ocupa boa parte da sua pro­dução ar­tís­tica. Ao re­gressar a Paris na Pri­ma­vera do ano de 1843, de­pois de em Leipzig Men­dels­sohn lhe ter re­ve­lado a gran­deza de Bach, Gounod, no seu fervor re­li­gioso, chegou ao ex­tremo de passar a usar so­taina, as­si­nando “Abade Gounod”. A meio-so­prano Pau­line Vi­ardot, irmã de Ma­li­bran, dis­cí­pula de Liszt e ar­tista aca­ri­nhada por muitos dos mai­ores mú­sicos do seu tempo, Como Brahms, Schu­mann, Saint- Saëns (que para ela com­pu­seram), foi uma das pes­soas do cír­culo de amigos que mais in­fluiu na su­pe­ração dessa crise aguda de mis­ti­cismo. Foi para a sin­gular voz de Pau­line que Gounod es­creveu a sua pri­meira ópera, Sapho, es­treada em 1851 com grande su­cesso.

Sem re­tirar uma pa­lavra ao que antes afirmei serem as qua­li­dades ar­tís­ticas de Gounod, e sem que se possa negar a re­le­vância do seu con­tri­buto para uma es­pécie de re­en­contro da mú­sica fran­cesa com a sua pró­pria es­sência e tra­dição, pa­rece-me dever re­co­nhecer-se na sua pro­dução ope­rís­tica uma certa su­per­fi­ci­a­li­dade do­mi­nante que faz com que o seu gesto cri­a­tivo nunca atinja o nível de in­ten­si­dade, de pro­fun­di­dade, de se­ri­e­dade ar­tís­tica que en­con­tramos nos mai­ores au­tores do gé­nero. As suas óperas são char­mosas, agra­dá­veis, estão re­pletas de ter­nura lí­rica de rara be­leza e poder de se­dução. É facto. Mas na re­a­li­dade ne­nhuma delas chega a ser uma grande obra mú­sico-dra­má­tica. Talvez se possa dizer go­ethe­a­na­mente que falta ver­dade nesse ar­tistar.

 

PI­ETRO MAS­CAGNI (1863-1945)

Image 8383

Com­po­sitor ita­liano autor de de­zas­seis óperas, mas cuja fama re­pousa fun­da­men­tal­mente sobre a pri­meira dessas de­zas­seis cri­a­ções: Ca­val­leria Rus­ti­cana – com a qual Mas­cagni ob­teve o pri­meiro prémio num con­curso de com­po­sição. Tra­tase de um marco na his­tória da ópera, uma vez que é esta a par­ti­tura fun­da­dora do ve­rismo no es­paço da ópera (ver texto sobre Gi­or­dano). Foi um dos quatro mais im­por­tantes mú­sicos-com­po­si­tores do mo­vi­mento ve­rista, ou do es­tilo ope­rís­tico ita­liano que flo­resceu em Itália na úl­tima dé­cada do sé­culo XIX. No en­tanto al­gumas ou­tras óperas de sua au­toria con­ti­nu­aram a ser re­pre­sen­tadas até os dias de hoje. Uma vi­tória sobre o ol­vido que muito poucos con­se­guem al­cançar e que atesta de forma

clara da qua­li­dade dessas par­ti­turas.

L’A­mico Fritz, Iris, Le Mas­chere (Com­media dell’Arte) são disso exemplo. Mas ou­tras têm vindo a ser res­sus­ci­tadas ao longo dos úl­timos anos através de edi­ções dis­co­grá­ficas.

Mu­si­có­logos e crí­ticos têm re­fe­rido por vezes Il Pic­colo Marat como tendo sido in­jus­ta­mente os­tra­ci­zado, sendo que al­guns, como James An­derson, con­si­deram ser essa a ver­da­deira obra-prima de Mas­cagni. Em 1935 es­treou-se em Milão o seu Ne­rone, ópera em três actos com a qual quis ho­me­na­gear o di­tador Be­nito Mus­so­lini. Foi a sua úl­tima ópera. O gesto saí-lhe caro, tanto mais que os fas­cistas não se can­saram de uti­lizar esse Ne­rone como ele­mento de pro­pa­ganda po­lí­tica, enau­te­cendo a fi­gura do Duce. Ainda antes de o ho­me­na­geado ter fi­cado pen­du­rado na praça pú­blica a maior parte dos mú­sicos ita­li­anos passou a boi­cotar a mú­sica de Mas­cagni.

