Cancelamentos
A Universidade Livre de Berlim (irónico, o nome) cancelou uma conferência sobre o genocídio na Faixa de Gaza. Eram oradores a Relatora Especial das Nações Unidas para os Territórios Palestinianos Ocupados, Francesca Albanese, e o arquitecto israelita Eyal Weizman, em representação da Forensic Architecture. Este grupo, sediado em Londres, recorre a técnicas e tecnologias específicas da arquitectura para investigar casos de violência de Estado e violações de direitos humanos – e investigou alguns dos muitos cometidos pelas forças israelitas nos últimos 16 meses.
A convocação do evento, primeiro, e o seu cancelamento, depois, suscitaram reacções antagónicas. Contra a sua realização levantou-se um coro de vozes poderosas, que iam do presidente da câmara de Berlim a órgãos de comunicação social. Do outro lado, em defesa da liberdade de expressão, mobilizaram-se estudantes, professores e investigadores daquela universidade, jornalistas, advogados e juízes, alertando para os riscos da abertura de «perigosos precedentes».
O presidente da instituição procurou justificar o cancelamento com um contexto difícil para uma troca de ideias «objectiva», após reafirmar hipocritamente o seu apego à liberdade académica: «onde, senão numa universidade, é que debates controversos podem ter lugar (…)?». Naquela não foi, certamente… Outros responsáveis foram mais directos – valha-lhes ao menos isso – e justificaram-no com o combate ao que designam por «anti-semitismo».
Mas este caso não foi inédito. Dias antes, Albanese tinha já sido impedida de falar numa universidade de Munique e o Forensic Architecture viu um tribunal cancelar um evento numa outra, em Aachen, onde estava prevista a sua participação. Só entre Outubro de 2023 e Outubro de 2024 houve pelo menos 183 cancelamentos de iniciativas de denúncia do genocídio e de solidariedade com a Palestina, dos quais 62% visaram pessoas com origens muçulmanas, árabes, judias ou do Médio Oriente. Algumas até eram sobreviventes dos campos de concentração e extermínio.
Numa carta aberta divulgada na semana passada, a associação portuguesa Judeus pela Paz e Justiça critica uma certa definição de «anti-semitismo», muito em voga na União Europeia, que não visa proteger os judeus, mas sim silenciar as críticas ao Estado de Israel, «ainda que isso implique a detenção ou o silenciamento de pessoas judias e a sua classificação como “anti-semitas”». Isto permite à UE «justificar o seu apoio ao genocídio em curso na Palestina», denuncia.
Perante a barbárie, todo o silêncio é cúmplice. Mas para milhões de judeus em todo o mundo, «Nunca mais!», esse clamor surgido do horror nazi-fascista, tem de ser «nunca mais para todos!». Só assim, garantem, se honrará verdadeiramente a memória das vítimas do Holocausto.