Uma questão de sobrevivência
A rapidez e imprevisibilidade dos últimos desenvolvimentos na situação internacional em resultado da política dos EUA causam naturais interrogações. Para os compreender é necessário contextualizá-los, compreendendo que são reflexo de um sistema que está em crise e que procura encontrar a forma de salvaguardar o seu domínio hegemónico e contrariar o processo de rearrumação de forças, em desenvolvimento, no plano mundial.
A mudança de táctica da administração norte-americana na política externa, particularmente no que diz respeito à sua relação com a Rússia, veio atarantar os líderes das potências europeias da NATO e da UE e baralhar as «contas» àqueles que há anos clamam por uma derrota da Rússia até ao último ucraniano morto. Ao fim de 11 anos de conflito, os EUA votaram na ONU contra a resolução sobre a Ucrânia, habitualmente promovida pela UE, e o Conselho de Segurança da ONU adoptou uma resolução proposta pelos EUA, apelando ao fim rápido do conflito na Ucrânia, que contou com a abstenção dos países que integram a UE e a NATO. Procurando condicionar os EUA e manter alguma margem de iniciativa, o presidente francês e o primeiro-ministro britânico apressaram-se a viajar para Washington, cada um por sua vez, saindo no entanto e aparentemente com uma «mão cheia de nada».
O insólito embate entre Zelensky, Trump e Vance, vice-presidente norte americano, colocou em evidência a discordância quanto à necessidade do inicio de negociações de paz, mas também do verdadeiro papel dos EUA, demonstrando que o conflito é desde o seu início travado pelos EUA, a NATO e a UE, em que a Ucrânia e o poder reaccionário e xenófobo ali instalado são usados como instrumento da sua perigosa acção belicista. A administração norte-americana não se tornou uma paladina da paz e dos direitos dos povos no mundo. Apenas virou a agulha de acordo com os interesses estratégicos dos EUA, nomeadamente apontando à China. Quanto às outras potências da NATO e da UE, após o espectáculo degradante com Zelensky na Sala Oval, apressaram-se a reafirmar o apoio ao prolongamento da guerra, perante a possibilidade dos EUA diminuírem o seu envolvimento. Não se trata de temer a «iminente ameaça russa», que não é mais que propaganda de guerra para fazer alinhar os mais incautos com a estratégia militarista da UE e do Reino Unido. Trata-se sim das classes dominantes do Reino Unido e das potências da UE verem nesta guerra e na sua continuação a sua imediata sobrevivência política e económica.
O encontro organizado por Keir Starmer em Londres, veio apenas confirmar o caminho, já há muito ensejado, de reforço da militarização e rearmamento da UE, como mostram as declarações de Ursula von der Leyen, para gáudio do Secretário-Geral da NATO (e dos EUA) que vê desta forma a possibilidade dos membros da NATO aumentarem as suas despesas militares em centenas de milhares de milhões. A reunião extraordinária do Conselho Europeu, agendada para 6 de Março, discutirá um novo pacote adicional de apoio militar à Ucrânia no valor de 20 mil milhões de euros, podendo caber a Portugal o valor de 300 milhões de euros. Os milhões que vão para guerra continuarão a sair do bolso dos trabalhadores e dos povos europeus.
Enquanto contesta a paz na Europa, a UE fecha os olhos às ameaças de Trump sobre o povo palestiniano e o bloqueio por Israel à ajuda humanitária, ameaçando inviabilizar a segunda fase do acordo alcançado em meados de Janeiro.