A úl­tima fase da sua vida foi por isso mar­cada pela des­graça.

Mas as obras, uma vez cri­adas, ad­quirem au­to­nomia, eman­cipam-se dos seis “pais”, fa­zendo o seu tra­jecto em função da­quilo que são, se bem que haja ou­tros fac­tores a in­fluir, às vezes até de modo ab­so­lu­ta­mente de­ter­mi­nante. Neste caso, a força da arte con­tida no pen­ta­grama venceu os boi­cotes, assim como a la­men­tável in­cli­nação po­lí­tica do ta­len­toso autor.

 

JOLY BRAGA SANTOS (1924-1988)

Image 8384

No pa­no­rama mu­sical eu­ropeu, e até mesmo mun­dial, da se­gunda me­tade do sé­culo XX não será fácil en­con­trar um mú­sico com­po­sitor que ti­vesse le­gado tão rico pa­tri­mónio sin­fó­nico, na dupla ver­tente da qua­li­dade e da quan­ti­dade. Foi o prin­cipal dis­cí­pulo de Luís de Freitas Branco: pelo ta­lento exi­bido, pela no­to­ri­e­dade al­can­çada, mas também pelo facto de, sem pre­juízo da afir­mação da sua per­so­na­li­dade ar­tís­tica, ter sido o que se man­teve mais fiel aos en­si­na­mentos do mestre, dando con­ti­nui­dade a uma es­té­tica sin­fó­nica tonal, ne­o­clás­sica, que marcou a his­tória da mú­sica por­tu­guesa do seu sé­culo e que talvez tenha a sua mais re­mota origem fora do uni­verso da mú­sica, no ter­ri­tório do ra­ci­o­na­lismo ide­a­lista ser­giano. Houve ou­tros com­po­si­tores dis­cí­pulos de Freitas Branco (An­tónio Fra­goso, Ar­mando J.Fer­nandes) a tri­lhar este rumo não van­guar­dista num tempo de efer­ves­cente van­guar­dismo; mas ne­nhum outro pôde legar-nos tão vasto e sig­ni­fi­ca­tivo pa­tri­mónio mu­sical. Sem pre­juízo do agora afir­mado, a ver­dade é que a partir do início dos anos 60 Braga Santos inau­gura um novo pe­ríodo cri­a­tivo, mais sin­to­ni­zado com o que nesse tempo se con­si­de­rava ser mo­derno.

Passa a uti­lizar o cro­ma­tismo e ruma à ato­na­li­dade. Essa opção in­ter­rompe o que pa­recia ser uma evo­lução es­té­tica na­tural, ou, dito de outro modo, o de­sen­vol­vi­mento na­tural de um es­tilo as­si­mi­lado sob a égide pe­da­gó­gica, ou através da en­si­nança do seu mestre. Sou um desses que, com­pre­en­dendo, la­menta essa in­ter­rupção evo­lu­tiva.

Con­cluído o curso no Con­ser­va­tório Na­ci­onal, Braga Santos pros­se­guiu os seus es­tudos de com­po­sição e mu­si­co­logia em Roma. Também em Itália, mas em Milão, con­cluiu es­tudos de di­recção de or­questra, tendo-se tor­nado também ma­estro. Para além de cinco sin­fo­nias – hoje fe­liz­mente ao dispor do pú­blico in­ter­na­ci­onal através da ins­pi­rada e ha­bi­li­tada ba­tuta do ma­estro que me­lhor co­nhece a sua obra, Álvaro Cas­suto, e da maior edi­tora de discos de mú­sica clás­sica do mundo, a NAXOS – para além delas, Braga Santos compôs obras de va­riado gé­nero, in­cluindo óperas, o bai­lado En­cru­zi­lhada, o Re­quiem, um con­certo para vi­o­lon­celo e um outro para viola, sendo este talvez a me­lhor obra do gé­nero com­posta na 2ª me­tade do sé­culo XX e de que dis­pomos de re­cen­tís­sima gra­vação de qua­li­dade, com o vi­o­le­tista Gé­rard Caussé e a Or­questra Sin­fó­nica da Es­tre­ma­dura di­ri­gida por Jesús Amigo.

