Palas ideológicas

Filipe Diniz

Um poema de Jacques Prévert começa: «naquele tempo havia paz / quer dizer havia guerra noutro lado.»

Opiniões que se lêem (por exemplo Alexandra Leitão no Expresso, 17.01.2025) parecem citá-lo. Não é que ficamos a saber que temos vivido numa «ordem internacional [que] gerou 80 anos de paz», em que a lei do mais forte «tinha sido superada pelo primado do direito internacional» após a II Guerra Mundial? Não é que, como escreve outro (DN, 17.01.2015), se vive «uma ordem mundial de tolerância, liberdade e cooperação, que tem sido apanágio da Humanidade»?

Um relatório (https://tribune.com.pk/story/2345663/us-initiated-81-global-armed-conflicts-from-1945-to-2001) faz o balanço: entre 1945 e 2001, 248 conflitos armados em 153 regiões do mundo. 201 destes (81%) são de iniciativa dos EUA. Contidos enquanto existiu a URSS, ainda que com a grande escala da Coreia e do Vietname. Desde 1990 estão por todo o lado, com intervenção directa dos EUA ou com terceiros a seu mando. São quase incontáveis.

Décadas em que, principalmente por iniciativa do imperialismo EUA/NATO/UE, boa parte do mundo tem estado a ferro e fogo. Países inteiros – da Jugoslávia à Líbia ou à Síria – destruídos, milhões de seres humanos mortos ou, se sobreviveram, condenados à fome, à doença, à deslocação sabem lá para onde. Isto, para estas opiniões, tem sido o «primado do direito internacional».

E agora receiam que um homem vá «virar do avesso» esse mundo: Trump, com Musk a ajudar. A ordem internacional, que desde a Hiroshima de Truman à Gaza de Biden garantia «tolerância, liberdade e cooperação», é posta em causa por estes dois «insensatos no poder».

Virá aí alguma rearrumação no polo imperialista EUA/NATO/UE? Não é de excluir. Nada se alterará na sua natureza e no desastroso papel que desempenha. Mas isso sabemos nós. Qualquer expectativa de que cabeças com tais palas ideológicas o percebam é zero.



Mais artigos de: Opinião

50 anos da Conferência de Helsínquia – luta pela paz e pelo ambiente

No rescaldo da realização da grandiosa manifestação pela Paz em Lisboa, e num quadro em que são evidentes perigosos desenvolvimentos, nomeadamente com a escalada de confrontação e guerra do imperialismo, vale a pena lembrar a Acta Final da Declaração de Helsínquia. Portugal participou...

Grande jornada pela paz

Para todos quantos participaram na manifestação «É urgente por fim à guerra! Todos juntos pela Paz!» que percorreu, este sábado, a Baixa de Lisboa, não restam dúvidas de que foi uma grande jornada de luta pela paz. Todos nos sentimos acompanhados por uma multidão que em uníssono gritou pelo fim de todas as guerras,...

Como bombas

Peter Ford teve uma longa carreira diplomática, durante a qual desempenhou as funções de embaixador do Reino Unido no Barein, entre 1999 e 2003, e na Síria, até 2006. Retirado nesse ano, trabalhou depois na Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinianos – a UNRWA, que Israel pretende destruir – e foi, mais...

Palestina, não desarmar e prosseguir a luta!

Após 469 dias de genocídio, 47 mil mortos, 111 mil feridos e 11 mil desaparecidos, o povo palestiniano vive horas de relativo alívio no inferno em que Israel transformou a Faixa de Gaza. Quando escrevemos estas linhas passaram pouco mais de 24 horas sobre o início da entrada em vigor do cessar-fogo. Foram já libertados...

O comentador Mendes

O senhor Mendes apresentou-se este domingo, no seu espaço habitual de comentário, para discorrer sobre a ponto de situação das candidaturas autárquicas em diversos municípios, incluindo o Porto. Puxando de toda a sua sabedoria bem informada, referiu o candidato do PS, que aliás já era público, esclareceu que, no PSD, há...