O comunicado

Gustavo Carneiro

Três anos passados e talvez seja este o momento indicado para regressar ao comunicado que o PCP emitiu a 24 de Fevereiro de 2022, sobre o agravamento da situação no Leste da Europa, que foi alvo de tantos ataques e deturpações e, porventura, de incompreensões. Num contexto de intensa propaganda de guerra, pode ter passado ao lado de muito boa gente o que efectivamente nele se inscrevia – bem diferente do que, certamente por orientação superior, alguns afirmaram que lá se dizia. Os acontecimentos dos últimos dias, independentemente do seu desfecho, tornam esta revisitação particularmente interessante.

Nesse comunicado, o PCP começava por expressar a sua «profunda preocupação pelos graves desenvolvimentos na situação no Leste da Europa, envolvendo operações militares de grande envergadura da Rússia na Ucrânia, muito para além da região do Donbass», e apelar à «urgente desescalada do conflito, à instauração de um cessar-fogo e à abertura de uma via negocial». Para logo destacar a necessidade de iniciativas que contribuíssem para um processo de diálogo com vista a uma solução política para o conflito, à resposta aos problemas de segurança colectiva na Europa, ao cumprimento dos princípios da Carta da ONU e da Acta Final da Conferência de Helsínquia.

Salientou também que o agravamento da situação era indissociável da «perigosa estratégia de tensão e confrontação promovida pelos EUA, a NATO e a UE contra a Rússia», que passava pelo «contínuo alargamento da NATO e o reforço do seu dispositivo militar ofensivo junto às fronteiras daquele país», em que se inseria a «instrumentalização da Ucrânia, desde o golpe de Estado de 2014, com o recurso a grupos fascistas». Quanto à Rússia, o PCP lembrava que é um país capitalista, cujo posicionamento «é determinado, no essencial, pelos interesses das suas elites», logo, com uma concepção de classe oposta à sua. Ao mesmo tempo que sublinhava não ser expectável que esse país, cujo povo conheceu na história colossais agressões, considerasse aceitável o incremento, junto às suas fronteiras, «de um cerco militar por via de um ainda maior alargamento da NATO».

Terminava reafirmando a sua convicção de que a solução «não é a guerra, é a paz e a cooperação» e realçando que, na defesa dos interesses e aspirações do povo português e dos povos de toda a Europa, o governo português deveria «actuar de forma a favorecer o fim da escalada de confrontação e a facilitar uma solução negociada» e não alinhar Portugal na «estratégia de crescente tensão ditada pelos EUA, a NATO e a UE».

Perante a evolução dos acontecimentos, as vidas perdidas, as consequências económicas e sociais, os lucros acumulados e os meandros revelados, é hoje difícil não ver naquele texto uma análise lúcida e um caminho promissor. É sempre tempo.

 



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