Para além do todo da obra le­gada e do ta­len­toso cri­ador ar­tís­tico, havia o Joly. Uma sin­gular alma pura, gé­nero ra­rís­simo de ser hu­mano que ajuda a dar sen­tido às nossas vidas. Ali­men­tamos sempre a es­pe­rança que a nossa exis­tência se cruze com a de seres in­te­res­santes que nos en­ri­queçam a in­te­ri­o­ri­dade pes­soal. Essa in­com­pa­rável sorte tive-a eu ao ter na pai­sagem hu­mana que me cir­cundou, du­rante dé­cadas, a pre­sença cons­tante desse mo­delo de bon­dade, de pu­reza hu­ma­ni­tária que era o nosso sau­doso Joly.

 

AGUSTÍN LARA (1900-1970)

Image 8385

Numa coisa este autor de mú­sica pa­rece ser maio7r do que qual­quer outro: no nome. Não creio que exista ne­nhum outro com nome mais ex­tenso. O nome com­pleto de Lara é … Com­po­sitor e cantor de na­ci­o­na­li­dade me­xi­cana, de­dicou-se fun­da­men­tal­mente e es­crever can­ções po­pu­lares. Pa­rece ter es­crito mais de se­te­centas, o que, a ser ver­dade, o co­loca à frente de Schu­bert, re­cor­dista na com­po­sição de Li­eder. Para isso também con­tri­buiu o facto de a partir de 1929 ter ini­ciado uma co­la­bo­ração com o tenor Juan Ar­vizu, para quem es­crevia novas can­ções ao mesmo tempo que tra­ba­lhava como seu acom­pa­nhador. Torna-se co­nhe­cido em Es­panha na dé­cada de 40 do sé­culo pas­sado através das com­po­si­ções ins­pi­radas ou de­di­cadas a vá­rias ci­dades es­pa­nholas. A mais cé­lebre é Gra­nada que desde Mario Lanza quase todos os grandes te­nores can­taram e aju­daram a ce­le­brizar. Para pre­miar esse su­cesso e, em geral, o seu in­te­resse por temas es­pa­nhóis, em 1965 o di­tador Fran­cisco Franco ofe­receu-lhe uma bela casa na ci­dade de Gra­nada, no Sul de Es­panha.


Mais artigos de: Festa do Avante!

Grande Gala de Ópera

Image 8375

 

O au­tên­tico pa­tri­o­tismo é o que, à luz dos va­lores do hu­ma­nismo, uni­ver­sa­liza as qua­li­dades de uma Nação.

Im­buído deste es­pí­rito que a crise con­voca, o mega es­pec­tá­culo de aber­tura volta a trazer a ópera à Festa, de­pois do su­cesso al­can­çado em 2009. Mas desta vez a gala é, pela sua di­mensão assim como pelo seu con­teúdo ar­tís­tico, bem mais am­bi­ciosa.

O es­pec­tá­culo ofe­rece-nos ori­ginal com­bi­nação ente dois uni­versos: o da ópera e o da sin­fonia. Será por isso gala lí­rico-sin­fó­nica in­vulgar, desde logo pela sua rica di­ver­si­dade: tre­chos cé­le­bres do re­por­tório lí­rico reúnem-se com ou­tros des­co­nhe­cidos do não ini­ciado.

Como se isto não bas­tasse, o pro­grama in­clui ainda can­ções po­pu­lares e peças co­rais sin­fó­nicas que não são ópera.

