Palas ideológicas
Um poema de Jacques Prévert começa: «naquele tempo havia paz / quer dizer havia guerra noutro lado.»
Opiniões que se lêem (por exemplo Alexandra Leitão no Expresso, 17.01.2025) parecem citá-lo. Não é que ficamos a saber que temos vivido numa «ordem internacional [que] gerou 80 anos de paz», em que a lei do mais forte «tinha sido superada pelo primado do direito internacional» após a II Guerra Mundial? Não é que, como escreve outro (DN, 17.01.2015), se vive «uma ordem mundial de tolerância, liberdade e cooperação, que tem sido apanágio da Humanidade»?
Um relatório (https://tribune.com.pk/story/2345663/us-initiated-81-global-armed-conflicts-from-1945-to-2001) faz o balanço: entre 1945 e 2001, 248 conflitos armados em 153 regiões do mundo. 201 destes (81%) são de iniciativa dos EUA. Contidos enquanto existiu a URSS, ainda que com a grande escala da Coreia e do Vietname. Desde 1990 estão por todo o lado, com intervenção directa dos EUA ou com terceiros a seu mando. São quase incontáveis.
Décadas em que, principalmente por iniciativa do imperialismo EUA/NATO/UE, boa parte do mundo tem estado a ferro e fogo. Países inteiros – da Jugoslávia à Líbia ou à Síria – destruídos, milhões de seres humanos mortos ou, se sobreviveram, condenados à fome, à doença, à deslocação sabem lá para onde. Isto, para estas opiniões, tem sido o «primado do direito internacional».
E agora receiam que um homem vá «virar do avesso» esse mundo: Trump, com Musk a ajudar. A ordem internacional, que desde a Hiroshima de Truman à Gaza de Biden garantia «tolerância, liberdade e cooperação», é posta em causa por estes dois «insensatos no poder».
Virá aí alguma rearrumação no polo imperialista EUA/NATO/UE? Não é de excluir. Nada se alterará na sua natureza e no desastroso papel que desempenha. Mas isso sabemos nós. Qualquer expectativa de que cabeças com tais palas ideológicas o percebam é zero.