Era só o que nos faltava
A rábula que Ricardo Araújo Pereira ensaiou no passado domingo perante António Filipe, que prontamente rechaçou a insinuação de que o PCP estaria agora alinhado com Trump (para o que é que haveríamos de estar guardados!?), é bem reveladora dos tempos que correm.
A máquina de propaganda de guerra que tem carburado nestes anos conseguiu transformar qualquer perspectiva de paz para a Ucrânia num pretenso apoio a Putin. Esse anátema que foi lançado sucessivamente não poupou ninguém. De Lula da Silva ao Papa Francisco, e outros que se foram atrevendo a colocar o dedo na ferida, todos foram sujeitos à deturpação dos seus intentos e à calúnia como forma de diminuir o alcance das suas palavras.
Em Portugal, foi sobre o PCP que se abateu o que de mais odioso se poderia esperar nestas circunstâncias. A corajosa posição dos comunistas, denunciando as causas e a origem de uma guerra que já vai com 11 anos e apontando o caminho da solução política, foi objecto de uma infame campanha que recuperou a tese do partido «ao serviço de Moscovo» que o fascismo usou ao longo de décadas para legitimar a repressão. Era só o que nos faltava acusarem-nos agora de estar «ao serviço de Washington». Enfim!
Estes são tempos em que procuram arrumar todos os que não acompanham a ideia de «mais armas» para a Ucrânia, mais despesas militares, mais sanções, na fascizante categoria dos «traidores à pátria».
A estratégia de confrontação que o imperialismo pôs em marcha não pode ser lida à margem do reforço da corrida aos armamentos e do impulso dos lucros milionários de quem os fabrica, com destaque para o complexo militar e industrial dos EUA. Como sempre dissemos, a guerra não serve os povos mas serve quem com ela lucra. Aliás, se há coisa que fica evidente na atitude da administração Trump face a este conflito, não é nenhuma genuína aspiração de paz, mas o papel instrumental que a Ucrânia sempre representou para os próprios interesses do imperialismo e para a sua estratégia de domínio global, mesmo que à custa de milhares de vidas humanas e do saque dos recursos desse país (matéria sobre a qual Trump foi claro).
Quanto às diferenças de discurso a que assistimos nestes últimos dias entre os EUA e a UE, com a compreensível desorientação dos últimos que sempre se habituaram a «abanar a cauda», estas não alteram essa pulsão pelo aumento das despesas militares, com a UE a querer comprar e os EUA a querer vender.