Morder o isco ou morder a língua?

Vasco Cardoso

Poucos minutos depois do PCP ter anunciado uma moção de censura ao Governo PSD/CDS – centrada na gravidade dos factos que envolvem o primeiro-ministro, mas sobretudo na censura à sua política e objectivos –, multiplicou-se à velocidade da luz a tese de que o PCP teria «mordido o isco», salvando o Governo da sua derrota e libertando o PS da necessária clarificação a que, com uma suposta moção de confiança, seria eventualmente obrigado a fazer («Moção de censura do PCP salva o Governo e o PS», capa do Jornal de Negócios de 3 de Março).

A verdade é esta: o Governo, apesar das subtilezas na linguagem, não apresentou nenhuma moção de confiança, remetendo essa clarificação para a AR. Ora, o que é espantoso é pretender transformar a única iniciativa clarificadora quanto ao futuro deste Governo – que só não se concretizará se outros, esses sim, quiserem prolongar-lhe a acção – numa suposta bóia de salvação.

Como vimos noutros momentos, esta multiplicação de críticas ao PCP decorre do facto de este não se ter submetido ao engodo que o Governo montou e de ter agido com total independência, tomando a iniciativa de o confrontar, tal como às restantes forças políticas, com esta política contrária aos interesses nacionais e que precisa de ser interrompida.

O que estes dias estão, isso sim, a demonstrar é o suporte que o PS voltou a dar à política que está em curso. O voto contra do PS à moção de censura do PCP não é um episódio isolado, é uma decisão consistente com o voto contra a moção de rejeição ao Programa de Governo que o PCP apresentou em Abril passado. É um voto coerente com a viabilização que fez do Orçamento do Estado para 2025 ou com a política de favorecimento do grande capital, de que são exemplo a descida do IRC (que aprovaram), as privatizações (que admitem), os baixos salários e pensões (cujos aumentos propostos pelo PCP rejeitaram). É um voto alinhado com a submissão às imposições da UE (de que são convictos promotores) incluindo na escalada de confrontação e guerra.

Alguns gostariam que o PCP mordesse a língua ficando paralisado perante a manobra do Governo. Mas por mais que procurem desvalorizar esta iniciativa do PCP, o que os incomoda é a determinação do Partido em combater a política de direita venha ela de onde vier, é a firme vontade de construir uma alternativa patriótica e de esquerda, é a sua seriedade e o seu compromisso com os trabalhadores e o povo.

 



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