Te­remos assim, uma ar­ti­cu­lação não só iné­dita em es­pec­tá­culos desta na­tu­reza como também de ele­vada exi­gência téc­nico-ar­tís­tica para os seus pro­ta­go­nistas (ma­estro, can­tores, or­questra, coro). Um es­ti­mu­lante de­safio que Avante! e Gi­násio Ópera (co-pro­du­tores do es­pec­tá­culo) qui­seram en­frentar.

 

João Maria de Freitas Branco

Maestros, Solistas e Coros

Kodo YamagishiMaestro Foi maestro assistente em montagens de óperas no Festival de Verão de losterneuburg (1997), no Festival Haydn de Eisenstadt (1998 e 1999) e no Opern Air em Gars am Kamp (2001 e 2002) (Áustria). Em 2000 foi director musical de L’Enfant et les...

Programa

José Viana da MotaSINFONIA “À PÁTRIA”1.º andamento Esta sinfonia é o resultado de um gesto criativo patriótico de alguém que esteve longo tempo afastado do seu torrão. Uma homenagem musical à pátria...

Somos todos construtores da Festa do Avante!

A pouco mais de uma se­mana da aber­tura das portas da Quinta da Ata­laia, os mi­li­tantes co­mu­nistas e muitos de­mo­cratas amigos do PCP em­pe­nham-se na cons­trução da maior ini­ci­a­tiva po­lí­tico-cul­tural na­ci­onal, ta­refa para a qual todos somos cha­mados a con­tri­buir.

Alves Redol e Manuel da Fonseca nasceram há 100 anos

Num ano em que a ex­po­sição po­lí­tica do Es­paço Cen­tral da Festa do Avante! é de­di­cada ao 90.º ani­ver­sário do Par­tido, Li­ber­dade, De­mo­cracia, So­ci­a­lismo: um Pro­jecto de Fu­turo, são evo­cados dois ex­po­entes da cul­tura na­ci­onal e que são, ao mesmo tempo, parte in­te­grante da his­tória do PCP – Alves Redol e Ma­nuel da Fon­seca, ambos nas­cidos há 100 anos.

Promover a Festa

Mais de 30 pessoas participaram, sábado, na Barragem de Montargil, num concurso de pesca desportiva, que teve como objectivo promover a Festa do Avante!. Esta iniciativa, organizada pela Comissão de Freguesia de Montargil do PCP, visou, de igual forma, valorizar a pesca...

Abrir caminhos para uma sociedade mais justa

In­ter­ro­gado sobre se «po­derá o mundo de hoje ser re­pro­du­zido pelo te­atro», Ber­tolt Brecht res­pondeu: «Uma coisa fica, porém, desde já, fora de dú­vida. Só po­de­remos des­crever o mundo ac­tual para o homem ac­tual na me­dida em que o des­cre­vemos como um mundo pas­sível de mo­di­fi­ca­ções». Apro­vei­tando este ra­ci­o­cínio, Ma­nuel Men­donça e Pedro Lago ex­pli­caram ao Avante! o que o vi­si­tante da Festa po­derá en­con­trar nos três dias do Avan­te­atro, es­paço que vai manter as artes de palco, já tra­di­ci­o­nais, com uma pro­gra­mação que in­clui te­atro, te­atro para a in­fância, dança, mú­sica e o ci­nema do­cu­men­tário.

Encontro solidário e internacionalista

Pre­sente na Festa do Avante! desde a sua pri­meira edição, o Es­paço In­ter­na­ci­onal dis­tingue-se pela viva ex­pressão da luta dos tra­ba­lha­dores de todos os con­ti­nentes, e da so­li­da­ri­e­dade dos co­mu­nistas por­tu­gueses para com as ba­ta­lhas tra­vadas pelos povos contra o im­pe­ri­a­lismo e a ex­plo­ração, pelo pro­gresso e jus­tiça so­cial, pela so­be­rania e in­de­pen­dência, pelo so­ci­a­lismo.